ESTÁ
DE volta a discussão sobre nova renegociação das dívidas dos
agricultores. O assunto é recorrente e dá a impressão desagradável de
que o campo nunca paga suas dívidas e vive pedindo para prorrogá-las.
A
repetição da matéria exige explicações à sociedade. Tudo começou com o
programa de substituição das importações, há décadas, mas o grande
golpe aconteceu no Plano Collor. Naquela ocasião, quando se deu o
confisco das poupanças dos brasileiros, a agricultura viveu uma
situação injusta: as dívidas dos produtores rurais foram corrigidas
pelo IPC, em 84%, enquanto os preços agrícolas foram corrigidos pela
BTN, em 42%.
Ora, um agricultor que devia ao banco um
empréstimo de 100 no dia 14 de março de 1990 e ia colher uma safra no
valor de 110, pagaria as dívidas e ainda sobrariam 10 unidades
monetárias para tocar o negócio. E acordou, dia 15 de março, com o
Plano Collor, devendo 184 e com a safra valendo 152! Uma dívida nova,
eminentemente contábil, sobre a qual não tinha a menor
responsabilidade.
Foi um desastre, e depois de anos
difíceis, quando as coisas começavam a melhorar, veio outro golpe, o
Plano Real. De novo houve um descasamento: as dívidas foram corrigidas
pela famigerada TR e quase dobraram em um ano, enquanto os preços
agrícolas foram esmagados, em nome do combate à inflação. Mais dívida
escritural.
A essas crises se somaram a abertura
comercial plena, que expôs nossos produtos agrícolas sem nenhuma
proteção aos concorrentes subsidiados dos países ricos; e a própria
estabilização interna da moeda, exigindo muito mais eficiência na
gestão rural. Um duro período, em que milhares de agricultores perderam
tudo o que tinham e foram expulsos do campo.
A
partir de 1999 - com a desamarração cambial -, o governo iniciou um
programa de renegociação das dívidas agrícolas, em reconhecimento de
que elas eram, em grande parte, responsabilidade dele mesmo, em seus
esforços para acabar com a inflação.
Com as dívidas
renegociadas - e sem perdão de um único centavo -, os agricultores
voltaram a ter direito a novos créditos, para tocar a atividade e a
vida para a frente.
Vieram outros bons programas, como a
oferta de mais recursos para crédito de custeio com taxas prefixadas e
a criação do Moderfrota, um crédito especial para investimentos em
máquinas, tratores, colhedeiras e equipamentos mecanizados.
Com
o câmbio favorável e os bons preços internacionais, houve uma lufada de
capitalização, e os agricultores entraram firmes no Moderfrota,
modernizando seus equipamentos, melhorando o padrão tecnológico e
deslanchando a produtividade.
O resultado foi
espetacular para o Brasil: de 1998 a 2007, a área plantada com grãos
aumentou 24,9% enquanto a produção cresceu 59,1%. Um sucesso! Em clima
de otimismo, os produtores inauguraram 2004 com os motores roncando
pelo país afora, investindo, abrindo terras, criando empregos, riquezas
e renda, gerando excedentes exportáveis e grandes esperanças. E todo
mundo comprando a crédito, juros correndo todo dia santo e feriado.
De
repente, o céu caiu na cabeça agrícola. Os preços começaram a
despencar, veio uma seca brutal, apareceu a aftosa, os mercados se
fecharam, o câmbio tirou 30% da renda rural em quatro anos e tudo
escureceu. Sem renda, as dívidas ficaram insolúveis. Agora, não tem
saída para voltar a arejar o campo: só mesmo outra renegociação. Mas,
para evitar isso no futuro, é preciso implementar uma política de
renda.