Berço da agronomia

*Xico Graziano

O feijão carioca é uma das sete maravilhas da agronomia. Obtido a partir de uma mutação, graças ao melhoramento genético se tornou um supercereal. Suplantou seus rivais e, há 30 anos, conquistou a dona-de-casa. Um caso exemplar da pesquisa agropecuária. Feitos dependem de pessoas. O agrônomo Luiz D’Artagnan é considerado o ‘pai’ do feijão carioca, pela labuta na contínua experimentação da nova variedade. Conseguiu dobrar a produtividade e elevar a resistência às terríveis doenças que dizimam a leguminosa. Fácil de cozinhar, caldo grosso, venceu o mercado.
    Pessoas dependem de instituições. Recém-formado, em 1967 o jovem D’Artagnan ingressou, por concurso público, no famoso Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Realizava, assim, o sonho maior dos profissionais ao sair da faculdade. Sinônimo de respeito e idealismo.
    O feijão carioca é um sucesso venerado no melhoramento genético. Bom na roça, bom no prato. A panela de pressão lhe deve muito. Se alguém fizesse as contas, comprovaria, na sua moleza, a economia no bujão de gás. Certamente, até o efeito estufa se aliviou. Pouca gente, entretanto, na sociedade urbana, percebe a vantagem trazida pela tecnologia rural.
    Sem a pesquisa agropecuária, mal vingariam as cidades. É exatamente o aumento da produtividade no campo que libera força de trabalho para a industrialização. Mais: a moderna produção de alimentos, com custos decrescentes, permite aos operários suplantarem o custo de vida.
    O Instituto Agronômico de Campinas está completando 120 anos. Reconhecer a importância da pesquisa agropecuária é a melhor homenagem que a sociedade lhe pode prestar. São Paulo e o Brasil, afinal, ao IAC devem boa parte do desenvolvimento. Nasceu chamada de Imperial Estação Agronômica de Campinas, em 26 de junho de 1887, instalada por dom Pedro II. Naquela época, o País era agrário e 60% das exportações brasileiras advinham do café. As ferrovias expandiam-se rumo a Ribeirão Preto, atrás do ouro verde para levá-lo até o Porto de Santos.
    O IAC carrega a história viva da agricultura brasileira. Suas pesquisas pioneiras abriram as portas do progresso tecnológico. Inicialmente, a química dos solos, a secagem do café e o combate às formigas saúvas capitanearam sua agenda. Eram os primórdios da agronomia tropical.
    Conquistas históricas merecem recordação. Quando, nos anos 1930, a crise da economia cafeeira quebrou os pilares da sociedade paulista, o emprego e a renda rural foram salvos pelo algodão gerado no IAC. Nos anos 40, a doença da tristeza quase aniquilou os laranjais. Mas os novos porta-enxertos descobertos em Campinas salvaram a citricultura paulista. Exemplos se sucedem. Na década de 50, os canaviais viram-se apavorados com terríveis doenças. O melhoramento genético da cana-de-açúcar superou o problema. Desde 1970, a ferrugem do café chegou para ameaçar a produção nacional, mas sucumbiu à competência da equipe de Alcides Carvalho, pesquisador-símbolo da cafeicultura nacional. Hoje muito se destaca a Embrapa. Merece.
    Mas 80% das variedades de plantas cultivadas no País se originaram das pesquisas do IAC. Cada cultivo por aí carrega um pedacinho da sua história. Na botânica, na genética, no controle de pragas e doenças, nos métodos de plantio, na conservação e fertilidade do solo, basta percorrer o conhecimento para encontrar pistas dos valiosos pesquisadores paulistas. O IAC é o berço da agronomia nacional.
    O instituto não dorme, porém, em sua glória. Para comemorar o seu aniversário, vai lançar 20 novas variedades, da cana-de-açúcar ao milho pipoca. O arroz ganhou novas roupas: agora há o preto, o aromático e aquele selecionado para fazer sushi, ao gosto da culinária japonesa. Curioso é o abacaxi ‘gomo de mel’, que não precisa nem ser descascado para ser comido. A delícia, só vendo para crer.
    Não sossega a pesquisa. Parceria recente entre o instituto e a Unicamp permitiu realizar inédita garimpagem no banco de germoplasma do café formado, desde 1932, na estação de Campinas. Três mil plantas, espalhadas em 300 famílias do cafeeiro arábica, originado da Etiópia, foram vasculhadas em laboratório. Os pesquisadores identificaram três espécies que contêm pouca cafeína nas sementes. Elas apresentam 0,07% da substância, enquanto o café comum mostra 1%.
    A descoberta abre nova fase da cafeicultura. O café descafeinado existente no mercado depende de processos químicos que lhe destroem o alcalóide. É, portanto, um produto artificial. A nova variedade, a ser lançada em breve pelo IAC, será naturalmente descafeinada. Vai ser um show, com certeza.
    Quanta maravilha ainda não está para ser descoberta nesses tempos turbinados da biotecnologia e da engenharia genética. Dilemas ambientais e desafios da produção estimulam a caixinha de surpresas da pesquisa agropecuária. Atemóia, canola, biodiesel, nomes curiosos, processos inusitados.
    Polêmico é o nome de batismo do feijão carioca. Muitos pensam ser uma homenagem à calçada de Copacabana. Valdimir Coronado, porém, leigo agricultor, que pela primeira vez observou os frutos rajados do mutante feijão, garante que puseram esse nome por analogia ao porco carioca. Ocorre que essa raça caipira de suíno, quase extinta, tem pelagem pintada.
    O feijão preto que se cuide. O carioca ainda lhe rouba o lugar na feijoada. Culpa da turma do IAC.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Texto disponível no site www.xicograziano.com.br

Boletim Informativo nº 962, semana de 25 de junho a 1 de julho de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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