PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RECURSO ORDINÁRIO - RO - TRT/15ª REG. Nº 00288-2006-073-15-00-4
Recorrente:
A. M.
RecorrIDOS:
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA
RELATOR:
JUIZ Paulo de Tarso Salomão

EMENTA:

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. CNA. COBRANÇA. LEGITIMIDADE. A Confederação Nacional da Agricultura tem legitimidade para a cobrança da contribuição sindical rural, devida por todos os empresários ou empregadores rurais, a partir da vigência do artigo 24, Lei nº 8.847/94, por força do disposto no artigo 606 da CLT.

Trata-se de apelação em ação de cobrança de contribuição sindical julgada procedente, condenando o Requerido ao pagamento da importância de R$ 1.089,76, com adicional de 2% ao mês, juros de 1% ao mês e correção monetária pelo INPC, além de honorários advocatícios (fls. 43/45). O Requerido alega que a contribuição sindical era devida com base no Decreto-Lei nº 1.166/71, mas a Constituição Federal de 1988 exige lei complementar para definição de critérios gerais das contribuições sociais e assim terão caráter compulsório, devido a sua natureza de tributo, também é indevida a cobrança por não ser filiado à entidade sindical, tampouco usufrui dos benefícios respectivos, impondo-se o provimento do recurso (fls. 47/53), sem impugnação pela Requerente (fl. 55, verso).

Os autos foram encaminhados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reconheceu sua incompetência absoluta para apreciar o feito, com base na Emenda Constitucional nº 45/2004, que deu nova redação ao artigo 114 da Constituição Federal (fls. 72/75).

É o relatório.

VOTO.

01. Tempestividade.

A intimação para o Requerido foi publicada na Imprensa Oficial no dia 18.02.02 (segunda-feira - fl. 46) e a apelação foi interposta, tempestivamente, no dia 28.02.02 (fl. 47), merecendo ser conhecida, uma vez observadas as demais formalidades legais (custas processuais: fl. 54; mandato: fls. 32 e 47).

02. Apelação interposta pelo Requerido, ora conhecida como recurso ordinário.

02.01. Contribuição Sindical Rural. Cobrança. Legitimidade. Bitributação inexistente.

O artigo 578 da CLT prevê que as contribuições são devidas por aqueles que participarem das categorias representativas por seus sindicatos, e as importâncias arrecadadas pela contribuição sindical serão creditadas para a "confederação correspondente", para a "federação", para o "sindicato respectivo" e para a "Conta Especial Emprego e Salário", nos percentuais de 5, 15, 60 e 20%, respectivamente, para cada uma, segundo o artigo 589 da CLT.

O Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, para efeito de enquadramento sindical, considerou o trabalhador rural a pessoa física que prestava serviço a empregador rural mediante remuneração de qualquer espécie, e, quem, proprietário ou não, trabalhasse individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ainda que com ajuda eventual de terceiros (inciso I, letras "a" e "b"), como também o empresário ou empregador rural (inciso II), considerando-se a pessoa física ou jurídica que tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural (letra "a"), quem, proprietário ou não e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região (letra "b") e os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região (letra "c").

O artigo 4º, do Decreto-lei nº 1.166/71, também fixou que "Caberá ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) proceder ao lançamento e cobrança da contribuição sindical devida pelos integrantes das categorias profissionais e econômicas da agricultura, na conformidade do disposto no presente decreto-lei".

Em 12 de abril de 1990, o "sistema de administração das receitas federais" e outras providências, foram alterados pela vigência da Lei nº 8.022, que dispunha:

"Art. 1º - É transferida para a Secretaria da Receita Federal a competência de administração das receitas arrecadadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, e para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a competência para a apuração, inscrição e cobrança da respectiva dívida ativa."

"§ 1º A competência transferida neste artigo à Secretaria da Receita Federal compreende as atividades de tributação, arrecadação, fiscalização e cadastramento."

