A ratificação
das concessões e dos títulos de domínio expedidos
pelos governos estaduais, na Faixa de Fronteira de Santa Catarina,
Paraná, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, ganha um novo
capítulo com a edição da Instrução
Normativa n.º27, de 26 de março de 2006.
Um novo capítulo que, uma vez mais, pretende
punir os produtores rurais daquelas regiões, por meio da
intenção do Incra em efetivar um verdadeiro confisco de
terras, por conta do processo ratificatório.
Um confisco de terras, com vistas a
destiná-las à reforma agrária, apoiado em
Instrução Normativa ilegal e ilegítima.
Ilegalidade e ilegitimidade que somente no estado do Paraná
envolvem cerca de 4 a 5 mil grandes, médias e pequenas
propriedades rurais, estas duas últimas quando o
proprietário possuir mais de um imóvel rural.
Em termos da legislação vigente, a
ratificação de títulos na Faixa de Fronteira foi
reativada pela Lei n.º9.871/99 e seu aspecto principal está
centrado no que dispõe o artigo 4º, do Decreto-lei
n.º1.414/75, que estabelece que para ser ratificado o
imóvel rural deve estar sendo explorado, não se exigindo
a condição de morada habitual.
Portanto, a lei quando exige que o imóvel
rural esteja sendo explorado, ou seja esteja produzindo, estabelece
condição não atrelada a nenhum modelo
rígido, constitucional ou legal, porquanto tal liberalidade se
dá pelo entendimento que os produtores rurais envolvidos na
ratificação são terceiros de boa-fé.
Com o objetivo de sistematizar os procedimentos
administrativos da ratificação, em 25 de maio de 2000 o
Incra editou a Instrução Normativa n.º42 que no item
5.1.3 estabeleceu:
“Considera-se
explorado o imóvel quando atingir, no mínimo,
cinqüenta por cento de sua área aproveitável”.
Já nesta Instrução Normativa, o
Incra promoveu a alteração do Decreto-Lei n.º1414/75
ao dimensionar o que é imóvel explorado.
Não satisfeito em determinar um
parâmetro, o Incra editou a Instrução Normativa
n.º27/06, com a seguinte redação:
“Para os fins
previstos no artigo 4º do Decreto-Lei n.º1.414 de 1975, com
as alterações introduzidas pela Lei n.º6.925 de
1981, considera-se racional e adequadamente explorado o imóvel
que atingir grau utilização da terra igual ou superior a
80% (oitenta por cento) e grau de eficiência na
exploração da terra igual ou superior a 100% (cem por
cento) na forma do art. 6º da Lei n.º8.629, de 25 de
fevereiro de 2003.” (O ano correto é 1993. O grifo é meu).
Por tal dispositivo, o Incra determina que somente serão
ratificadas as propriedades produtivas, assim definidas pela Lei
n.º8.629/93, e cujos efeitos danosos aos produtores rurais podem
ser exemplificados a seguir:
- Suponhamos uma propriedade rural que utiliza 78% de sua área aproveitável com produtos agropecuários.
- Nos termos do Decreto-Lei
n.º1.414/75 e da Instrução Normativa n.º42/00,
tal propriedade tem que ser ratificada, pois está sendo
explorada em mais de 50% de sua área aproveitável.
- Por outro lado, como a
utilização é de 78%, abaixo dos 80% de grau de
utilização da terra previstos na Lei n.º8.629/93, a
propriedade não é produtiva sendo passível,
portanto, de desapropriação mediante o pagamento da terra
nua e das benfeitorias.
- Já, nos termos da
Instrução Normativa n.º27/06, tal propriedade, por
não ser produtiva, terá de pronto o seu domínio
anulado e o Incra a obterá sem o pagamento da terra nua, o que
caracteriza o confisco.
