Do total das terras amazônicas (a "Amazônia Legal" possui 502 milhões de hectares segundo o IBGE, enquanto o "Bioma Amazônico" possui em torno de 358 milhões de hectares), a iniciativa privada só pode explorar como atividade agropecuária 24 milhões de hectares ou 4,8% deste total. Tal limitação é decorrente da legislação ambiental que obriga o proprietário ou possuidor de terras a manter 80% de sua área como reserva legal nesta região. Estes números do próprio governo demonstram quem é o grande proprietário de terras amazônicas no Brasil. O próprio governo.
Apesar da referida lei de gestão de florestas públicas, a mesma não tratou diretamente de um dos principais problemas da região da Amazônia Legal que é a ocupação irregular de terras públicas. Diversos produtores são ocupantes de terras públicas da União, de forma mansa e pacífica, há vários anos. Políticas públicas federais geraram uma série de situações ou títulos precários, tais como:
- simples posses; ocupantes sem documentos de ocupação com processos formalizados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (lncra);
- Licença de ocupações; Autorizações de ocupações; Contratos de Promessa de Compra e Venda de Terras Públicas Federais; Contratos de Alienação de Terras Públicas; entre outros.
A regularização fundiária não sai do papel e todo ordenamento jurídico existente torna inexeqüível qualquer iniciativa. Somente a regularização fundiária dessas áreas poderá diminuir os atuais conflitos agrários e a pressão por novas áreas na floresta amazônica, trazendo segurança jurídica, bem como o conhecimento da situação ocupacional desse imenso território.
Em relação ao atual quadro de desmatamento, o Governo Federal não assume sua responsabilidade de controle de suas próprias terras, não combate os crimes ambientais, na forma da lei, bem como, com a ausência de Estado, estimula a grilagem das terras públicas, em detrimento daqueles que cumprem a função social da propriedade rural. Ao contrário, adota medidas para monitorar e fiscalizar áreas de proprietários e/ou possuidores regulares, sendo a mais recente iniciativa o Decreto 6.321, de 21 de dezembro de 2007, que dispõe sobre ações relativas à prevenção, monitoramento e controle de desmatamento no Bioma Amazônia, determinando ainda mais obrigações de natureza fundiária aos proprietários e possuidores de imóveis rurais às já existentes. O Governo Federal não consegue separar o proprietário, ou o possuidor regular, do grileiro de terras e dos promotores de desmatamento ilegais. A soja e o a pecuária de corte viraram os principais "bodes expiratórios".
É nítida a ausência do Estado em suas terras na Amazônia, que há vários anos, virou terra de ninguém. A solução para o desmatamento da Amazônia é complexa, mas com certeza passa obrigatoriamente por iniciativas, tais como: promover uma efetiva regularização fundiária (titulação e alienação aos atuais ocupantes), solucionando as situações precárias que se arrastam por anos; separar o que é público do privado (ações discriminatórias) e o que é regularizável ou deva ser retomado pelo Poder Público; combater a grilagem de terras; modernizar o castrado de imóveis rurais; etc.
Quanto à "soja na Amazônia", essa cultura ocupa 1,4% da "Amazônia Legal", sendo, praticamente, insignificante a sua produção região amazônica, onde toda a área, ocupada para o seu cultivo, representa apenas 0,3% da Amazônia "de fato", ou seja, do "Bioma Amazônico". Considerando-se que o total das áreas abertas perfazem em torno de 70 milhões de hectares no total (na "Amazônia Legal"), a soja, definitivamente, não pode ser considerada a vilã do desmatamento.
O fato é que as atividades agropecuárias, por falta de um ordenamento territorial precisam de um referencial para fins de regularização das áreas já consolidadas. Este ordenamento é dado pelo ZEE - Zoneamento Ecológico Econômico que, até o momento, não saiu do papel.
Por outro lado, o governo tem buscado ocultar outras atividades que possuem importante papel no que se refere à ocupação e exploração insustentável do espaço territorial amazônico. Os assentamentos rurais, tem tido, pelo poder público, a sua parcela de responsabilidade sobre os desmatamentos na Amazônia minimizada (quando não negada). Estes já somam 42 milhões de hectares na Amazônia de um total de, aproximadamente, 75 milhões de hectares em todo país. Do que estão vivendo essas pessoas que se encontram, literalmente, favelizadas nessas zonas rurais sem qualquer espécie de apoio, orientação e assistência técnica, fomento adequado, etc.?
