O São Paulo Ethanol Summit, organizado pela União da
Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) na semana
retrasada, chamou a atenção para três aspectos do
setor sucroalcooleiro: 1) O enorme interesse despertado pelo evento
(mais de 1.500 participantes de vários países); 2) a
liderança brasileira na corrida global da eficiência
agroenergética; 3) o fato de o agronegócio já ter
ultrapassado a fronteira dos alimentos, bebidas e fibras. O evento
concentrou-se no novo paradigma dos combustíveis
renováveis e produção de energia elétrica a
partir de biomassa, a chamada bioeletricidade. Hoje tratarei desta nova
fronteira do agronegócio, ainda pouco conhecida pela sociedade
brasileira.
Todo mundo se lembra do apagão
elétrico de 2001, que custou caro aos consumidores finais,
às empresas e à popularidade do governo FHC. A despeito
dos investimentos realizados nos últimos seis anos, se o Brasil
crescer mais de 4% ao ano, o risco de apagão continuará
rondando a sociedade, podendo ocorrer antes do final da década.
Uma das melhores alternativas para mitigar esse
risco potencial é a co-geração de energia a partir
de biomassa renovável. A possibilidade mais concreta neste campo
é o uso do bagaço e da palha da
cana-de-açúcar, que juntos representam uma parcela
subutilizada de dois terços da energia contida na planta,
já que açúcar e álcool são gerados
unicamente a partir do suco da cana. Montanhas de bagaço de cana
se acumulam nos pátios de usinas, hoje parcialmente utilizado
para gerar a auto-suficiência energética das unidades
processadoras de cana para produção de
açúcar e álcool. Ademais, um terço da
energia da cana presente nas palhas e nos ponteiros é
desperdiçada em decorrência do corte manual, que exige a
queima da cana no campo.
Antes do racionamento de 2001, o potencial de
exportação de bioeletricidade para a rede elétrica
era de ínfimos 120 megawatts (MW). Hoje a potência
instalada e contratada para exportação já atinge
1.650 MW, o que ainda representa módicos 2% das necessidades do
País. Estima-se que, se utilizássemos somente 50% da
biomassa disponível na cana-de-açúcar, seria
factível expandir o uso de bioeletricidade na matriz
elétrica para 8% das necessidades nacionais até 2012, ou
seja, 9 mil MW, equivalentes à energia prevista para ser gerada
nos polêmicos projetos hidrelétricos do Rio Madeira.
O mais interessante é que a bioeletricidade
se encontra disponível no coração da região
de maior consumo do País - o Estado de São Paulo, que
responde por 62% da produção nacional de cana. Melhor
ainda, esta produção ocorre durante a safra da cana, de
maio a novembro, que corresponde ao período seco, de menor
hidrologia e de maior demanda por eletricidade.
Outras vantagens são o fato de se tratar de
energia 100% renovável, de baixo impacto ambiental, fartamente
disponível no pátio das usinas, que possibilita mitigar a
emissão de gases de efeito estufa, enquadrando-se no Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo (MDL), com direito a receber créditos
de carbono. Um programa estruturado de bioeletricidade pode produzir
investimentos superiores a R$ 13 bilhões no Estado até
2015, gerando mais de 50 mil empregos e a compra de R$ 9 bilhões
em equipamentos, componentes e peças para a
instalação das centrais de co-geração,
produzidos principalmente pela indústria paulista.
Vale notar que as centrais de bioeletricidade
têm custos de implantação inferiores aos das usinas
termo e hidrelétricas, demandando menor tempo para a sua
construção (inferior a 30 meses) e possibilitando menores
custos de transmissão para a rede elétrica. Se pudermos
ainda aproveitar as palhas e os ponteiros com o fim da queima da cana
(em São Paulo, prevista para 2014 nas áreas
mecanizáveis e 2017 em áreas
não-mecanizáveis), poderíamos ampliar a
produção de bioeletricidade para 20% da matriz
elétrica brasileira no horizonte de 2020, ou mais de 20 mil MW,
equivalentes a duas usinas do porte de Itaipu!
O Brasil possui tecnologia de ponta para atuar no
mercado de energia limpa, de forma competitiva e sustentável.
Ocorre, todavia, que ainda há importantes ajustes a serem feitos
pelo poder público, que hoje impedem a obtenção de
retornos compatíveis que gerem um ritmo sustentado de
expansão da oferta de bioeletricidade. São três os
problemas centrais: 1) A definição de critérios
econômicos para uma valoração adequada dessa nova
forma de energia, seja no que tange aos níveis de preços,
seja na definição de metodologia única, justa e
transparente para os leilões de energia, que de fato
reconheça a importância da bioeletricidade como energia
complementar à sazonalidade hidrelétrica; 2) as
dificuldades de acesso e conexão das centrais às redes
elétricas; 3) a outorga difícil e morosa do licenciamento
ambiental dos projetos.
A bioeletricidade é uma das maiores
fronteiras da indústria sucroalcooleira nacional e pode gerar
uma revolução de magnitude semelhante à obtida com
o etanol. Ela pode reduzir fortemente a necessidade de licenciamento de
novos projetos hidrelétricos em regiões ambientalmente
sensíveis, o risco de termos de reingressar na energia nuclear e
o custo ambiental dos projetos termoelétricos à base de
gás natural, óleo combustível e carvão,
mais caros e poluentes.
De fonte alternativa de energia pouco valorizada, a
bioeletricidade pode-se tornar a maior esperança do País
para gerar oferta de energia elétrica renovável, barata e
sustentável ambiental e socialmente. Não se trata de
mágica, mas apenas de racionalizar produtos e processos a partir
de um melhor uso de recursos subutilizados e do know-how de que
dispomos. Para isso será necessário desenvolver
mecanismos regulatórios racionais e duradouros, que garantam
tanto a sustentabilidade econômica do setor sucroalcooleiro como
as necessidades energéticas de longo prazo da
Nação.
* Marcos Sawaya Jank, professor da FEA-USP, é presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) e futuro presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) E-mail: msjank@usp.br, www.iconebrasil.org.br.