Trabalhadores rurais que exercem sua atividade em terras invadidas - sejam elas públicas ou privadas - terão o direito de se aposentar. O tempo que o invasor permanecer ilegalmente na propriedade pode ser contabilizado como requisito para a obtenção do benefício previdenciário. Para a colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Dora Kramer, a decisão é uma "benevolência do Estado" porque o Governo simplesmente ignora a legislação que retira invasores e terras invadidas do programa de reforma agrária. Segundo ela, agora quem invade terra não apenas pode continuar a invadir sem ser importunado como tem direito a benefícios que muitos trabalhadores legais têm dificuldade para receber. Leia a seguir trecho do artigo de Dora:
"Benevolência de Estado
Desde que o governo Luiz Inácio da Silva decidiu simplesmente ignorar a legislação que retira invasores e terras invadidas do programa de reforma agrária não se via uma agressão tão flagrante à lei como a agora levada a termo pelo Ministério da Previdência.
Com a aprovação do ministro Luiz Marinho, a consultoria da pasta achou por bem assegurar aos trabalhadores em áreas ocupadas ilegalmente o direito de contar tempo para a aposentadoria rural.
A Procuradoria Federal Especializada do INSS concorda, sob o argumento de que "a titularidade da terra é irrelevante". Mas, a bem do bom senso e do respeito à Constituição, a Diretoria de Benefícios do INSS discorda e alega o óbvio: afronta ao direito de propriedade e abrigo a atividade ilegal sob o patrocínio do Estado.
Por enquanto, porém, se não houver contestação judicial, a posição do ministro prevalece. Agora, quem invade terra não apenas pode continuar a invadir sem ser importunado, como tem direito a benefícios que muitos trabalhadores legais têm dificuldade para receber.
É a benevolência do Estado em contraposição ao que o então ministro da Reforma Agrária, Miguel Rossetto, chamou de "autoritarismo de Estado" assim que, no primeiro mandato de Lula, assumiu perfeitamente autorizado a contrariar a legislação em vigor. Sem força no Congresso para derrubar a medida provisória editada no segundo governo Fernando Henrique Cardoso - depois de uma primeira gestão também toda dedicada a levar rasteiras e sustentar as ilegalidades do MST - retirando do programa de assentamentos os invasores e as áreas ocupadas, o novo governo achou mais fácil deixar a lei para lá.
Resultado: aumentou a violência no campo e cresceram as invasões. Mais grave, os atos se banalizaram.
O tempo passou, o governo manteve-se firme na decisão de ignorar os reclamos ante aquela aberração institucional e todo mundo se acostumou a conviver com uma entidade ilegal, mãe de filhotes igualmente fora da lei, e fica parecendo tudo muito normal, que a opção oficial estava certa só porque o MST não se transformou numa ameaça à paz na terra brasileira.
Só que a ilegalidade persiste e, como se vê agora, recrudesce, amplia sua influência para outras áreas. Ao ponto de uma instância governamental (procuradoria é parte da administração pública) opinar pela irrelevância da titularidade da terra.
Pode ser
irrelevante no tocante às exigências para caracterizar o direito de um
trabalhador rural à contagem do tempo de serviço para receber a
aposentadoria. Mas é essencial no que tange ao respeito ao direito de
propriedade e ao que a Diretoria de Benefícios do INSS muito
apropriadamente definiu como "estímulo do Estado à ocupação de terras
alheias".