Muito tem se discutido e refletido sobre rastreabilidade e realmente o assunto é extremamente complexo e polêmico uma vez que tantos interesses estão em jogo.
Interesses de produtores que, aderindo ao SISBOV, almejam uma remuneração diferenciada pelo seu produto, com o menor custo possível. Interesses das certificadoras que ao visualizar o tamanho do rebanho de corte deste país continental, vêem na rastreabilidade um mercado de prestação de serviço que entusiasmaria qualquer empreendedor. Interesses das empresas fabricantes de brincos identificadores, que vislubram uma importante oportunidade de vender seus produtos. Também as empresas de desenvolvimento de software visualizam na rastreabilidade uma oportunidade de negócios. E os frigoríficos que, com rebanhos rastreados, poderão brigar pelos disputadíssimos mercados europeu, japonês e americano.
O "mercado" por sua vez, vem "usando" da rastreabilidade, como acontece há muito tempo com a febre aftosa, para proteger seus interesses. O uso das barreiras sanitárias vai continuar acontecendo enquanto as pressões de países exportadores como o Brasil, na OMC, não forem suficientes para garantir o livre comércio e a queda destas barreiras. Entretanto, as barreiras sanitárias continuarão a nos preocupar também enquanto todos os atores das cadeias produtivas não se conscientizarem que esta é a regra do jogo para participar do comércio internacional.
Todos esses interesses são verossímeis e quase todos legítimos. Porém, apesar da importância econômica da rastreabilidade, não podemos perder de vista que ela surgiu e continuará existindo como uma ferramenta para promover segurança alimentar ao consumidor.
Neste sentido:
O produtor tem que entender que a rastreabilidade é burocrática, porém é uma forma de declarar e tornar auditável a sanidade e a qualidade praticada. É uma ferramenta de gestão, que pode por algum tempo ser um diferencial competitivo para atingir melhores preços no mercado; é também uma garantia de permanência no mercado.
O setor público, Ministério de Agricultura e Serviços Estaduais de Defesa Agropecuária, devem assumir o papel de reguladores do processo, seja normatizando e auditando, seja fiscalizando para corrigir distorções que vão aparecendo com o "andar da carruagem"; devem também desenvolver normas compatíveis com sua estrutura administrativa e, quando necessário, terceirizar ações passíveis de serem monitoradas pelo poder público, sob pena de colocar em descrédito todo o sistema.
O frigorífico deve ser parceiro da defesa agropecuária, facilitando a ação dos órgãos de fiscalização ou seus credenciados e valorizando os produtores que fazem a rastreabilidade de fato.
Os prestadores de serviço deverão ficar atentos à formas cada vez mais baratas, éticas e eficazes de prestar o serviço aos produtores, conscientes que esta demanda se incorporará naturalmente ao mercado de trabalho dos profissionais das ciências agrárias.
O "mercado" deve exigir qualidade e segurança alimentar dos produtos, o que lhe é um direito, desde que não use deste expediente como subterfúgio para protecionismo, em detrimento do livre comércio que tanto tem contribuído para o desenvolvimento das nações. Remunerar os custos de todo este processo, pois qualidade e segurança afinal de contas tem preço, não é mesmo!!
A experiência do Paraná, apesar das dificuldades e distorções enfrentadas até aqui, pode ser considerada efetivamente como ferramenta de sanidade agropecuária. O cruzamento informações de trânsito animal, a unificação dos bancos de dados da rastreabilidade e o cadastramento das propriedades são fundamentos preconizados pelo Código Sanitário Terrestre da Organização Internacional de Saúde Animal (OIE). A experiência paranaense tem a melhor perspectiva, desde que, amplamente discutida e lapidada junto com o setor privado.
Celso F. D. Doliveira é médico-veterinário - Assessor técnico do Fundepec
(Fundo de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná)