A
situação vivida pelo produtor e presidente do Sindicato Rural de
Maringá, José Antonio Borghi, foi ponto de partida para uma reportagem
sobre Reserva Legal no jornal Valor Econômico, na semana passada
(30/10/07). Na matéria, de Bettina Barros, o produtor explica por que
recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) em uma ação civil pública,
proposta por ONG ambientalista, que cobra a existência da Reserva Legal
em sua propriedade. Seu raciocínio é claro e simples: "Quando comprei a
terra já não havia floresta e eu é que tenho que arcar com esse ônus?
Quem tem que pagar é quem desmatou ou quem tinha que fiscalizar e não
fiscalizou".
Leia trechos da reportagem
do Valor Econômico, intitulada "Polêmica sobre reserva legal volta à
tona":
José Antonio Borghi tinha 25 anos quando comprou 240 promissores hectares na região de Maringá. A terra fértil do Paraná, disputada por agricultores de cidades e Estados vizinhos atraídos pelos bons resultados dos grãos, soava como a promessa de um futuro tranqüilo e renda garantida. Eram os anos 80 e, naquela época, Borghi podia ser considerado um sujeito de sorte: além de arrebatar a terra cobiçada, encontrou a área sem uma sombra de árvore. Estava pronta para plantar.
"Paguei mais caro pela propriedade porque a terra tinha um índice de aproveitamento de 90%", relembra o agricultor, que hoje fornece soja, milho e trigo para as duas maiores cooperativas do Paraná, Coamo e Cocamar. 'Ninguém compraria uma área que fosse verde e improdutiva".
O que Borghi, nem qualquer agricultor daqueles dias, imaginaria é que duas décadas depois ele seria cobrado judicialmente por isso. Contra ele há uma ação civil pública movida por uma ONG local por dano ao meio ambiente. Borghi é questionado porque sua propriedade não tem a chamada reserva legal, um percentual mínimo de cobertura florestal nativa exigido pelo Código Florestal brasileiro. Por lei, o agricultor paranaense deveria ter preservado ao menos 20% da sua área com florestas - no caso, 48 hectares da propriedade.
Borghi recorreu e aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Seu raciocínio é claro e simples: "Quando comprei a terra já não havia floresta e eu é que tenho que arcar com esse ônus? Quem tem que pagar é quem desmatou ou quem tinha que fiscalizar e não fiscalizou", argumenta ele.
A questão está na Câmara dos Deputados, onde, após várias emendas e adiamentos, tramita o projeto de lei número 6.424/2005, que prevê alterações no Código Florestal, de 1965. Aprovado pelo Senado, o PL foi enviado à Comissão de Agricultura da Câmara e pode ir à sanção presidencial ainda este ano.
A proposta do senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA) possibilita ao produtor compensar a reserva legal em bacia hidrográfica ou bioma diferentes de onde está a propriedade, considerando-se áreas prioritárias definidas pelo Estado. Agrada sobretudo a produtores do Sul e Sudeste, onde a fertilidade joga para cima o valor da terra. Na Amazônia Legal, onde a obrigatoriedade da reserva em áreas florestais é de 80% , o projeto permite aos produtores que desmataram além do limite recuperarem apenas 50% com espécies nativas, sendo que os 30% restantes poderiam ser "aproveitados" com o plantio de palmáceas, como o dendê. Na prática, seria a redução da reserva legal.
O que está em jogo é o interesse de gerações de brasileiros que cresceram com "reclames" de TV encorajando, à margem da lei, o desmatamento para fazer do Brasil o gigante agrícola que é.
Mas também há os interesses de um vasto (cada vez maior) grupo preocupado com a sustentabilidade do país. O desejo de crescer nas décadas passadas arrasou com 93% da Mata Atlântica e quase 80% do Cerrado, um bioma vital por englobar as mais importantes bacias hidrográficas. Sem florestas, alterações significativas ocorrem no regime de chuvas, afetando o solo e o clima.
Para o advogado Antonio Monteiro, do Pinheiro Neto Advogados, a Amazônia deveria ser preservada, sobretudo quando o mundo discute as mudanças climáticas e seus impactos. Mas ele faz coro à defesa de que a vocação agrícola de uma região deveria servir como critério para a recomposição da reserva legal.
"Não houve uma base científica para determinar o percentual de reserva legal. Foi uma opção política da época. Não faz sentido criar reserva em uma área que é campeã em sacarose por hectare", afirma o advogado, referindo-se a um cliente do setor sucroalcooleiro. Ele prossegue com os números de um eventual prejuízo: dono de terras com valor de mercado de R$ 3 milhões, seu cliente perderia cerca de R$ 1 milhão por ano em produção de cana se tivesse que cumprir os 20% de reserva legal exigidos por lei.
A bancada ruralista tem na ponta da língua contas já feitas. Citando estudo do IEA (Instituto de Economia Agrícola), Rodrigo Brito, da Confederação Nacional de Pecuária e Agricultura (CNA), diz que o Estado de São Paulo registraria queda no PIB agrícola de até R$ 20 bilhões por ano e perda de 800 mil empregos "se todo mundo reparasse os 20%".
Segundo os agricultores, cumprir a lei se torna difícil porque além da reserva legal o Código Florestal determina ainda a manutenção das Áreas de Proteção Permanente (APP), como a mata ciliar. Os ruralistas defendem uma flexibilização nas regras para que as APPs sejam incluídas nas contas da reserva legal.
Ana Cristina Barros, da The Nature Conservancy (TNC), explica que a reserva está associada a um problema "básico" - a falta de um cadastro nacional de propriedades rurais. "Esse é o dilema da soja, do boi. Onde estão as fazendas, de quem são, qual é o seu passivo? Sem essas informações não há sequer capacidade de planejamento", diz ela. E sem os cadastros se torna difícil pensar em compensação financeira para quem mantiver a floresta de pé, como requerem os agricultores.
A falta de cadastro impossibilita números exatos sobre o vazio verde do país. Mas os próprios governos arriscam: menos de 10% das propriedades têm reserva legal averbada em cartório.