Apenas um remendo

Ágide Meneguette

A solução unilateral que o Governo Federal está dando para a crise do endividamento agropecuário – encerrando abruptamente as negociações com as entidades de classe e parlamentares - é apenas um remendo, parecido com aquele de  um ano atrás e que, portanto, não vai resolver a situação. Dá um novo fôlego até o ano que vem e permite acesso aos recursos de crédito rural esta safra. Mas pelo menos  deixou aberta a possibilidade de  uma solução estrutural para todo o endividamento até o final do ano, como consta do comunicado do Ministério da Agricultura. Vamos aguardar.

    Para que a sociedade entenda  a situação em que se encontram os produtores rurais é indispensável rememorar a origem dessa crise. De 2004 até o ano passado, o Sul e parte do Centro/Oeste sofreram três sucessivas e terríveis secas que destruíram uma substancial parcela das safras de grãos. Contudo, pior que a seca – cuja solução financeira é prevista no Manual de Crédito Rural - foi a queda do dólar. No período de plantio em 2004 o dólar valia R$ 3,01 e esse valor era o que remunerava as importações de fertilizantes e agroquímicos e de componentes de máquinas  e equipamentos além do preço dos combustíveis, tudo isso uma parcela importante no custo de produção. Na colheita e na comercialização o dólar havia caído para R$ 2,58 em média, uma diferença de 14%.

    Na safra de 2005/06 o fato repetiu-se: plantio com dólar a R$ 2,36 e comercialização a R$ 2,15. E novamente na safra 2006/07, plantio a R$ 2,19, comercialização a R$ 2,04.

    Entre essas três safras de verão, tivemos duas de inverno e o trigo sofreu o mesmo tipo de percalço, sendo vendido a r$ 18,00 a saca, baixo do abaixo do preço mínimo de R$ 24,00 e do custo de produção, agravando o prejuízo dos produtores. Quem tinha recursos próprios, absorveu esse prejuízo perdendo poupança ou vendendo bens. Quem fez empréstimos, transformou a perda em pesadas dívidas, que foram se acumulando até se tornarem impagáveis. No total, segundo estimativa do Ministério da Agricultura, os produtores rurais devem R$ 131 bilhões. E não tem tido renda para quitá-las.

    Há quem acuse o produtor de haver sido imprevidente, de ter comprado mais terras, mais máquinas e equipamentos. Ocorre que é justamente essa característica do produtor que transformou a agropecuária brasileira nos últimos anos, permitindo ao país acumular saldos positivos na sua balança de pagamento e para conter a inflação. Portanto, ao investir o produtor estava ajudando o Brasil a resolver seus problemas e não os criando, como injustamente alguns setores querem fazer crer.

    Se fosse a imprevidência, o castigo do endividamento seria justo. Mas não foi a imprevidência o grande culpado por esse desastre, foi o próprio Governo Federal com a sua política cambial. A flutuação da cotação da nossa moeda seria normal em outras condições. Mas o fato do câmbio ser flutuante não significa deixar de administrá-lo em condições especiais. Países em desenvolvimento não podem se dar ao luxo de aplicar integralmente políticas que são próprias de países desenvolvidos que, pelo peso e maturidade de suas economias, já detêm os instrumentos de compensação cambial.

    As tentativas do Banco Central de enxugar a oferta de dólares para evitar a apreciação do real  têm sido infrutíferas, numa demonstração clara que essa é uma estratégia inútil, como o próprio Governo reconhece ao editar medidas compensatórias para setores industriais. E que é necessário procurar outros instrumentos mais eficazes. O que não pode é essa defasagem brutal do câmbio, que está empobrecendo produtores rurais, fechando indústrias e nos tornando dependentes do exterior e que vai desembocar num brutal desemprego quando tivermos que pagar a conta dessa absurda política.

    Além de mudanças na política cambial para sustentação de preços, é preciso equacionar de uma vez por todas as dívidas dos produtores rurais, alongando-as pelo tempo necessário para que eles as absorvam, juntamente com os prejuízos que tiveram. Não se trata apenas de equacionar um débito pelo qual o produtor não é responsável,  mas sim de evitar o enfraquecimento do setor agropecuário, base do agronegócio que rende todos os anos bilhões de reais para a nossa economia.

    Em todo o caso, como o Governo acenou com a possibilidade de novas negociações, vamos continuar pelejando, com a indispensável participação de nossa bancada no Congresso Nacional.

*Ágide Meneguette
é presidente da Federação da Agricultura do Estado do Paraná – FAEP

Boletim Informativo nº 965, semana de 16 a 22 de julho de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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