Logo chega a primavera. As árvores já trocaram de roupa e os ipês se vestiram de amarelo. Nesta época, ainda mais agora, após o clamor do aquecimento global, cabe refletir sobre o valor das florestas. A começar da Amazônia.
Pode parecer estranho falar da Hiléia, não da mata atlântica, por aqui. Acontece, porém, que a floresta original que recobria as terras paulistas está com sua devastação controlada. Felizmente. O verde de sua graça ainda permanece cobrindo parte da Serra do Mar, como na Mantiqueira.
O rastro de sua impiedosa destruição, é verdade, esteve feroz. Quando se iniciou a colonização européia, o bioma da mata atlântica cobria 17,6% do território nacional, distribuídos especialmente ao longo da costa, desde o Sul até a Bahia. Hoje, restam apenas 10% da mata original, 18% dela em São Paulo. Manchas da rica vegetação permanecem infiltradas pelo interior, como na Reserva do Morro do Diabo, no Pontal do Paranapanema paulista.
Desmatar era a ordem do progresso. Belíssimo livro, lançado recentemente pela Secretaria de Meio Ambiente, atesta esse enfrentamento da natureza pelo homem. Ler Nos Caminhos da Biodiversidade Paulista, organizado pelo jornalista Marcelo Leite, a partir de trabalho de dezenas de pesquisadores, provoca um sentimento ambíguo, e indescritível, de ganho e perda na história da colonização.
Convenientemente, as coisas mudaram. As últimas medições realizadas pelo Instituto Florestal comprovam que os remanescentes da mata atlântica permanecem quase intactos na região litorânea de São Paulo. Alguma recuperação se inicia, desde há 15 anos, nas matas ciliares espalhadas pelo interior. Boa notícia.
Da Amazônia, entretanto, o panorama chega menos alvissareiro. Dados recentes mostram que caiu o ritmo do desmatamento. Pode ser devido à crise conjuntural da agropecuária. O governo esteve, também, mais atuante, regulamentando o corte sustentável da floresta. Mas a economia que vive do saque se mantém firme e forte. Permanece por lá a idéia de que cortar madeira serve ao progresso. Tal como São Paulo no passado.
Como salvar a Amazônia? Aumentar a fiscalização ambiental, por certo, é importante. O governo federal poderia criar uma polícia florestal, específica, para enfrentar os criminosos do mato. A experiência da Polícia Ambiental em São Paulo, com 2.200 homens, mostra êxito.
A conscientização ecológica dos agricultores ajuda. E o mercado mundial, restritivo aos produtos ambientalmente sujos, favorece. A maior prova se encontra na moratória da soja, acordo realizado entre empresários e organizações ambientalistas. Restringe o comércio externo da soja plantada em desmates recentes na Amazônia. Excelente idéia.
É aqui, na ponta do consumo, que se esconde o ovo de Colombo da proteção da Amazônia. Repressão local é luta de guerrilha. A guerra mesmo se vencerá conscientizando a demanda. Nesse processo, a sociedade paulista tem papel fundamental a cumprir. Basta recusar-se a comprar madeira surrupiada da floresta. Simples, embora difícil.
O grande consumo das toras amazônicas reside em São Paulo. Aqui está o destino, juntamente com Rio de Janeiro e Minas Gerais, para 80% dos caminhões carregados do roubo florestal. Influenciar esse padrão de consumo, isso sim, fere de morte a rapinagem ambiental.
A equação depende da construção civil e da indústria de móveis. Madeira de lei centenária - perobas e mognos, maçarandubas e imbuías - acaba serrada para virar caibros e ripas de telhados, tacos e tábuas de assoalhos, camas e armários. Um gosto antigo, mania atrasada.
Existe a exploração sustentável, aquela oriunda de perímetros controlados, tecnicamente conduzidos, onde se escolhem apenas as árvores maduras para abater, não ameaçando a reposição da floresta nativa. A confiabilidade desse sistema é, infelizmente, precária. Inexiste auditoria. Desconfia-se de que muita madeira certificada seja esquentada no conluio entre a ganância e a ladroagem pública.
A construção civil deve banir, logo, o uso de madeira sem origem certificada. Melhor, pode adquirir seus produtos no setor das florestas plantadas, priorizando o uso de pinus e eucalipto. Aglomerados e compensados de madeira substituem, com vantagens econômicas, a madeira nativa. Ecologia agrega valor ao marketing do setor imobiliário.
A conscientização das famílias, compradoras de casas e apartamentos, fecha o cerco contra a derrubada da Amazônia. Amigos da natureza valorizam a produção limpa. Motivada, a sociedade vence a quadrilha florestal.
Rios voadores. Aos incrédulos, a inusitada informação. Cientistas, como o meteorologista Pedro Dias, da USP, estimam que, na estação chuvosa, até 70% da precipitação caída em São Paulo depende do vapor dágua gerado na Amazônia. Uma árvore adulta expele até 300 litros de água por dia. Quer dizer, se acabar a floresta lá, pára de chover aqui.
O fenômeno vem sendo estudado, há 20 anos, pelo professor Enéas Salati, da Esalq-USP, um abnegado. Os ventos dominantes na Amazônia sopram de leste para oeste, em função da rotação da Terra. Quando batem nos Andes, viram-se para o sul, descendo para o Prata. O volume de água transportado pelo ar adquire a grandeza do Rio Amazonas, com 200 mil metros cúbicos por segundo. Quem diria.
Em 21 de setembro, Dia da Árvore, mais que plantar tenras mudas, deveria haver uma verdadeira cruzada em defesa do mundo verde. Realçar a agenda do consumo sustentável. Chega de matar árvores para adornar a sala de visitas.
* Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Texto disponível no site www.xicograziano.com.br