Há poucos dias, assistimos novamente ao não comparecimento de grande parte do colegiado da Comissão Técnica de Biotecnologia (CTNBio) à sua reunião mensal de outubro. Desanimados com as recorrentes intervenções da Justiça nas suas decisões e aprovações, eles optaram pela ausência como forma de protesto e a falta de quorum impediu a realização da reunião de trabalho. (Atualmente a comissão é composta por 54 membros, dos quais 17 são titulares e os demais, suplentes).
As barreiras que paralisam a biotecnologia no País, justamente em um ano em que o Presidente Lula anunciou investimentos em biotecnologia de US$ 40 bilhões até 2010, para colocar o Brasil entre as lideranças mundiais do setor, soam, no mínimo, contraditórias. Os altos custos para os cofres nacionais desse emperramento nas decisões regulatórias de produtos originários da biotecnologia assustam a nós, cientistas brasileiros e também a toda a comunidade científica internacional.
De acordo com um estudo publicado por pesquisadores da Universidade Missouri-Columbia e da Universidade da Califórnia, ambas americanas, em condições normais do processo regulatório, os custos de aprovação de uma variedade de milho resistente a insetos, por exemplo, oscila entre US$7 e US$15 milhões. Nesses custos foram incluídos gastos como estudos de segurança, produção de tecidos, importações necessárias para que as pesquisas sejam realizadas, testes toxicológicos, entre outros. Além disso, os autores explicam que os valores tiveram como parâmetros os principais países produtores (Estados Unidos, Canadá, Argentina e países da União Européia) e os principais importadores (como Japão e Coréia do Norte).
Se, em única variedade de planta transgênica, os custos regulatórios podem atingir U$ 15 milhões, o que não terão custado os processos regulatórios de todas as variedades geneticamente modificadas, plantadas em mais de 385 milhões de hectares de cultivo biotecnológico (soja, milho, algodão e canola, entre outros) existentes em todo o mundo desde 1996? Assim, quando se decide entravar um processo unicamente por razões ideológicas, quanto prejuízo isso pode causar à ciência dentro das instituições e das empresas e, principalmente à sociedade de um país, cujos consumidores deixam de ter acesso aos benefícios da inovação? Sem falar nos prejuízos para o país, do ponto de vista econômico, de competição internacional?
Infelizmente, não é apenas em solo brasileiro que a capacitação de cientistas e pesquisadores responsáveis pela aprovação de organismos geneticamente modificados (OGMs) vem sendo combatida com argumentos ideológicos. Na África, por exemplo, o parlamento do Quênia tem tentado estabelecer um arcabouço legal que dê sustentação à atividade agrícola ligada a biotecnologia.
Lá na África, como ainda ocorre aqui no Brasil, os críticos ideológicos repetem os mesmos argumentos de que a adoção da biotecnologia poderá ameaçar o meio ambiente e causar problemas à saúde das pessoas. Argumentação totalmente ultrapassada do ponto de vista técnico e epidemiológico, quando se sabe que bilhões de pessoas, há mais de 11 anos, consomem diariamente alimentos provenientes da biotecnologia sem qualquer problema de saúde, e que o meio ambiente, em todo o mundo, vem sendo beneficiado pelas plantações transgênicas com a redução do uso dos agrotóxicos.
Para o cientista africano, professor Calestous Juma, da Harvard University, os aspectos negativos do atraso na adoção e também da não adoção da biotecnologia precisam ser levados em consideração por esses críticos. Ele informa que, inclusive, atualmente existe vandalismo tecnológico no Quênia, com fanáticos destruindo redes de fibra ótica. Não é possível que, em pleno século 21, tenhamos que conviver com grupos com práticas medievais. Chama a atenção que seja em países em desenvolvimento, como o Brasil e o Quênia, que esses grupos estejam tendo sucesso em suas investidas.
*Leila Oda
é presidente da Associação Nacional de Biossegurança (ANBio)