Começou, pra valer, o ano de 2008. No Brasil, todos sabem, funciona assim. Até o carnaval as coisas andam mornas, nada se define. Passada a folia, entretanto, a vida embala. Hora de pensar no futuro.
Esse marasmo pré-carnavalesco é típico da política. Com o Congresso Nacional em recesso, Brasília se acalma e o País esquece seus dramas democráticos. Rara exceção, todavia, ocorreu este ano: uma ministra da República, justamente a da Igualdade Racial, acabou demitida antes da patuscada. Também, pudera, exagerou na farra, a do cartão de crédito corporativo. Perdeu a avenida do poder.
O período de férias escolares ajuda a criar esse ritmo de espera. No comércio, após a correria das festas natalinas, chega o momento de arrumação da casa, poucas vendas, descanso merecido. Na indústria, máquinas a meia carga. Começo de ano, a praia se agita. A cidade se acalma.
No campo é diferente, tudo se aquece. Agricultor trabalha sem parar desde novembro, época de plantio da SAFRA. O tempo esquenta, chegam as chuvas, cresce o mato, aumentam as bicheiras no gado. Final de ano, até março, trabalhador rural não pode parar. Se bobear, perde a produção.
O carnaval chega, distrai o produtor rural, mas, ao contrário do mundo urbano, não paralisa nada. Em fevereiro as lavouras estão florescendo e granando. Quem plantou mais cedo, variedade precoce, já prepara a cultura de inverno. Jornada dupla, sem descanso remunerado.
Passada a ressaca, premiadas as campeãs do carnaval, a sociedade inteira desperta. A economia engata marcha a pleno vapor. Vale perguntar: como anda a agropecuária brasileira?
No geral, boa performance. Este ano poderá configurar importante recuperação da renda agregada no campo. Com dólar baixo, os custos de produção se mantiveram. O preço das commodities anda supimpa. Cresce a demanda. Corre bem o regime de chuvas.
Na AGRICULTURA energética, continua positiva a expansão dos canaviais, embora tenha passado aquela euforia, exagerada, do ano passado. Naqueles dias, com Bush por aqui e Lula chamando os usineiros de heróis, parecia que o ETANOL iria estourar. Se todos os investimentos anunciados, muitos estrangeiros, se tivessem materializado, o álcool jorraria na esquina da avenida.
A economia, entretanto, logo se regulou. Internamente, caiu o preço da cana-de-açúcar, reduzindo a rentabilidade do fornecedor. Os europeus anunciaram que pretendem, mesmo, cobrar responsabilidade ambiental da produção, esfriando o comércio. Enfim, a agenda do ETANOL não configura aquela maravilha alardeada e o planejamento estratégico do setor trabalha com cenários distintos daquele imaginado no carnaval passado. Felizmente.
Curiosamente, em meio às incertezas, os usineiros, juntamente com o governo paulista, descobriram o imenso valor da bioeletricidade. No médio e longo prazos, a chamada co-geração, energia advinda do bagaço e da palha da cana, poderá ser a atividade mais promissora, e necessária, ao País. Uma Itaipu se esconde, quase de graça, entre os canaviais paulistas.
A soja consolida excelente SAFRA, estimulada pela elevada demanda, interna e externa, de rações e insumo básico da avicultura e da suinocultura. A China entrou no mercado, há cinco anos, adquirindo 5 milhões de toneladas de soja. Agora precisa de 30 milhões. Na falta de mamona, também empurra a sojicultura o programa brasileiro de biodiesel.
A sensação da SAFRA 2008 está no milho. Preço bom, mercado garantido, exportações inusitadas. Fácil de produzir, produtividade em alta, o milho tupiniquim pega o vácuo do programa norte-americano de ETANOL, que retira 87 milhões de toneladas do mercado e o direciona para as dornas de fermentação. Ano passado, inusitado, o Brasil exportou quase 10 milhões de toneladas do amarelo cereal. O primo pobre da AGRICULTURA virou gente grande.
Nas carnes, mesmo considerando o ranzinza boicote europeu, avança a supremacia brasileira. O leite, talvez a última fronteira da globalização, vence seus desafios de qualidade e começa a ganhar o mundo. Em 2007 as divisas, principalmente do leite em pó, atingiram US$ 260 milhões. Há quem preveja, em dez anos, o País ultrapassando a Nova Zelândia, líder do mercado mundial.
Ah, e o feijão? Produto mais xingado pela dona de casa no momento, em face dos absurdos preços, o phaseolos apresenta boas notícias após a folia de Momo. O desajuste de plantio rapidamente se resolve, contando com a facilidade das SAFRAS múltiplas, possíveis apenas nos trópicos. Cultura de ciclo curto, boa para irrigação, o lucro elevado despertou a sede dos produtores. Não faltará produto, e o preço em breve despenca.
Como se percebe, por onde se olha, boas notícias chegam do campo. Nem as cansativas estripulias dos sem-terra retiram o brilho da moderna roça. Mas os produtores rurais sentem falta de algo. Demora para a agropecuária ser reconhecida como força decisiva no desenvolvimento nacional.
A sociedade não compreende, ao certo, o valor que brota do campo. Acaba, com certo preconceito, desprestigiando seu belo desfile. Para piorar, o desmatamento na Amazônia, notícia que varreu o carnaval deste ano, manchou novamente sua imagem. Esse tema precisa ser encarado.
A agenda ambiental vai prevalecer em 2008. No campo, será o maior desafio. Se aceitá-lo como enredo, a agropecuária começa, definitivamente, a vencer seu passado. Um grande acordo contra o desmatamento seria um enorme presente para o próximo carnaval.
*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo.e-mail: xico@xicograziano.com.br