Renegociação outra vez 

* Roberto Rodrigues

Fica a impressão de que o campo não paga dívidas e pede sempre para prorrogá-las, o que exige explicação

 ESTÁ DE volta a discussão sobre nova renegociação das dívidas dos agricultores. O assunto é recorrente e dá a impressão desagradável de que o campo nunca paga suas dívidas e vive pedindo para prorrogá-las.
 
A repetição da matéria exige explicações à sociedade. Tudo começou com o programa de substituição das importações, há décadas, mas o grande golpe aconteceu no Plano Collor. Naquela ocasião, quando se deu o confisco das poupanças dos brasileiros, a agricultura viveu uma situação injusta: as dívidas dos produtores rurais foram corrigidas pelo IPC, em 84%, enquanto os preços agrícolas foram corrigidos pela BTN, em 42%.
 
Ora, um agricultor que devia ao banco um empréstimo de 100 no dia 14 de março de 1990 e ia colher uma safra no valor de 110, pagaria as dívidas e ainda sobrariam 10 unidades monetárias para tocar o negócio. E acordou, dia 15 de março, com o Plano Collor, devendo 184 e com a safra valendo 152! Uma dívida nova, eminentemente contábil, sobre a qual não tinha a menor responsabilidade.
 
Foi um desastre, e depois de anos difíceis, quando as coisas começavam a melhorar, veio outro golpe, o Plano Real. De novo houve um descasamento: as dívidas foram corrigidas pela famigerada TR e quase dobraram em um ano, enquanto os preços agrícolas foram esmagados, em nome do combate à inflação. Mais dívida escritural.
 
A essas crises se somaram a abertura comercial plena, que expôs nossos produtos agrícolas sem nenhuma proteção aos concorrentes subsidiados dos países ricos; e a própria estabilização interna da moeda, exigindo muito mais eficiência na gestão rural. Um duro período, em que milhares de agricultores perderam tudo o que tinham e foram expulsos do campo.  
 
A partir de 1999 - com a desamarração cambial -, o governo iniciou um programa de renegociação das dívidas agrícolas, em reconhecimento de que elas eram, em grande parte, responsabilidade dele mesmo, em seus esforços para acabar com a inflação.
 
Com as dívidas renegociadas - e sem perdão de um único centavo -, os agricultores voltaram a ter direito a novos créditos, para tocar a atividade e a vida para a frente.
 
Vieram outros bons programas, como a oferta de mais recursos para crédito de custeio com taxas prefixadas e a criação do Moderfrota, um crédito especial para investimentos em máquinas, tratores, colhedeiras e equipamentos mecanizados.
 
Com o câmbio favorável e os bons preços internacionais, houve uma lufada de capitalização, e os agricultores entraram firmes no Moderfrota, modernizando seus equipamentos, melhorando o padrão tecnológico e deslanchando a produtividade.
 
O resultado foi espetacular para o Brasil: de 1998 a 2007, a área plantada com grãos aumentou 24,9% enquanto a produção cresceu 59,1%. Um sucesso! Em clima de otimismo, os produtores inauguraram 2004 com os motores roncando pelo país afora, investindo, abrindo terras, criando empregos, riquezas e renda, gerando excedentes exportáveis e grandes esperanças. E todo mundo comprando a crédito, juros correndo todo dia santo e feriado.
 
De repente, o céu caiu na cabeça agrícola. Os preços começaram a despencar, veio uma seca brutal, apareceu a aftosa, os mercados se fecharam, o câmbio tirou 30% da renda rural em quatro anos e tudo escureceu. Sem renda, as dívidas ficaram insolúveis. Agora, não tem saída para voltar a arejar o campo: só mesmo outra renegociação. Mas, para evitar isso no futuro, é preciso implementar uma política de renda.

* Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. (Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo de 12 de outubro).
Boletim Informativo nº 979, semana de 22 a 28 de outubro de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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