Na questão agrária, as invasões de terras dão o tom dos problemas enfrentados pelos produtores rurais. Até agora, a preocupação tem sido buscar soluções atuando sobre as conseqüências das invasões, tais como a omissão do governo no cumprimento das reintegrações de posse, as depredações e roubos nas propriedades invadidas, a não punição dos invasores e a impunidade conferida às suas lideranças.
1. Os fatos relacionados com os assentamentos
De acordo com os dados fornecidos pela Superintendência Regional do Incra/PR, pelo ofício INCRA/SR (09)/N.º3.257, de 28/09/07, a situação dos assentamentos até aquela data está representada nos quadros na próxima página.
Os fatos a seguir analisados estão relacionados com os efeitos resultantes da existência de 277 assentamentos, abrigando 17.446 famílias em área total de 363.606 hectares.
Como primeira consideração vale destacar o que apontou o Relatório Final da CPI da Reforma Agrária, conduzida pela Assembléia Legislativa do Paraná, em 2004: na totalidade dos assentamentos, os parceleiros estão sob o regime da posse precária dos seus lotes e, dada a ausência de comando do Incra, eles se mantêm dependentes, ou reféns, dos líderes dos movimentos de sem-terras.
A situação parece ser paradoxal: em que pese o Incra não ter as mínimas condições de manter o comando efetivo sobre os assentamentos, chegando a desconhecer grande parte do que neles se passa, tais como os arrendamentos e vendas de lotes, o órgão federal insiste em não emancipá-los.
Na realidade, o Incra conscientemente está atendendo a lógica do MST: manter a terra como bem coletivo sob o domínio da União, alcançando o objetivo ideológico do Movimento e, ao mesmo tempo, manter os parceleiros sob o jugo das lideranças que deles exigem comprometimento político-ideológico; obter recursos financeiros, via de regra mediante percentuais daqueles oriundos de financiamentos públicos; ter o poder de rápida mobilização em atos de protestos, marchas e invasões de propriedades.
Ainda mais: os assentamentos constituem os instrumentos que permitem ao MST viabilizar recursos para a sua manutenção, via convênios com o governo federal, por meio de cooperativas, associações e ONGs por ele constituídas.
Tal situação é também conveniente ao Executivo Federal que canalizando recursos aos movimentos dito sociais compra a adesão e a conivência destes, como vem ocorrendo nos últimos anos em que o Incra não mais consegue apresentar resultados expressivos, conforme demonstram os números comparativos apresentados a seguir:
- desde sua posse (2003) até setembro/2007, o governo Lula apresentou como resultado da execução da reforma agrária:
· instalação de 23 assentamentos em área total de 62.042 hectares;
· 3.266 famílias assentadas, com área média de 19 hectares por lote;
- o governo FHC, em igual período de tempo (1995 a setembro/1999), teve o seguinte desempenho:
· efetivação de 122 assentamentos em 160.920 hectares;
· 7.558 famílias assentadas, com área média de 21,3 hectares
- portanto, em relação ao governo Lula, o governo FHC assentou 2,3 vezes o número de famílias e incorporou 2,6 vezes a área para a reforma agrária.
Estranhamente, como resposta a esse desempenho, tido como pífio pelos movimentos sociais, contra o governo deles "ouve-se", apenas, o "silêncio obsequioso" ou, então, presencia-se algum mal-disfarçado "jogo de cena" como ato de protesto.
Na realidade, o que tais números estão a demostrar é o esgotamento do modelo de desapropriação por interesse social, uma vez que as propriedades rurais não produtivas escasseiam; é só eventualmente que algum proprietário rural desavisado tem sido pego na "arapuca desapropriatória".
Indiferente a tal escassez de terras, que é de seu total conhecimento, o MST prossegue suas ações de invasões e de marchas reivindicatórias, levando a efeito a estratégia da permanente mobilização.
Em tal estratégia, os assentados formam o caldo de cultura ideal, uma vez que:
- compõem um contigente com cerca de 70 mil pessoas (tal número, tendo por base as famílias assentadas, é uma estimativa conservadora);
- pouco mais da metade desse contigente, aproximadamente 37 mil pessoas, compõe a massa de manobra que rapidamente pode ser mobilizada, pois acha-se concentrada nos 39 assentamentos com área superior a 2.000 hectares, bem distribuídos espacialmente;
- para instalar acampamentos na beira das estradas e promover invasões, não é mais necessário arregimentar pessoas nas periferias das cidades. Se considerarmos que nos 132 assentamentos com mais de 10 anos de instalação, à época de suas criações cada família possuía em média dois filhos crianças ou jovens, é possível concluir que hoje há um formidável exército formado por mais de 10 mil adultos excedentes, constituído por pessoas educadas na ideologia socialista e na ação revanchista, pressionando por um pedaço de terra, quer ele exista ou não.
