Ao decidir realizar uma auditoria em todas as empresas credenciadas a certificar que as fazendas cumprem as regras de rastreabilidade do rebanho bovino - descredenciando as que não estiverem em condições de exercer seu papel -, o Ministério da Agricultura dá uma resposta técnica adequada às exigências da União Européia (UE), que só aceita importar carne brasileira originária de propriedades que atendam a critérios estritos de saúde animal. Mais ainda, mostra uma capacidade de reação poucas vezes vista no governo Lula.
Durante 18 dias, uma missão de veterinários europeus visitou cinco Estados, para inspecionar as condições sanitárias de 27 das 106 fazendas que constam da mais recente lista apresentada pelo governo brasileiro como as que atendem às exigências sanitárias feitas pelas autoridades agrícolas da UE e por isso podem exportar para o mercado europeu. Da lista, 9 fazendas foram excluídas durante a presença da missão no Brasil, ou a pedido dos próprios fazendeiros ou por não cumprirem as regras fixadas pelos europeus.
Em reunião com o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Ignácio Kroetz, os europeus se disseram insatisfeitos com o trabalho das empresas que certificam a rastreabilidade do rebanho brasileiro. Desta vez, o governo reagiu com presteza. Reconheceu que os europeus estão certos e decidiu auditar essas empresas.
O controle da movimentação dos animais é um problema que há mais de dois anos perturba as exportações brasileiras de carne "in natura" para a Europa. A UE quer a garantia de que a carne brasileira procede de fazendas livres da febre aftosa. Tinha desconfianças sobre a origem do produto que importava e vinha advertindo as autoridades brasileiras de que o sistema de controle da movimentação do gado utilizado no País era inadequado e isso poderia levar à suspensão das importações.
Em novembro, uma missão de veterinários enviada ao Brasil constatou que as promessas do governo de reformular o sistema não foram cumpridas. Havia, segundo a missão, "sérias e repetidas deficiências no sistema de rastreabilidade e de saúde animal do Brasil", entre as quais a falta de controle do movimento do gado e identificação dos animais.
Num comunicado divulgado no início deste ano, quando decidiu suspender a importação de carne brasileira, a UE afirmou que, "apesar dos vários alertas da Comissão Agrícola após as inspeções realizadas anteriormente, as autoridades brasileiras não adotaram medidas apropriadas para corrigir os problemas e atender às exigências européias".
Novas promessas foram feitas pelas autoridades brasileiras, e a missão que esteve no Brasil há dias veio conferir se elas estavam sendo cumpridas. Constatou, como admitiram as autoridades brasileiras, que algumas propriedades consideradas aptas a exportar para a Europa não atendiam às exigências. Constatou, também, que as empresas autorizadas pelo Ministério da Agricultura a certificar a rastreabilidade do gado bovino não estão cumprindo corretamente seu papel. Daí a decisão do governo de auditar todas as 47 empresas certificadoras, trabalho que será feito a partir de abril, com a participação de 80 a 100 funcionários federais e estaduais. Se necessário, o governo descredenciará as que não estiverem em condições de fiscalizar adequadamente.
Além disso, o governo vai orientar os auditores a respeito das exigências e da metodologia dos europeus. Desse modo, pretende uniformizar e harmonizar os procedimentos das empresas e de órgãos ligados ao controle da saúde do rebanho, e também das fazendas de gado. O objetivo é acrescentar mais propriedades à lista das habilitadas a exportar para o mercado europeu.
O embargo da UE já afeta a balança comercial do setor. De acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Bovina, com o embargo as exportações totais de carne diminuíram 16,6% em volume no primeiro bimestre do ano, na comparação com igual período de 2007. Em valor, as exportações aumentaram 16,9%, porque o preço da carne está em alta em razão da demanda forte em outros mercados.
Editorial Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO de 19 de março de 2008)