Faixa de Fronteira: a Ilegalidade
da Instrução Normativa n.º27/06
José Guilherme Lobo Cavagnari

José Guilherme Lobo Cavagnari

A ratificação das concessões e dos títulos de domínio expedidos pelos governos estaduais, na Faixa de Fronteira de Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, ganha um novo capítulo com a edição da Instrução Normativa n.º27, de 26 de março de 2006.
    Um novo capítulo que, uma vez mais, pretende punir os produtores rurais daquelas regiões, por meio da intenção do Incra em efetivar um verdadeiro confisco de terras, por conta do processo ratificatório.
    Um confisco de terras, com vistas a destiná-las à reforma agrária, apoiado em Instrução Normativa ilegal e ilegítima.
Ilegalidade e ilegitimidade que somente no estado do Paraná envolvem cerca de 4 a 5 mil grandes, médias e pequenas propriedades rurais, estas duas últimas quando o proprietário possuir mais de um imóvel rural.

A Instrução Normativa
n.º27/06 é ilegal.

    Em termos da legislação vigente, a ratificação de títulos na Faixa de Fronteira foi reativada pela Lei n.º9.871/99 e seu aspecto principal está centrado no que dispõe o artigo 4º, do Decreto-lei n.º1.414/75, que estabelece que para ser ratificado o imóvel rural deve estar sendo explorado, não se exigindo a condição de morada habitual.
    Portanto, a lei quando exige que o imóvel rural esteja sendo explorado, ou seja esteja produzindo, estabelece condição não atrelada a nenhum modelo rígido, constitucional ou legal, porquanto tal liberalidade se dá pelo entendimento que os produtores rurais envolvidos na ratificação são terceiros de boa-fé.
    Com o objetivo de sistematizar os procedimentos administrativos da ratificação, em 25 de maio de 2000 o Incra editou a Instrução Normativa n.º42 que no item 5.1.3 estabeleceu:
    “Considera-se explorado o imóvel quando atingir, no mínimo, cinqüenta por cento de sua área aproveitável”.
    Já nesta Instrução Normativa, o Incra promoveu a alteração do Decreto-Lei n.º1414/75 ao dimensionar o que é imóvel explorado.
    Não satisfeito em determinar um parâmetro, o Incra editou a Instrução Normativa n.º27/06, com a seguinte redação:
    “Para os fins previstos no artigo 4º do Decreto-Lei n.º1.414 de 1975, com as alterações introduzidas pela Lei n.º6.925 de 1981, considera-se racional e adequadamente explorado o imóvel que atingir grau utilização da terra igual ou superior a 80% (oitenta por cento) e grau de eficiência na exploração da terra igual ou superior a 100% (cem por cento) na forma do art. 6º da Lei n.º8.629, de 25 de fevereiro de 2003.” (O ano correto é 1993. O grifo é meu).
Por tal dispositivo, o Incra determina que somente serão ratificadas as propriedades produtivas, assim definidas pela Lei n.º8.629/93, e cujos efeitos danosos aos produtores rurais podem ser exemplificados a seguir:
- Suponhamos uma propriedade rural que utiliza 78% de sua área aproveitável com produtos agropecuários.
- Nos termos do Decreto-Lei n.º1.414/75 e da Instrução Normativa n.º42/00, tal propriedade tem que ser ratificada, pois está sendo explorada em mais de 50% de sua área aproveitável.
- Por outro lado, como a utilização é de 78%, abaixo dos 80% de grau de utilização da terra previstos na Lei n.º8.629/93, a propriedade não é produtiva sendo passível, portanto, de desapropriação mediante o pagamento da terra nua e das benfeitorias.
- Já, nos termos da Instrução Normativa n.º27/06, tal propriedade, por não ser produtiva, terá de pronto o seu domínio anulado e o Incra a obterá sem o pagamento da terra nua, o que caracteriza o confisco.
    Por esse exemplo, fica configurado que o governo federal pretende obter terras sem pagar por elas, mediante o emprego de um ato ilegal, a Instrução Normativa n.º27/06 que altera o Decreto-Lei n.º1.414/75, transformando o requisito “imóvel explorado” em “imóvel explorado racional e adequadamente”, nos termos da classificação da propriedade produtiva.
Ato ilegal perpetrado pelo Incra, pois instrução normativa é um instrumento administrativo que, em nenhuma hipótese, pode alterar textos de lei.
    Ato ilegal ao igualar o Decreto-Lei n.º1.414/75 com a Lei n.º8.629/93, pois enquanto o Decreto-Lei tem por objetivo confirmar, pela ratificação, a titularidade de domínio do produtor rural, a Lei tem por escopo, pela desapropriação, retirar o domínio para fins de reforma agrária.
A Instrução Normativa n.º27/06 ´é ilegítima
    Um ato que pretenda atingir uma coletividade, no caso os produtores rurais objetos da ratificação, só é legítimo se estiver fundado em um critério lógico de justiça.
Tal critério não é o que orienta a Instrução Normativa n.º27/06. Se não, vejamos:
- ao determinar que para ser ratificado o imóvel tem que ser produtivo, a Instrução Normativa estabelece a obrigação do cumprimento do artigo 6º da Lei n.º8.629/93;
- porém, em contra-senso, não concede ao processo ratificatório o benefício da citada Lei que em seu artigo 7º diz:
“Não será passível de desapropriação, para fins de reforma agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de implantação de projeto técnico (...).”;
- tal parcialidade evidente pode ser explicada pelo exemplo a seguir.
Suponhamos uma propriedade em que o produtor decidiu substituir a pecuária pela cana-de-açúcar.
A fim de dar sustentação à transição do processo produtivo, o produtor elaborou o projeto técnico, nos termos do citado artigo 7º, e o protocolou no Incra.
Após um ano, o Incra promove vistoria no imóvel e detecta que, em que pese a utilização da área ser de 100%, o grau de eficiência na exploração é de 95%, portanto a propriedade não é produtiva.
Segundo o referido artigo 7º, a existência do projeto técnico determina que o imóvel não pode ser desapropriado, porém pode ser objeto de nulidade de seu domínio, como se evidenciou, pois tal artigo não produz efeitos para a ratificação;
- a Instrução Normativa n.º27/06 não concede, também, o benefício da proteção dada aos produtores rurais pelo §6º, do artigo 4º, da Lei n.º8.629/93.
“O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação (...).”;
- ou seja, um imóvel rural invadido, não produtivo, não pode ser desapropriado, porém pode ter o seu domínio anulado. Situação “a caráter” para o MST promover invasões.
De tudo o quê aqui se analisou e afirmou, é fundamental o entendimento de que a preocupação não é a de ser a propriedade produtiva para ser ratificada, até porque  manter a propriedade produtiva é uma obrigação constitucional do produtor rural, a fim de que o mesmo exerça o seu pleno direito de propriedade.
    A questão em discussão é o entendimento da ilegalidade praticada pelo Incra ao se travestir de legislador, alterando um texto de lei mediante um ato administrativo que é a instrução normativa.
    A questão em discussão é o entendimento de que o Incra, com a edição da Instrução Normativa n.º27/06, não tem como objetivo promover a ratificação, escopo básico do Decreto-Lei n.º1.414/75, mas, sim, promover o maior número possível de anulações de títulos de domínio, a fim de obter terras, sem por elas pagar, para atender pressões de sem-terras na execução da reforma agrária.

José Guilherme Lobo Cavagnari
é Consultor de Assuntos Fundiários da FAEP

Boletim Informativo nº 959, semana de 4 a 10 de junho de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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