Cinismo agrário

*Xico Graziano

“No Paraná, a antiga Fazenda Araupel, com 33 mil hectares de
Mata Atlântica, repleta de centenárias araucárias, está agonizando
nas mãos do MST. Em 18 anos de história, foi o maior desmatamento
identificado pela SOS Mata Atlântica. Culpa do Incra.”

Coberta por Mata Atlântica, a Fazenda Vitória está sofrendo uma derrota. Seu precioso cerne sucumbe à impiedosa motosserra. Caça predatória aniquila sua fauna. Todo em nome da reforma agrária. Quanta insensatez.

Encravada na Serra do Mar, a área de 7.767 hectares pertence ao município paulista de Apiaí, ali próximo da divisa com o Paraná. Desapropriada em março de 2005, o projeto de assentamento prevê beneficiar 43 famílias de sem-terra. Pouca gente.

Ocorre que apenas 11% da propriedade poderiam ser aproveitados no assentamento rural, cada lote com 20 hectares. O restante da área, intocável pela legislação, se compõe da reserva legal (23%), da área de preservação permanente (15%) e de floresta originária (48%). Monta 3% a área inaproveitável.

A aquisição do imóvel custou R$ 8,18 milhões aos cofres públicos. Excelente negócio para o ABN-AMRO Bank, que recebeu a terra ao incorporar o patrimônio do América do Sul. Micada, a fazenda acabou valorizada depois da invasão. O valor da aquisição, dividindo pelas famílias beneficiadas, resulta em R$ 190 mil cada parcela.

Isso apenas o preço da terra. Depois, concretizado o assentamento, somando-se os custos de implantação e os subsídios para exploração, não sairá por menos de R$ 220 mil cada família. Caríssimo. E incerto. Acontece que a legislação obriga, aos assentamentos, obterem licenciamento ambiental para serem efetivados.

A Fazenda Vitória faz divisa com o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar) compondo, junto com demais unidades de conservação, o chamado “Continuum Ecológico de Paranapiacaba”. Trata-se, talvez, do maior refúgio florestal preservado da Mata Atlântica, habitat para inúmeras espécies da fauna ameaçadas de extinção, como o momo carvoeiro.

Por essa razão, o órgão ambiental paulista já desaconselhou, em 2006, o projeto de exploração pretendido pelo Incra. Segundo o Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN), o assentamento poderia representar um verdadeiro desastre ambiental. Nada adiantou. O Incra insiste e garante que instalará naquela maravilha um “projeto de desenvolvimento sustentável”. Reforma agrária ecológica. Alguém acredita?

O Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazom), referência internacional entre as ONGs ambientalistas, mostra que os agricultores assentados pelo Incra, no Norte do país, foram responsáveis pela devastação de 106 mil quilômetros quadrados de mata nas últimas três décadas. As preocupações do Imazon são compartilhadas pela conhecida World Wildlife Foundation (WWF).

Durante a realização do V Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, realizado recentemente em Foz de Iguaçu, o impacto ambiental da reforma agrária provocou intenso debate. Estudo apresentado pelo ecologista Fábio Olmos indica que a taxa de desmatamento promovida por assentamentos rurais é quatro vezes superior à média da região amazônica. Conclusão: não há floresta nativa que resista aos sem-terra.

O problema não está restrito à Hiléia. No Paraná, a antiga Fazenda Araupel, com 33 mil hectares de Mata Atlântica, repleta de centenárias araucárias, está agonizando nas mãos do MST. Em 18 anos de história, foi o maior desmatamento identificado pela SOS Mata Atlântica. Culpa do Incra.

Na área de proteção ambiental de Guaraqueçaba, litoral paranaense, desde 2003 um grupo de invasores exige as terras, segundo eles, abandonadas. Até a ministra Marina Silva, sempre tão quieta com temor do patrulhamento petista, já se manifestou contrária ao projeto de assentamento. Os sem-terra, todavia, não desistem. Dizem que, entremeado ao mosaico protegido da região lagunar-estuarina, vão instalar um projeto agroecológico. Será crível?

Ora, a visão ecológica dos invasores de terra está próxima de zero. Nem poderia ser diferente. Com a fábrica de sem-terras montada no país pelo MST e congêneres, os pretendentes da reforma agrária compõem-se de pessoas excluídas da sociedade, desqualificadas no mercado de trabalho, desajustados urbanos. No velho marxismo, a eles se denominam lumpenproletariado, incapazes de obter consciência revolucionária. Imagine entender o aquecimento global.

Incautos se perdoam. Os lideres, todavia, são lúcidos, politizados. Arquitetam muito bem seus atos. Misturam o sonho da revolução socialista com uma espécie de fundamentalismo à moda fascista. Assim cresceram, alimentando-se da subserviência dos miseráveis. Agora temperam seu discurso com pitadas de ecologia. Buscam, inteligentemente, antenar-se, na palavra, com o reclamo atual da opinião pública.

Está lá, na carta do 5º Congresso Nacional do MST, realizado nesses dias em Brasília: “Lutar contra as derrubadas e queimadas de florestas nativas para expansão do latifúndio. Exigir dos governos ações contundentes (sic) para coibir práticas criminosas ao meio ambiente”. Cinismo puro.

Os projetos de desenvolvimento sustentável do Incra são meros disfarces. Lobo vestido de cordeiro. Basta visitar a Fazenda Vitória, em Apiaí, e verificar o estrago que o acampamento de sem-terra provoca na Mata Atlântica. “Ações falam mais alto que palavras”, afirmava Abraham Lincoln.

Antas e macacos que se cuidem: naquela mata fechada não existe bala perdida. A mira é mesmo sua tenra carne, cozido de bandidos da floresta, temperado pela desgraça social do país. Coitada da natureza. Pobre reforma agrária.

*O autor, engenheiro-agrônomo, foi presidente do Incra, deputado federal, e atualmente é secretário do Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo. (Texto disponível no site www.xicograziano.com.br)

Boletim Informativo nº 964, semana de 9 a 15 de julho de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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