Enfim, projetando toda essa realidade paranaense para o cenário nacional, observa-se que um acordo tácito entre o governo federal e os movimentos de sem-terras dá a estes, em 75 milhões de hectares de terras de domínio da União, poder para o bem e para o mal, decidindo quem pode ser parceleiro, quando e onde, determinando o quê e quanto plantar, implantando dízimos, influenciando a formação de acampamentos, comandando marchas, protestos e invasões e organizando furtos em propriedades rurais.
Ainda mais, segundo a CPI anteriormente citada, os assentamentos hoje constituem a sociedade da reforma agrária, a qual tem suas regras ditadas pelos comandos dos sem-terras e que só aceita o poder das instituições constituídas, tais como o direito de propriedade, o Código Penal e os Poderes da República, dentre outras, se e quando as mesmas não contrariem seus objetivos socializantes
2. Os Fundamentos Referentes à Emancipação
O fundamento referencial é o da legalidade.
Tem por base os dispositivos da Contituição Federal que garantem:
- O "direito à propriedade", nos termos do "caput" do artigo 5º,complementado pelo "direito de propriedade" previsto no inciso XXII desse artigo;
- A "propriedade privada", como um dos princípios da ordem econômica, consoante o artigo 170, inciso II.
Portanto, por analogia leia-se que é garantido a todo cidadão brasileiro o "direito à propriedade privada".
Dessas considerações, depreende-se que o Incra vem agindo de forma ilegal ao manter, nos assentamentos, o sistema da propriedade coletiva estatal, sob o regime da posse precária pelo parceleiro.
Ainda mais, o órgão federal permite que tais assentamentos fiquem sob o controle dos Movimentos, constituindo uma das principais causas dos conflitos no meio rural brasileiro, o que leva a inferir que o governo federal, ao invés de mediar, estimula o conflito de classes.
Retornando ao quadro I, o que se observa é que dos 277 assentamentos implantados, 132 têm mais de 10 anos de existência.
Assim, estabelecendo uma margem de segurança conservadora, tais assentamentos já preencheram o tempo para as suas consolidações e podem ser emancipados mediante a outorga dos títulos de domínio aos parceleiros, conforme prevê o artigo 17, inciso V, da lei n.º 8.629/93, beneficiando 7.342 famílias.
O fundamento completar é o da cidadania.
Diz respeito ao cerceamento, por parte do Incra, ao direito constitucional à propriedade privada, ao não promover a titulação definitiva para os parceleiros.
A propriedade privada é uma das premissas da democracia e um dos princípios do sistema capitalista; privar alguém do acesso a ela é, no mínimo, impor um processo autoritário de cassação da cidadania.
Salvo melhor juízo, o "vir a ser" proprietário de um bem, com todos os direitos e deveres a ele inerentes, é a expectativa de cada cidadão e o seu direito à propriedade privada é assegurado constitucionalmente.
3. As Conclusões
As conclusões dos fatos e fundamentos até então expostos são meridianamente simples e claras.
3.1 - Os assentamentos são essenciais para os movimentos dito sociais no desenvolvimento de suas estratégias político-ideológicas.
Por não estarem emancipados, os assentamentos constituem uma das principais causas que mantêm a dinâmica das invasões de propriedades, pois:
- permitem que tais invasões, e outras manifestações contestatórias, sejam financiadas indiretamente com recurso públicos captados por entidades sob o controle dos movimentos;
- concentram contigentes de pessoas - os parceleiros - que por estarem sob o controle dos movimentos tornam-se, em boa parte, participantes compulsórios das ações destes.
3.2 - Seja pelos termos que a Constituição Federal dispõe, seja pelo respeito aos princípios democráticos de cidadania, tem o Incra a obrigação de outorgar o título de domínio aos assentados, queiram ou não os arautos do socialismo dogmático e os oportunistas travestidos de líderes, de tal forma que, cumpridas as formalidades legais, possam esses titulados dispor de seus bens e decidir sobre seus comportamentos políticos do modo que melhor lhes convier.
José Guilherme Lobo Cavagnari é consultor de Assuntos Fundiários da FAEP