A competência transferida para a Secretaria da Receita Federal, mencionada na Lei nº 8.022/90, em seu artigo 1º, perdurou até o dia 31.12.1996, segundo constou na Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, que, além de dispor sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural - ITR, também regulamentou a cobrança da "contribuição sindical rural", nos seguintes termos:

"Art. 24. A competência de administração das seguintes receitas, atualmente arrecadadas pela Secretaria da Receita Federal por força do artigo 1º da Lei nº 8.022, de 12 de abril de 1990, cessará em 31 de dezembro de 1996:"

"I - Contribuição Sindical Rural, devida à Confederação Nacional da Agricultura - CNA e à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, de acordo com o artigo 4º do Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, e artigo 580 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT";

A Lei nº 9.801, de 17 de novembro de 1998 (DOU 18.11.1998), deu nova redação ao artigo 1º, do Decreto-lei nº 1.166/71, estabelecendo, em seu artigo 5º, que:

"Art. 5º. O artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, passa a vigorar com a seguinte redação:"

"Art. 1º. Para efeito da cobrança da contribuição sindical rural prevista nos artigos 149 da Constituição Federal e 578 a 591 da Consolidação das Leis do Trabalho, considera-se:"

"I - trabalhador rural:"

"a) a pessoa física que presta serviço a empregador rural mediante remuneração de qualquer espécie;"

"b) quem, proprietário ou não, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ainda que com ajuda eventual de terceiros;"

"II - empresário ou empregador rural:"

"a) a pessoa física ou jurídica que, tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural;"

"b) quem, proprietário ou não, e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área superior a dois módulos rurais da respectiva região;"

"c) os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região."

Não existe dúvida alguma de que a contribuição sindical rural, aqui reivindicada pela Confederação Nacional da Agricultura, é uma das espécies de "contribuição social" dentre aquelas instituídas na CLT (artigos 578 e seguintes) e no Decreto-lei nº 1.166/71, e foram recepcionadas pelo legislador constituinte, no artigo 149 da Constituição Federal de 1988.

Da mesma forma, o caráter tributário da contribuição pretendida não foi questionado na defesa (fls. 23/31), que tampouco se insurgiu em relação à legitimidade da Confederação Nacional da Agricultura para cobrar a contribuição pretendida na inicial (fls. 2/6), e a controvérsia poderia ser resumida ao fato de que a Autora teria, ou não, legitimidade para exigir o percentual da parcela da "contribuição sindical rural", a ela devida, a partir de 1997, depois que cessou a competência da Secretaria da Receita Federal para arrecadá-la (art. 24, Lei nº 8.847/94).

Nesse aspecto, a legitimidade da CNA decorre do artigo 606, da CLT, ao dispor que "às entidades sindicais cabe, em caso de falta de pagamento da contribuição sindical, promover a respectiva cobrança judicial", e a mesma questão já foi objeto de apreciação desta Egrégia 4ª Câmara, recentemente, por ocasião do julgamento do processo TRT/15ª Região nº 00556-2005-133-15-00-5, relatado pelo Juiz Renato Henry Sant’Anna, bem como no Processo TRT/15ª Região nº 01469-2005-022-15-00-4, deste mesmo Juiz ora Relator.

No mesmo sentido, inclusive, é a atual jurisprudência predominante no Colendo Supremo Tribunal Federal, conforme pode ser observado dos Agravos Regimentais nos Agravos de Instrumentos de números 498.686-7 e 516.705-9, relatados pelos Ministros Carlos Velloso e Gilmar Mendes, respectivamente, como também, no Colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião dos julgamentos dos recursos especiais números 724.034-SP (2005/0044590-4) e 649.997-MG, relatados pelos Ministros Castro Meira e Peçanha Martins, também respectivamente, com a observância de precedentes jurisprudenciais em todos eles, no âmbito de suas competências, além de outros citados nestes autos.

No caso específico dos autos, a CNA pretende receber a contribuição sindical rural referente ao exercício de 1997, vencida em 31.07.97 (fls. 9/17), no valor total de R$ 1.089,75, o qual se encontra atualizado até março de 2001 (fl. 9) e foi calculado sobre o valor da terra nua (fato incontroverso) relativo à propriedade do Requerido.

Além disso, deve ficar ressaltado que a defesa limitou-se a afirmar a condição de proprietário rural (fl. 30), sem qualquer esclarecimento adicional e sem impugnar os valores cobrados. Ademais, não produziu quaisquer provas de suas alegações, de modo que a questão deve ser decidida à luz da inexistência de contestação específica (artigo 302 do CPC) e da regra do ônus da prova (artigo 818 da CLT).

Deve ficar ressaltado que o Recorrente apenas afirmou que "não possui nenhum trabalhador em sua pequena propriedade rural" (fl. 30), mas em nenhum momento negou que estivesse inserido em uma das hipóteses previstas pelas alíneas "b" ou "c" do inciso II, descritas pelo artigo 5º, da Lei nº 9.801/98, que deu nova redação ao artigo 1º, do Decreto-lei nº 1.166/71, a fim de que se pudesse afastar a pretensão inicial para "efeito da cobrança da contribuição sindical rural prevista nos artigos 149 da Constituição Federal e 578 a 591 da Consolidação das Leis do Trabalho" (artigo 1º).