Por esse exemplo, fica configurado que o governo
federal pretende obter terras sem pagar por elas, mediante o emprego de
um ato ilegal, a Instrução Normativa n.º27/06 que
altera o Decreto-Lei n.º1.414/75, transformando o requisito
“imóvel explorado” em “imóvel explorado
racional e adequadamente”, nos termos da
classificação da propriedade produtiva.
Ato ilegal perpetrado pelo Incra, pois instrução
normativa é um instrumento administrativo que, em nenhuma
hipótese, pode alterar textos de lei.
Ato ilegal ao igualar o Decreto-Lei n.º1.414/75
com a Lei n.º8.629/93, pois enquanto o Decreto-Lei tem por
objetivo confirmar, pela ratificação, a titularidade de
domínio do produtor rural, a Lei tem por escopo, pela
desapropriação, retirar o domínio para fins de
reforma agrária.
A Instrução Normativa n.º27/06 ´é ilegítima
Um ato que pretenda atingir uma coletividade, no
caso os produtores rurais objetos da ratificação,
só é legítimo se estiver fundado em um
critério lógico de justiça.
Tal critério não é o que orienta a Instrução Normativa n.º27/06. Se não, vejamos:
- ao determinar que para ser ratificado o imóvel tem que ser
produtivo, a Instrução Normativa estabelece a
obrigação do cumprimento do artigo 6º da Lei
n.º8.629/93;
- porém, em contra-senso, não concede ao processo
ratificatório o benefício da citada Lei que em seu artigo
7º diz:
“Não será
passível de desapropriação, para fins de reforma
agrária, o imóvel que comprove estar sendo objeto de
implantação de projeto técnico (...).”;
- tal parcialidade evidente pode ser explicada pelo exemplo a seguir.
Suponhamos uma propriedade em que o produtor decidiu substituir a pecuária pela cana-de-açúcar.
A fim de dar sustentação
à transição do processo produtivo, o produtor
elaborou o projeto técnico, nos termos do citado artigo 7º,
e o protocolou no Incra.
Após um ano, o Incra promove
vistoria no imóvel e detecta que, em que pese a
utilização da área ser de 100%, o grau de
eficiência na exploração é de 95%, portanto
a propriedade não é produtiva.
Segundo o referido artigo 7º, a
existência do projeto técnico determina que o
imóvel não pode ser desapropriado, porém pode ser
objeto de nulidade de seu domínio, como se evidenciou, pois tal
artigo não produz efeitos para a ratificação;
- a Instrução Normativa n.º27/06 não concede,
também, o benefício da proteção dada aos
produtores rurais pelo §6º, do artigo 4º, da Lei
n.º8.629/93.
“O imóvel rural de
domínio público ou particular objeto de esbulho
possessório ou invasão motivada por conflito
agrário ou fundiário de caráter coletivo
não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois
anos seguintes à sua desocupação (...).”;
- ou seja, um imóvel rural invadido, não produtivo,
não pode ser desapropriado, porém pode ter o seu
domínio anulado. Situação “a
caráter” para o MST promover invasões.
De tudo o quê aqui se analisou e afirmou, é fundamental o
entendimento de que a preocupação não é a
de ser a propriedade produtiva para ser ratificada, até
porque manter a propriedade produtiva é uma
obrigação constitucional do produtor rural, a fim de que
o mesmo exerça o seu pleno direito de propriedade.
A questão em discussão é o
entendimento da ilegalidade praticada pelo Incra ao se travestir de
legislador, alterando um texto de lei mediante um ato administrativo
que é a instrução normativa.
A questão em discussão é o
entendimento de que o Incra, com a edição da
Instrução Normativa n.º27/06, não tem como
objetivo promover a ratificação, escopo básico do
Decreto-Lei n.º1.414/75, mas, sim, promover o maior número
possível de anulações de títulos de
domínio, a fim de obter terras, sem por elas pagar, para atender
pressões de sem-terras na execução da reforma
agrária.
José Guilherme Lobo Cavagnari
é Consultor de Assuntos Fundiários da FAEP