O Não vira. Assim se diz, no interior, quando se avalia uma
idéia arriscada, duvidosa quanto ao seu sucesso. Exprime uma
visão de fracasso no empreendimento. Tal ocorre com a reforma
agrária brasileira.
Milhares de projetos de assentamento rural,
instalados País afora, capengam há anos sem mostrar
resultado positivo. O progresso tarda a superar a pobreza, agora mudada
de lugar. A venda e o arrendamento dos lotes suplantam, de longe, a
exploração própria da terra pelo aquinhoado
original. Tanto dinheiro, tanta briga, tanto esforço para
pífio avanço.
O problema fundamental reside no isolamento, em
relação ao mercado, dos pretensos agricultores. A reforma
agrária tende, no máximo, a favorecer a agricultura de
subsistência. A prova encontra-se nos casos de sucesso:
invariavelmente, os projetos bem-sucedidos participam de uma cadeia
produtiva organizada.
Carlos Guanzirolli, reconhecido especialista em
política fundiária, foi um dos primeiros a reconhecer,
já em 1997, a necessidade da integração produtiva
dos assentamentos rurais, sob pena de se inviabilizar o processo
reformista. O BNDES promoveu, na época, reuniões
envolvendo o Incra e a Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO), para avaliar o custo-benefício do modelo
distributivista da terra.
Nesse núcleo crítico se formulou o
Pronaf, programa destinado ao fortalecimento da agricultura familiar. A
ordem era profissionalizar os pequenos agricultores. Tratava-se de
aprimorar sua tecnologia e, mais, integrá-los ao mercado das
agroindústrias e das cooperativas. Aos assentados de reforma
agrária se visualizava sua emancipação, quer
dizer, após um período de cinco anos, ele receberia o
título de propriedade e sua conseqüente alforria como
produtor rural. Um digno com-terra.
Não virou. O MST e, em menor
proporção, a Contag se opuseram fortemente à
emancipação dos sem-terra, certamente querendo
mantê-los sob sua esfera de influência política.
Pior, setores saudosistas da esquerda passaram a defender o modelo da
subsistência rural familiar, em oposição ao sistema
integrado dos agronegócios. Vai entender.
Por essas e outras, a reforma agrária
encontra-se no pior dos mundos. Na entrada, gente despreparada, sem
nenhuma aptidão, faz da invasão de terra o passaporte
para o quinhão bendito. Na saída, distantes de tudo,
entregues à própria sorte, isolados, vão produzir
o que e vender para onde?
Hoje em dia, agricultores da nova
geração, jovens treinados e talhados para a roça e
a lida, mesmo esses sofrem para conseguir do usufruto da terra o
sustento digno de sua família. Aqui se encontram os milhares de
sitiantes paulistas, cerca de 200 mil produtores, que correm
atrás da moderna tecnologia para escapar do sumiço. Ficou
parado, dança.
Mas de nada adianta, apenas, saber produzir no
campo. Difícil é vender com preço remunerador,
pois os mercados são exigentes e controlados. Passou a
época de viver da feira. Agora manda a prateleira do
supermercado.
A agricultura de enxada virou troco no bolso do
agricultor. Por sorte, em alguns casos, ganhou grife em nichos de
mercado de gente rica. Pura exceção. A única
saída da agrura rural se encontra na integração
produtiva, preferencialmente enturmado numa boa cooperativa
agropecuária. Sozinho, fica difícil.José Rainha,
famoso líder do MST no Pontal do Paranapanema paulista, segue
essa pista. Propõe organizar 10 mil agricultores assentados em
torno do biodiesel.
A meta do inusitado projeto é ocupar 20 mil
hectares, em dez anos. Somente na implantação das
lavouras se estima gastar R$ 50 milhões. Consta que o comprador
do renovável combustível já teria até
assinado uma carta-compromisso. Mercado garantido.
Os primeiros mil produtores rurais estão
sendo selecionados e devem iniciar o plantio já em 2007. Durante
os primeiros três anos, devem receber ajuda de custo do governo,
na forma de um salário mínimo por mês. Renda certa.
Depois, é só apostar no pinhão manso, a planta
escolhida para gerar o biodiesel. Coisa atrevida.
Enquanto o comando obscurantista da Via Campesina
combate o agronegócio e defende o atraso da
auto-suficiência alimentar, o pragmático Zé Rainha
busca o top do mercado de biocombustível para gerar renda no
bolso de seus liderados. Está correto.
Inexiste caminho para a reforma agrária, no
Pontal do Paranapanema ou alhures, longe do mercado. Nos anos 60,
quando o modelo distributivista da terra foi idealizado, o simples
acesso à terra garantia o progresso. Bastava carpir e semear.
Hoje, na feroz competição da economia globalizada,
dramático é segurar a renda do agricultor.
Ao governo, porém, cuidado. Em 1995, o
mesmo Zé Rainha fundou uma cooperativa no município de
Teodoro Sampaio, baseada num projeto agroindustrial. Parecia um sonho
naquela banda distante. Juntou 1.600 famílias e arrecadou,
somando-se vários financiamentos públicos, daqueles de
pai para filho, cerca de R$ 8,5 milhões. Foram adquiridos 42
grandes tratores, construídos um laticínio, dois enormes
silos graneleiros, uma agroindústria de sucos. Tudo supimpa.
Nada nunca funcionou. Nenhum litro de suco, nenhum leite
pasteurizado. Os tratores desapareceram. As instalações
deterioram-se com o tempo. O escândalo da Cocamp é um
tributo ao desperdício do dinheiro público. Jamais
alguém acabou responsabilizado. Uma vergonha.
Esse pinhão manso, planta que ninguém sabe
direito o que é, nem de onde veio, pode surpreender. Para o bem
ou para o mal.
Quem avisa amigo é.
Xico Graziano,
agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Texto disponível no site: xicograziano.com.br