O ano de 2007 será um marco na História da humanidade.
A população urbana, em todo o mundo, vai superar a rural.
As cidades, definitivamente, venceram o campo. Na quantidade, é
certo.
Os dados foram divulgados em relatório oficial da ONU. Segundo o
Fundo de População das Nações Unidas
(UNPFA), as tentativas de conter a migração rural-urbana
falharam, comprovando o inevitável processo de
urbanização. Em 1950, moravam na roça 71% da
população mundial. Agora está meio a meio. Em
2030, estima a ONU, os rurícolas cairão para 40,1%. As
cidades crescerão muito, supõem os estudiosos,
principalmente na Ásia e na África, continentes onde a
maioria da população, cerca de 60%, ainda reside no campo.
No Brasil, a inversão dos moradores, na corrida rumo à
cidade, ocorreu há mais tempo. Os censos do IBGE mostram que,
até 1960, predominava a população rural. Em 1970,
porém, já se constatava o predomínio da
população urbana, com 56% da nacional. Atualmente, 81%
dos brasileiros residem nas cidades.
A supremacia da cidade sobre o campo suscita, ao menos, duas
questões relevantes. A primeira toca no passado. Trata-se de
avaliar o que aconteceu com a qualidade de vida nessa jornada da
urbanização. Aglomerações urbanas e, mais
ainda, metrópoles não necessariamente melhoram a
condição humana.
A segunda questão aponta o futuro. O processo de
urbanização se afigura como inexorável.
Entretanto, forças novas se movem na sociedade mundial,
especialmente aquelas relacionadas com a progressiva
degradação dos recursos naturais do planeta. Dependendo
das soluções que a civilização encontrar
para enfrentar a crise ambiental, abre-se a hipótese de ocorrer
uma reversão na dinâmica populacional.
Os demógrafos tradicionais não acreditam nessa possibilidade.
Supõem que a atração das cidades manterá a
migração rural-urbana. Uma das razões dessa
crença, correta historicamente, diz respeito à maior
pobreza existente nas áreas rurais. Realmente, durante a
primeira grande onda de urbanização, verificada entre
1750 e 1950, na Europa e na América do Norte, a
industrialização capitalista ofereceu oportunidades de
emprego que foram fundamentais para livrar as massas camponesas de
séculos de opressão feudal. Assim floresceu a urbe.
Mais tarde, políticas públicas eficazes sustentaram o
bem-estar social. Surgia a classe média, destacada entre
operários e patrões. Com as róseas
condições do Welfare State, ninguém pensa em ficar
no campo.
No caso brasileiro, mesmo com deficiente planejamento urbano, o
êxodo rural chegou avassalador. Em face da miséria rural,
dificilmente se comprova se foi a cidade que atraiu ou o campo que
expulsou tanta gente. O fato é que, em pouco tempo, o
País se urbanizou fortemente. Cada século na Europa valeu
aqui uma década.
Nem a violência nascida no asfalto, tampouco o desemprego nas
periferias foram capazes de estancar o processo de
urbanização brasileiro. Contribuiu a elevada taxa de
natalidade. As famílias eram useiras em ter cinco, oito ou mais
filhos. Com a queda da mortalidade infantil, tornou-se
impossível ocupar a prole na terra batida. Fruto de
fenômeno cultural, o campo restou esquecido. Pior, passou a ser
tratado com preconceito. As luzes da cidade é que importavam
para a sociedade e a política. Às condições
objetivas se somou a ideologia. A roça acabou lugar de Jeca
Tatu. Pobre ruralista.
Muito bem. Passou. Resta descobrir agora, após a virada do
milênio, no que se embasa o processo de
urbanização. No horizonte se vislumbram negras nuvens.
Não se trata, apenas, de apontar o aumento da criminalidade
urbana, atemorizando citadinos. Nem, ademais, de perceber a fragilidade
do mercado de trabalho.
No grau de consumo estará a ruína da cidade. O
aquecimento global, a supressão das florestas e a
poluição da natureza inviabilizam alongar indefinidamente
o padrão de vida baseado no elevado dispêndio, quase
desperdício, de energia. Vem aí um xeque-mate na
civilização perdulária. Será
possível às famílias chinesas e indianas manterem
dois carros e um aparelho de ar-condicionado cada?
Certamente, não. Modificações no padrão de
consumo e no modo de produção serão exigidas para
oferecer futuro sustentável à humanidade. A
habitação será diferente, o transporte
mudará, o cotidiano será distinto. Haverá nova
consciência, coletiva, sobre a vivência humana e o usufruto
possível da natureza.
Certas regiões da Europa não distinguem a zona rural da
urbana. Melhorias públicas, infra-estrutura viária,
comunicação, uma série de investimentos permitem
afirmar que o campo foi urbanizado. Ora, para que morar no centro
poluído, se no arrabalde se encontram as mesmas comodidades, com
a vantagem da melhor qualidade de vida?
Valoriza-se boa parte do interior brasileiro graças à
redução de sua distância, física, pela
tecnologia de comunicação. Melhores estradas,
ônibus na porta, emprego próximo. Na era
pós-moderna, com a decisiva ajuda da tecnologia das
comunicações, a cidade se aproxima do campo.
Elis Regina - quem não se lembra? - cantava: “Eu quero uma
casa no campo...” Três décadas depois,
famílias se mudam para o interior à procura do sossego
perdido, do ar puro, da proximidade com a natureza. Mesmo continuando a
trabalhar na metrópole, habitam o campo. Felizes.
Rompem-se as fronteiras da cidade. Na época medieval, forte muro as cercava. Hoje se espraia, rompendo suas divisas.
*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Texto disponível no endereço www.xicograziano.com.br