Biodiversidade. Capturado da ecologia, o conceito, embora de complexo significado, se popularizou. Proteger a diversidade biológica virou unanimidade no discurso ambiental. Sinal dos tempos. O termo biodiversidade tem uso recente. Foi sugerido pela primeira vez em 1986, substituindo a expressão diversidade biológica, visando a facilitar a comunicação dos cientistas ligados ao Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos. Deu certo.
Um dos maiores apelos em defesa da biodiversidade surge da ameaça de extinção das espécies, em razão da supressão dos hábitats naturais. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a terrível lista dos animais, ou vegetais, ameaçados de sumiço relaciona 16.306 organismos. No último ano, novas 178 espécies se somaram ao famigerado rol, liderado pelos gorilas. No total, 785 já desapareceram e outras 65 sobrevivem unicamente em cativeiro, ou domesticadas. Triste situação.
O Brasil é considerado o país da megadiversidade. Sua flora, riquíssima, apresenta 20% das espécies conhecidas no mundo. A concentração de mamíferos é recorde mundial, com 514 espécies. Na mata atlântica, cada hectare de floresta conta até 450 espécies de plantas.
Favorece a biodiversidade a condição tropical. Elevadas temperaturas, muita pluviosidade e farta energia solar ajudam a multiplicação da vida. As cadeias produtivas são mais longas e complexas nos trópicos. Já nas regiões temperadas, o inverno gelado encurta o ciclo vital e reduz a variabilidade. A neve causa dormência.
Na agronomia, a biodiversidade interessa especialmente ao estudo das pragas agrícolas. O pioneiro nessa tarefa foi Adilson Pascoal, professor da Esalq-USP. Seu magnífico livro Pragas, Praguicidas e a Crise Ambiental mostrava, já em 1976, o desequilíbrio ecológico da produção rural.
Ensina o professor Pascoal que a simplificação trazida no agroecossistema estimula o surgimento das pragas. Nasce aqui o drama da agricultura. Derrubar mata nativa para implantar lavoura significa, sempre, reduzir a complexidade da natureza, abrindo caminho para desequilíbrios ecológicos. Com uma agravante. O uso indiscriminado de agrotóxicos aniquila os inimigos naturais, reduzindo ainda mais a estabilidade do sistema. A cada ciclo da cultura, piora a situação. Besouros, lagartas, percevejos, insetos de toda sorte, livres de seus predadores, atacam com força total as lavouras. Afinal, eles habitam a Terra há milhões de anos.
O caso dos pulgões tornou-se exemplar. E pedagógico. O principal inimigo natural dos afídeos é a joaninha, bichinho famoso pela formosura de sua colorida carapaça. Cada joaninha devora até 70 pulgões por dia, e essa terrível batalha pela vida sempre manteve o equilíbrio das espécies. Até que chegaram a agricultura e os primeiros pesticidas. Estes, pulverizados sobre as plantações, matavam tudo que é inseto.
Acontece que os insetos-praga são menos específicos que seus inimigos naturais. Quer dizer, a joaninha não vive sem o pulgão, seu alimento predileto. Mas o pulgão se vira bem sugando plantas variadas. Sem o broto da laranjeira, ataca a mangueira, o capim, o feijão, o que vier. A eclética preferência é sua sorte.
Azar dos agricultores. Os agrotóxicos vieram para salvar as plantas e, ao aniquilarem junto os inimigos naturais, pioraram a situação. No começo, parecia uma beleza. Alguns ciclos depois, verdadeira tragédia. Entre 1958 e 1976, o número de pragas que atacavam as culturas brasileiras subiu de 193 para 400. Era somente o começo.
A reação da inteligência agronômica chegou por meio do controle integrado de pragas, valorizando o controle biológico. Mas, primeiro, era necessário desenvolver nova geração de inseticidas. Foram proibidos os inseticidas clorados, persistentes e abrangentes. Novas moléculas químicas geraram pesticidas mais seletivos, que fazem mal às pragas, mas aliviam os inimigos naturais. Matam lagartas, mas deixam abelhas em paz. Melhorou bastante o problema.
Nesse processo de evolução tecnológica, laboratórios das universidades começaram a criar, em condições artificiais, levas de insetos e demais organismos capazes de realizar o controle biológico de pragas. Casos de sucesso se destacam, como o uso da vespa Cotesia flavipes no combate à broca da cana-de-açúcar. Ou do Baculovirus anticarsia, um fungo, no controle da lagarta da soja.
Em 30 anos, tudo mudou. Na década de 1970, o pacote tecnológico da (suposta) moderna agricultura mandava aplicar agrotóxicos a cada 15 dias, fizesse chuva ou fizesse sol. O preceito era manter a lavoura limpa. Saiu tudo errado.
Hoje mandam os pragueiros. Com lupas na mão, técnicos realizam a contagem das pragas nos talhões e indicam a necessidade, ou não, da pulverização de defensivos químicos. O momento certo depende do equilíbrio, na lavoura, entre a praga e seus predadores. Condições climáticas também definem a equação. Acabou o pacote fechado.
Práticas agronômicas como a intercalação e a rotação de cultivos, a cobertura verde nas entrelinhas, o plantio direto, aliadas às melhorias genéticas, permitiram equilibrar a batalha contra as pragas. Nessa luta prepondera a visão holística.
Os agricultores descobriram, assim, a importância da biodiversidade. Perceberam que as matas escondem um exército amigo, os inimigos naturais das pragas. O refúgio natural ajuda a salvar a lavoura. Protegendo a bela joaninha.
Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Texto disponível no endereço www.xicograziano.com.br