RECURSO EM COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - PROCESSO Nº 01050/2006-001-24-00-3-RO.1
Recorrente: CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL - CNA
Recorrido: O. J. M.
RELATOR: DESEMBARGADOR NICANOR DE ARAÚJO LIMA
A C Ó R D Ã O
AÇÃO DE COBRANÇA - INDEFERIMENTO DA INICIAL -
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL - CONFEDERAÇÃO
NACIONAL DA AGRICULTURA - PROCEDIMENTO ADEQUADO. A ação
de conhecimento é a via processual que dispõe a
recorrente para promover a cobrança da
contribuição sindical, posto que com o advento da
Constituição Federal de 1988, o Ministério do
Trabalho, por suas autoridades regionais, não mais expede
certidão da dívida ativa para entidades sindicais. E a
CNA não se assemelha aos entes públicos para tal fim
(art. 1º da Lei n. 6.830/80). Recurso ordinário provido,
por unanimidade.
Trata-se de recurso ordinário interposto pela
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil,
às f. 47/68, contra a r. decisão de f. 46, proveniente da
1ª Vara do Trabalho de Campo Grande/MS, da lavra da MM. Juiz do
Trabalho Rodnei Doreto Rodrigues, que extingüiu o feito sem
julgamento do mérito por falta de interesse processual.
Insurge-se a recorrente pleiteando a reforma da r. decisão,
aduzindo que o procedimento legal escolhido - processo de conhecimento
- é o meio processual adequado e eficaz para proceder a
arrecadação da contribuição sindical rural,
objeto da demanda.
Contra-razões às f. 72/74.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do
Trabalho, nos termos do art. 115 do Regimento Interno deste Regional.
É, em síntese, o relatório.
V O T O
1 - ADMISSIBILIDADE
Interposto que foi no prazo legal e, presentes os demais pressupostos
de admissibilidade, conheço do recurso e das
contra-razões.
2 - MÉRITO
2.1 - AÇÃO DE COBRANÇA JUDICIAL - CABIMENTO - INEXISTÊNCIA DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA
Insurge-se a recorrente contra a r. decisão de f. 46, alegando
que a “ação de cobrança” impetrada
é o procedimento idôneo a ser adotado nos presentes autos,
posto que a reclamante não dispõe de certidão de
dívida ativa, documento hábil à efetiva
propositura da “ação de execução de
título extrajudicial”, e tampouco de meios para promover a
referida inscrição em dívida ativa do
crédito tributário que arrecada. Aduz também que,
com a promulgação da Constituição Federal
de 1988, por força do inciso I do artigo 8º, houve expressa
vedação às autoridades regionais do
Ministério do Trabalho de expedirem a certidão de
dívida ativa relativa a débitos inadimplidos da
contribuição sindical rural.
Pleiteia a recorrente a anulação da r. decisão e o
conseqüente retorno dos autos à Vara de origem para que se
prossiga o julgamento.
Assiste-lhe razão.
Trata-se, a espécie, de ação ordinária de
cobrança, não se podendo confundir tal procedimento com
aquele próprio à execução fiscal,
regulamentado no art. 1º da Lei n. 6.830/80, reservado à
cobrança da dívida ativa da União, dos Estados,
dos Municípios e respectivas autarquias, que deverá ser
interpretado restritivamente: “Art. 1º - A
execução judicial para cobrança da Dívida
Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios e respectivas autarquias será regida por esta
Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”
Conforme se depreende do dispositivo acima, não compete à
CNA, pessoa jurídica de direito privado, valer-se do
procedimento administrativo-fiscal privativo dos entes públicos,
únicos titulados a lançar e executar a dívida
ativa que lhes compete. Daí a pertinência da
lição de Araken de Assis, verbis:
Não é todo crédito da Fazenda Pública que
comporta execução pelo procedimento da Lei n.º
6.830/90. Somente a chamada dívida ativa, aquela inscrita e
expressa no título executivo contemplado no art. 585, VI, cuja
principal característica reside na unilateralidade da sua
formação (-) Além disso, os legitimados ativos se
encontram arrolados no art. 1º da Lei 6.830/80, que há de
ser interpretado restritivamente. (Manual do processo de
execução, 5ª ed. São Paulo: RT, 1998, p. 711).