Assim, uma vez que a cobrança da contribuição sindical encontra-se prevista regularmente em lei e a ela todos os empresários ou empregadores rurais estão vinculados, quando verificadas as hipóteses nela descritas, bem assim, tendo em vista a legitimidade da Confederação Nacional da Agricultura – CNA para cobrá-la, o recurso não merece acolhimento.

Até recentemente, essa matéria era da competência do Tribunal de Justiça de nosso Estado e suas Câmaras sempre decidiram pela possibilidade da "exigibilidade (da contribuição sindical) mesmo aos não filiados" (AC 211783-2 10ª C. Civ., Relator Dês. Borelli Machado) ou no sentido de que a "contribuição, uma vez fixada, é compulsória para todos os servidores da categoria, sindicalizados ou não" (JTJ 143/230).

O Imposto territorial rural incide sobre a propriedade rural em si mesmo considerada, o domínio útil ou a posse do imóvel, enquanto a contribuição sindical tem como fato gerador o produtor rural, isto é, é cobrado de todos os proprietários rurais, pessoa física ou jurídica e, incide, portanto, sobre uma categoria profissional, os produtores rurais, a título de verdadeira contribuição social. Assim, não há de se falar em bitributação.

O próprio artigo 5º, do Decreto-lei nº 1.166/71 dispõe:

"A contribuição sindical de que trata este Decreto-lei será paga juntamente com o imposto territorial rural do imóvel a que se referir"

Cabe invocar a interpretação sistemática que afasta a alegação de bitributação, proposta pelo ilustre Juiz Relator Luiz Carlos de Araújo junto ao Processo TRT-15ª Região nº 00632-2005-073-15-00-4:

"Dispõem os §§ 1º dos artigos 4º e 7º do Decreto-lei nº1.166/71 que:

"Art.4...

§ 1º Para efeito de cobrança da contribuição sindical dos empregadores rurais organizados em empresas ou firmas, a contribuição sindical será lançada e cobrada proporcionalmente ao capital social, e para os não organizados dessa forma, entender-se-á como capital o valor adotado para o lançamento do imposto territorial do imóvel explorado, fixado pelo INCRA, aplicando-se em ambos os casos as percentagens previstas no artigo 580, letra c, da Consolidação das Leis do Trabalho.

...

Art.7º

§ 1º A aplicação da contribuição sindical rural, objetivando o desenvolvimento setorial e atendidas as peculiaridades de cada categoria, será feita pelas respectivas entidades, nos termos de instruções baixadas pelos Ministros do Trabalho e Previdência Social e da Agricultura, que estabelecerão normas visando a harmonizar as atividades sindicais com propósitos sociais, econômicos e técnicos da agricultura." (grifos do Relator).

Dispõem os artigos 153, inciso VI e o artigo 154, inciso I, ambos da Constituição Federal que:

"Art. 153. Compete à união instituir impostos sobre:

...

VI - propriedade territorial rural.

Art.154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;" (grifos do Relator).

Dispõe, ainda, o "caput" do artigo 149 da Constituição Federal:

"Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas..."

A contribuição sindical, diferentemente da contribuição confederativa, que é instituída por assembléia e pode ser cobrada somente dos associados da entidade respectiva (Súmula nº 666 do Supremo Tribunal Federal), a primeira é mais abrangente, foi instituída por lei e pode ser exigida, indistintamente, de qualquer integrante de uma determinada categoria profissional ou econômica, independentemente de filiação à entidade dela representativa.

Como a contribuição cobrada não se confunde com qualquer tributo, ou seja, ela não tem natureza de imposto, de taxa ou de contribuição de melhoria (artigo 145 da Constituição Federal), até porque estes últimos podem ser cobrados somente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, não há de se falar em "bitributação" (fl. 87).

Os impostos e taxas são cobrados pela administração pública, enquanto a contribuição social cobrada nestes autos destina-se à manutenção da entidade representativa dos empresários ou empregadores rurais a ela vinculados, por força da legislação vigente em nosso país.

Diante disso, o recurso não merece acolhimento

Posto isto, decido negar provimento ao recurso ordinário interposto pelo Requerido para manter íntegra a r. sentença recorrida, nos termos da fundamentação, ficando também mantidos os valores nela arbitrados.

 

Paulo de Tarso Salomão
Juiz Relator


Boletim Informativo nº 957, semana 21 a 27 de maio de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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