Tão lamentável quanto essa situação é o posicionamento do Presidente do INCRA que declarou em outubro passado que os assentamentos contribuem com a preservação ambiental e que: "desde 2006, o desmatamento nos assentamentos caiu 51,2%; e prova disso é que aumentou-se o número de famílias e o número de áreas assentadas na Amazônia Legal e, mesmo assim, o desmatamento caiu". Os dados recentemente apresentados mostram exatamente o contrário. Para garantir a continuidade do caos em que se encontram esses projetos, o Governo Federal, através do recém editado Decreto Federal 6.321/07, praticamente garante a manutenção da prática dos ilícitos ambientais, praticadas nos assentamentos rurais, institucionalizando - inconstitucionalmente - a impunidade nos mesmos, pela autorização da continuidade dos desmatamentos irregulares nesses empreendimentos públicos, como pode ser comprovado no seu Artigo 12: "No caso de desmatamento ou queimada florestal irregulares de vegetação natural, o agente autuante embargará a prática de atividades econômicas sobre a área danificada, excetuadas as de subsistência...". Pergunta-se: Qual o significado do termo "subsistência"? Seriam apenas os assentamentos rurais? E os outros produtores? Trabalham por "esporte"?
Lastimável também é o "combate à legalidade". Se, segundo o próprio governo, mais de 90% dos desmatamentos (outras estimativas indicam que seria mais do que isso) são irregulares, questiona-se: qual a razão de suspender a emissão das autorizações de desmate? Seria o mesmo que, para combater a sonegação fiscal, a Receita Federal suspendesse o cadastramento das pessoas físicas e jurídicas (CPF e CNPJ)...
Outra atividade, que tem sido, parcialmente, blindada pelo governo federal, tendo forte contribuição à incineração da floresta (literalmente) é a indústria do ferro gusa. Essa atividade, em que pese a sua importância, contribui ativamente para o desmatamento e exploração insustentável, principalmente no Estado do Pará, indicado como o estado da federação com a situação mais crítica no que se refere a esse problema, segundo dados apresentados no dia 24/01/08.
Levantamentos recentes do IBAMA demonstram que menos de 2% do carvão que movimenta o maior pólo siderúrgico do país -o de Carajás - possui origem legalizada. A fabricação de carvão vegetal, para abastecer as 14 empresas siderúrgicas da região, consome mais madeira do que toda a cadeia de indústrias de madeira da Amazônia, a qual engloba cerca de 3.500 empresas 1!
Não se tem noticia -ao contrário do que se constata a respeito do setor florestal da aplicação de embargos ou penalidades significativas às (grandes ou médias) empresas que estão, abertamente, operando na ilegalidade, num jogo de empurra, onde operam através de fornecedores terceirizados, e a esses - muitas vezes sem patrimônio e sem endereço - é imputada pelos empreendedores a responsabilidade pelo não reflorestamento para o suprimento. Na imprensa apenas depara-se, várias vezes ao dia, com informes publicitários sobre as preocupações ambientais desses empreendimentos.
1 Levando-se em conta que são necessários 2 metros cúbicos de biomassa florestal para cada metro de carvão produzido, chega-se ao total de 2 milhões de metros cúbicos de biomassa florestal por mês para abastecer as indústrias de ferro-gusa, o que representa 24 milhões de metros cúbicos de consumo anual.
É fundamental, a partir da implementação do Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE, fazer a regularização fundiária e contar com a efetiva presença do poder público na região de modo a organizar a exploração e ocupação dos recursos naturais da Amazônia.
A não presença do Estado, cumprindo os seus papeis institucionais, além da dilapidação desses preciosos recursos naturais, acarretará prejuízos inestimáveis ao setor agropecuário, constituído em sua grande maioria por produtores rurais, os quais respeitam a legislação, bem como aos milhões de brasileiros, dependentes, dos empregos e da renda gerada a partir dessas atividades.
A imagem negativa do país no cenário internacional, causada pelo insucesso na condução desse tema e da ineficácia das políticas públicas atualmente adotadas, com certeza irá prejudicar a nação como um todo, a partir de novas barreiras
comerciais internacionais que poderão ser impostas, além, é claro, da perda da oportunidade de darmos um melhor destino a esses preciosos recursos.
Finalmente, é preciso não deixar que a Amazônia simplesmente se transforme em um grande parque ecológico, onde tudo será proibido. Devem-se criar mecanismos de remuneração, a exemplo do que acontece em outros países do mundo, para proprietários de áreas destinadas à conservação, de modo que os serviços ambientais sejam reconhecidos e valorados. Deste modo, os proprietários não ficariam apenas com o ônus da conservação das florestas como é hoje, bem este de interesse de toda a humanidade.