A consciência pela preservação do meio ambiente, dominante entre nós brasileiros, está sendo afrontada pela incompetência do governo na questão da Amazônia. Não há mistério a decifrar na explosiva devastação da floresta, mas uma tentativa artificial de confundir e impedir a identificação do principal responsável. É ridícula essa discussão, que escamoteia o crime ambiental - sim, porque não se trata de uma divergência sobre formas de utilização econômica da floresta, mas de infringência de leis em vigor. Além de acinte aos esforços pela preservação da vida no planeta num espaço que nos cabe vigiar.
Não
faz sentido a polêmica em torno dos detalhes do exame de “corpo de
delito”, já que não está em jogo o fato concreto - a tipificação penal
- do aumento do desmatamento, embora o governo, para livrar-se da
responsabilidade, agarre-se desesperadamente ao factóide risível que é
a divergência sobre a precisa avaliação métrica do desastre. Um
detalhe, se não fosse incongruente tratar assim números tão
espetaculares.
O povo brasileiro poderia ser poupado da
manobra cínica, que expõe o estilo hipócrita do governo. A extensão da
área devastada - seriam mais ou menos 7.000 quilômetros quadrados,
entre agosto e dezembro de 2007 - dispensa a exatidão da medida, uma
vez que, mesmo que se aceite por baixo os números, a ordem de grandeza
é espantosa. O que se coloca é pura e simplesmente a constatação da
responsabilidade de quem tinha a guarda e vigilância da área devastada.
Só a partir daí, apurada a incompetência, irresponsabilidade ou
corrupção do Ministério do Meio Ambiente, seus dirigentes e órgãos -
inclusive para inocentá-los, pois o impossível acontece - pode-se
continuar a apreciação do grave problema criado.
Dispensa-se
a choraminga da ministra Marina, que a todo custo quer se passar por
vítima, quando devia simplesmente confessar seu fracasso. Também não
fazem sentido metáforas malucas sobre o assunto. Há coisa mais sem pé
nem cabeça, e de maior mau gosto, que aquela história do sintoma
frustrado de câncer aplicado à controvérsia cavilosa sobre o
desmatamento?
Desçamos, portanto, aos fatos. O primeiro e
mais gritante é a lembrança de que por remota que seja a área devastada
- muitas só identificadas através de satélites - não se removem
secretamente as toras da floresta para os portos e áreas de
comercialização no país sem que sejam notadas pelos postos de
fiscalização policiais, fazendários ou do próprio Ibama. É evidente que
boa parte ou a totalidade dessa madeira foi acompanhada de guias,
legais ou fraudadas. Portanto, houve permissão para que a madeira
trafegasse, já que é impossível que não tenha sido observada sua
movimentação sem que se acendesse o sinal amarelo da suspeita.
No
caso, a ministra Marina Silva não precisa clamar como vítima mas, no
mínimo, confessar negligência, incompetência ou traição, no caso da
infidelidade dos seus colaboradores infiéis e de determinadas ONGs que
acoberta. Não lhe resta alternativa, senão simplesmente assumir sua
autoridade (para isso é ministra e paga), apurar as concessões dos tais
DOFs do Ibama (as guias que atestam a procedência legal da madeira) e,
se for o caso, demitir-se por ter sido incapaz de cumprir seu dever.
Ela não é coitadinha coisa nenhuma, pois exerce em nome do Estado
brasileiro a responsabilidade de guarda e gerência do patrimônio
florestal preservado, com a agravante de que 76% da Amazônia são
constituídos por terras públicas, cujo desmatamento, além de crime
ambiental, implica roubo.
Sem essa de responsabilizar o
dinamismo do agronegócio nacional, assim como seus produtores rurais
que, autorizados por leis anteriores, desmataram 50% de suas
propriedades e aguardam reconhecimento de seus direitos. Também não
devem ser condenados isoladamente os assentados dos demagógicos
programas de reforma agrária, abandonados no meio da mata virgem e,
teoricamente, restritos a desmatar apenas 20% das suas pequenas
propriedades mas que avançam, a cada ano, nos 80% de florestas que
deveriam preservar.
Enquanto a opinião pública nacional é
distraída com a discussão sobre se foram desmatados 3, 2 ou 7 mil
quilômetros da Amazônia não se fala do fantástico negócio da madeira
derrubada, já que o que se queima são apenas tocos, madeira branca e
vegetação miúda. Madeireiros ilegais não foram citados, apenas os
pecuaristas, agricultores e os assentados.
Há uma
conspiração evidente para esconder os principais protagonistas
beneficiados com a devastação. É falsa a impressão de que a mata é
simplesmente queimada. A fumaça, no fundo, apenas esconde os
madeireiros contraventores, grandes especuladores internacionais que
usufruem lucros fabulosos em um dos mais aquecidos mercados do mundo.
Impunes, sem ao menos serem citados, contabilizam seus dólares e euros.
Enquanto uma árvore deitada tiver mais valor que uma árvore em pé,
dificilmente vamos ter resultados positivos na preservação da Amazônia.
Nesse quadro, os brasileiros são tentados a esquecer o
essencial, que me permito lembrar: a preservação da Amazônia é uma
questão de Estado, um objetivo nacional, do qual o governo não pode se
omitir. Não lhe é concedido lavar as mãos ou tentar montar enredo de
conto policial, pois não há suspense, dúvida ou mistério sobre o
culpado. O culpado não é o mordomo. Não há o que desvendar. A acusação
é óbvia, nada tem de anedótica ou presumida.
O governo,
depositário infiel, não guardou o que lhe foi confiado, não recuperou o
que deixou roubar e, depois de constatada a devastação, nem ao menos
tomou medidas acauteladoras para evitar que prossiga. Limita-se a
gritar, lamuriar-se, coagir e multar, sem apresentar política pública
consistente. Em meio ao caos, cava sua candidatura, não ao Prêmio Nobel
como alardeia, mas ao Guinness, o livro dos recordes bizarros e
superlativos intrigantes, como campeão da denúncia de sua própria culpa.
* Kátia Abreu é senadora (DEM-TO) e vice-presidente de Secretaria da Confederação da Agricultura e
Pecuária do Brasil (CNA).