Desta forma, levando-se em conta que a reclamante não se
equipara aos entes públicos relacionados no art. 1º da Lei
n. 6.830/80, a presente ação de cobrança mostra-se
adequada.
Outrossim, ressalte-se que o artigo 8º, inciso I, da
Constituição Federal, vedou a intervenção
estatal na organização sindical e a conseqüente
monitorização no enquadramento sindical pelo
Ministério do Trabalho, destituindo a tutela estatal dos
órgãos sindicais, fato que consagrou o princípio
da liberdade de associação profissional ou sindical:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I - a lei não poderá exigir autorização do
Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o
registro no órgão competente, vedada ao Poder
Público a interferência e a intervenção na
organização sindical.
Assim sendo, os dispositivos infraconstitucionais referentes a essas
entidades, e que se revelem incompatíveis com a Lei Maior,
não podem ser aplicados em sua literalidade, mas segundo a
normatividade suprema instaurada.
Em outras palavras, preceitos como o do art. 606 da CLT, que estabelece
a cobrança da contribuição sindical
“mediante ação executiva, valendo como
título de dívida a certidão expedida pelas
autoridades regionais do Ministério do Trabalho”,
hão de ser compreendidos dentro da sistemática
constitucional vigente.
Abolida que foi a interferência daquele Ministério na
constituição do crédito tributário em
apreço, suspendeu, ele mesmo, a expedição da
respectiva certidão da dívida, título hábil
para a execução judicial - art. 585, VI, do CPC:
“Art. 585: São títulos executivos extrajudiciais:
(...) VI - a certidão de dívida ativa da Fazenda
Pública da União, Estado, Distrito Federal,
Território e Município, correspondente aos
créditos inscritos na forma da lei.”
É cediço que o § 2º do art. 606 da CLT estendia
às entidades sindicais, “com exceção do foro
especial, os privilégios da Fazenda Pública, para
cobrança da dívida ativa”. Mas isso quando vigia,
na íntegra, o caput do mesmo art. 606, ou seja, quando o
Ministério do Trabalho, órgão público,
expedia certidão com validade de título de dívida,
para a cobrança judicial.
Como o Ministério do Trabalho deixou de inscrever os
débitos da contribuição sindical e de expedir as
respectivas certidões, com força de título
executivo, é intuitivo que os órgãos sindicais,
embora continuem titulares desses créditos e de sua
cobrança, perderam a possibilidade de exercitar a via executiva
para esse fim.
Diante do exposto, justifica-se a pretensão da reclamante ao
sustentar que entidades sindicais, pessoas jurídicas de direito
privado, não dispõem, neste aspecto, dos poderes
inerentes aos entes públicos, quais sejam a
aplicação do procedimento administrativo-fiscal exclusivo
para lançar e cobrar a contribuição social que a
lei lhes destinou, juntamente com a delegação para
arrecadá-la e fiscalizá-la.
Restaria inviabilizada a cobrança desses créditos se
fosse atribuído aos entes privados que a fizessem por meio de
procedimentos de direito público, sem constituírem
instrumentos exigíveis para tal fim, e se, por outro lado, lhes
fossem negadas as vias ordinárias judiciais, onde os devedores
têm as garantias do contraditório e da ampla defesa.
Assim, dou provimento ao recurso para anular a sentença que
extingüiu o feito sem julgamento do mérito, e reconhecer o
cabimento do procedimento de Ação de Cobrança nos
presentes autos. Determino o retorno dos autos para o prosseguimento do
feito, dada a natureza jurídica da ação, com a
conseqüente citação do réu, em
observância ao princípio do contraditório e ampla
defesa.
POSTO ISSO.
ACORDAM os Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal
Regional do Trabalho da Vigésima Quarta Região, por
unanimidade, aprovar o relatório, conhecer do recurso e, no
mérito, dar-lhe provimento para anular a sentença que
extingüiu o feito sem julgamento do mérito e reconhecer o
cabimento do procedimento de ação de cobrança nos
presentes autos e, ainda, determinar o retorno dos autos à Vara
de origem, prosseguindo-se o julgamento com a conseqüente
citação do réu, em observância ao
princípio do contraditório e ampla defesa, tudo nos
termos do voto do Desembargador Nicanor de Araújo Lima (Relator).