Você come o trigo no pãozinho francês logo no café da manhã, durante um jantar romântico nas massas dos melhores restaurantes, nas refeições rápidas com macarrões instantâneos, no pão de hambúrguer das redes de fast-food, pastéis, bolachas, num almoço servido com a pizza mais crocante da cidade e, também, nos bolos de festas de aniversários e casamento. Definitivamente, o trigo faz parte da matéria-prima de centenas de alimentos apreciados pelo brasileiro.
Para chegar à sua mesa, aos supermercados, restaurantes, pizzarias e lanchonetes, o trigo passa por uma cadeia produtiva que começa com a decisão do agricultor de plantar essa cultura de inverno.
Essa é uma das decisões mais difíceis, pois o agricultor do Paraná, maior produtor de trigo brasileiro, sempre corre um grande risco de perder muito dinheiro. Tudo porque não conta, ainda, com um verdadeiro seguro agrícola que minimize suas perdas de produção por problemas climáticos. Basta uma seca ou geada e a produção, feita geralmente com financiamentos em bancos, fica totalmente comprometida.
Este ano mesmo, enquanto você saboreia o pastel na esquina, muitos agricultores têm parcela da dívida de prejuízos tomados com o trigo em anos anteriores.
Os produtores estão conscientes que precisam minimizar este risco. Mesmo porque eles sofreram grandes perdas com os problemas climáticos dos últimos anos. O trigo faz parte do rol de culturas que têm apoio num Programa de Subvenção do Governo Federal (quem sabe o estadual um dia acorde para isso); mas a contratação do seguro ainda não obteve adesão dos produtores devido, exclusivamente, às distorções e à baixa atratividade de seu formato.
O produtor eficiente, que investe no plantio, está sendo prejudicado, pois sua produção nunca apresentará perdas em patamares que acionem a cobertura. É como fazer o seguro de um automóvel e só receber em caso de perda total. Imagine, a sua Seguradora informando: "Não podemos ressarcir o seu prejuízo no carro. Apesar de ter capotado o veículo, não houve perda total". É praticamente o que ocorre no atual seguro do trigo, que só serve para cobrir catástrofes.
Para acionar o seguro, os produtores teriam que colher menos que 70% da produtividade esperada no município, critério este estipulado pelas Seguradoras. Observe, leitor, que a produtividade considerada é do município e não do produtor. Aqui, uma nova incongruência. Você faz o seguro de um astra, mas o avaliam como o de um fusca.
Para exemplificar, o quadro a seguir é um exercício que demonstra as distorções no cálculo de produtividade. Foram selecionados dois municípios paranaenses que sofreram perdas consideráveis na safra 2006, apontado como um dos piores anos em produtividades das últimas safras do estado. Os dados de 2006 foram comparados com o seguro ofertado no ano seguinte.
Em 2007, as seguradoras estipularam a média histórica de dez anos por município com dados do IBGE para definir a produtividade de todos os produtores. Nos dois municípios citados, as perdas dos produtores, apesar de significativas, não atingiriam os "gatilhos" para acionar o seguro ofertado. Lógico, as seguradoras consideraram uma produção muito inferior à produtividade efetiva do município, demonstrada na tabela pelo cálculo da média de três anos.
Certamente, foi esse o raciocínio que os agricultores fizeram em 2007 para rejeitar o seguro. Aplicaram as regras do seguro numa safra péssima em produtividade (2006) e constataram que não seria vantajoso contratar. Além disso, o prêmio do seguro do trigo é o mais oneroso da agricultura.
Portanto, não foi a falta de conscientização do produtor o responsável pelo fracasso nas vendas deste seguro. Ocorre que esse é um problema que desestimula o agricultor, que vem reduzindo sistematicamente a produção de trigo. Uma decisão ancorada na falta de apoio da política agrícola.
Quem paga a conta nesse caso somos todos nós. Produtores rurais, vendedores de insumos agrícolas, trabalhadores de moinhos e empresas do ramo alimentício, corretores de seguros, bancos, governo e finalmente, o consumidor. Menor produção de trigo, mais importação de farinha de trigo da Argentina, produto em falta e os preços subindo. Jornais estampando: "Alimentos respondem por metade da inflação em 2007".
Em 2008 o governo tem que criar uma verdadeira política agrícola de apoio ao trigo e resolver, por exemplo, a competição desleal com o trigo argentino, o câmbio desfavorável, a falta de navios e os preços altos para a cabotagem do produto da região Sul para o Norte e Nordeste do Brasil. Além de, em conjunto com as seguradoras, alterar as regras do seguro. Ou teremos mais uma vez um seguro mal formatado e fadado a sobrar na prateleira.
SIMULADO DE SEGURO PARA TRIGO - MUCICÍPIOS SELECIONADOS - PARANÁ
Municípios |
Produtividade
Efetiva - média 3 anos * |
Produtividade esperada pela Seguradora - média 10 anos – 2007 * | Gatilho para acionar cobertura de 70% da produtividade | Produtividade colhida em 2006 ** | Receberia o seguro em 2006 ? |
(Kg/ha) | (Kg/ha) | (Kg/ha) | (Kg/ha) | - | |
Campo Mourão | 2.144 | 1.800 | 1.260 | 1.400 | NÃO |
Tibagi | 2.783 | 2.380 | 1.666 | 2.000 | NÃO |
Fonte: Aliança do Brasil, * IBGE, ** Seab/Deral Elaboração: DTE/FAEP
Pedro Loyola é economista do Departamento Técnico e Econômico da FAEP
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