Embora o conceito da cadeia produtiva na agricultura esteja bastante
difundido, a prática deixa muito a desejar. Uma cadeia produtiva
agrícola começa na prancheta de um pesquisador
científico criando novas tecnologias e termina na gôndola
de um supermercado. E se divide, conforme a clássica
visão de Ray Goldberg e sua equipe de Harvard, em três
capítulos: o que vem antes da porteira das fazendas, o que se
passa dentro das fazendas e o depois da porteira.
O primeiro - antes da porteira- se caracteriza pelos insumos e pelos
serviços indispensáveis à produção
rural: a própria pesquisa científica, a extensão
rural, os fertilizantes, defensivos, os corretivos, as sementes, as
máquinas e equipamentos, o crédito, o seguro rural...
O terceiro - depois da porteira - contém o transporte da
produção, sua armazenagem, a
industrialização, a embalagem, a
distribuição e o comércio interno ou externo.
E ambos dependem intensamente do segundo, que conta com o plantio, os
tratos culturais e a colheita, tudo sob gestão vigorosa de
recursos gerenciais e humanos, da área comercial, da área
ambiental, fiscal, tributária, trabalhista, técnica,
mecânica e um sem-número de ações que fazem
da atividade rural de hoje uma verdadeira indústria a céu
aberto.
A soma das cadeias produtivas é o agronegócio, que, no
Brasil, é, igual a 29% do PIB, gera 37% de todos os empregos,
responde por 36% das nossas exportações e por 92% do
saldo da nossa balança comercial. E dele fazem parte os agentes
responsáveis pelos fatores já referidos.
Mas o centro de tudo é o produtor rural, de qualquer tamanho, do
familiar ao empresarial. Se ele não existisse, para que fabricar
tratores, caminhões, adubos, defensivos, colhedoras? Não
haveria toda a massa de emprego nessas fábricas, nem nas
instituições de pesquisa, nem nos bancos, nem nas
fábricas de alimentos, nos supermercados.
Para que fabricar geladeiras se não houvesse alimentos? Ou
microondas, ou pratos, talheres, copos, fogões? Na verdade,
não há cidadão que não dependa da
agricultura, muito mais do que imagina. Não só porque
está vivo em função do que come. Mas por muito
mais: calça jeans não existiria sem algodão,
camisas e gravatas de seda precisam de plantações de
amora, sapatos são de couro, como bolsas, cintos, carteiras,
estofamentos, e couro é boi; papel é árvore, assim
como móveis, construções, assoalhos e forros;
pneus e cabos vêm da borracha; assim como a camisinha que evita a
Aids; agasalhos de lã vêm da ovelha, e assim por diante.
Não haveria TV, nem rádio nem jornal sem anunciantes,
assim como os empregos dos marqueteiros. Que anunciam roupas, sapatos,
bebidas, carros (que se movem com álcool e pneus de borracha),
moda, alimentos, liquidações de eletrodomésticos,
e tudo isso depende da agricultura.
Como pode alguém ser contra o agronegócio? Seria como
estar contra a própria sobrevivência. Uma cadeia produtiva
só é eficiente, seu produto final só será
competitivo em termos de preço e qualidade, se a
distribuição da renda no seu interior for equilibrada, de
modo que todos os elos sejam remunerados adequadamente. Para isso, a
renda do agricultor é essencial, e isso não tem
acontecido.
Uma pena! Porque, neste exato momento em que o leitor termina esta
leitura, milhares de homens e mulheres espalhados por esse imenso
sertão brasileiro estão plantando ou colhendo algo para
vivermos em paz.
Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócio da FGV (Fundação Getulio Vargas), presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura. Texto publicado no jornal Folha de S. Paulo, de 22 de junho de 2007