A guerra e a resistência

*Denis Lerrer Rosenfield

Há histórias individuais que são exemplares. Contarei uma delas, entre tantas, que se fazem pelo País afora, graças a indivíduos e famílias que sabem resistir ao arbítrio. A Fazenda Coqueiros, da família Guerra, no Rio Grande do Sul, é objeto de violências sistemáticas de parte do MST, desde 2 de abril de 2004. Aí começou a sua saga. Essa organização política, acampada ao lado, já tendo contado até pouco tempo atrás com 4 acampamentos, cercando praticamente essa propriedade, não cessa de atacá-la, com requintes que lembram a Ku Klux Klan. Há fotos de casas incendiadas que, por si sós, são todo um símbolo. O problema é que isso acontece ao nosso lado e fazemos como se isso não existisse. Pior, não sabemos, inclusive, que estamos financiando esses atos de violência.

Para evitar qualquer equívoco resultante do palavreado demagógico que povoa as notícias relativas a essa organização política, é conveniente ressaltar que essa fazenda é altamente produtiva, fato este reconhecido pelo Incra. O próprio ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, afirmou, em 25 de agosto de 2006, que "a área é produtiva e não pode ser desapropriada". Reiterou ainda que o Incra poderia comprar a fazenda, ou parte dela, "desde que os proprietários aceitem vender". Acontece que os proprietários não querem vender a sua propriedade, o que é um direito deles. O ministro apelou, inclusive, para que os "sem-terra e proprietários mantenham a serenidade". Como manter, porém, a serenidade se essa organização política usa indiscriminadamente da violência?

Nesta declaração, o ministro acrescentou que há obstáculos - diria insuperáveis - para a desapropriação de terras, por uma boa razão: não há terras improdutivas a serem desapropriadas. Cito o ministro: "O Rio Grande do Sul é um Estado onde a reforma agrária tem mais dificuldades, porque há muita demanda por terra, mas não existem terras improdutivas." Logo, por que insistir num modelo esgotado de reforma agrária? O que justifica que o Incra aumente o número dos seus funcionários? No entanto, se você acessar o site do MST ou observar as declarações de seus líderes, você verá, ao arrepio de qualquer realidade, que a Fazenda Coqueiros é "improdutiva". A mentira se torna um meio de provocar a violência e justificar as invasões de terras.

Desde que começou o seu calvário, há 3 anos, a Fazenda Coqueiros foi objeto de 11 incêndios criminosos de cercas, galpões, matas, lavouras de soja e de milho. Dois caminhões foram queimados em outubro de 2006, só restando deles a carcaça. Vi um desses caminhões - parece uma peça de guerra. A operação foi montada com armas brancas (foices e facões), que rasgaram o tanque plástico de combustível do veículo, recolhido em galões, sendo depois espalhado por todo ele, ao qual foi ateado fogo. Foi, como todas as outras, uma operação minuciosamente preparada. Uma serraria foi, várias vezes, incendiada, até sua completa destruição em maio de 2006. Uma usina hidrelétrica foi, por sua vez, destruída em fevereiro de 2007. Os trabalhadores foram cercados e atacados. Claro que tudo isso, para o MST e para os que o apóiam, foi feito em nome dos "trabalhadores". Ainda na semana passada, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, hipotecou a total solidariedade do partido ao "abril vermelho". Quer ele dizer com isso que todas as violências do MST são justificadas?

A situação chegou a tal extremo que a Justiça concedeu aos proprietários da fazenda um interdito proibitório, em 2006. A sentença estabelece que esse auto-intitulado movimento "social" não pode nem mesmo se aproximar dos matos da divisa. Se a lei fosse obedecida, não caberia ao MST senão abandonar as suas invasões e os seus atos de violência. O que faz, porém, essa organização política? Invade novamente, mostrando que a lei, para ela, não vale. Para que se tenha uma idéia, essa propriedade já foi objeto de 8 grandes invasões, com mais de 150 pessoas, isso sem contar com mais de 60 incursões, com matança de animais e/ou mutilação desses animais, com corte de tendões, vindo eles, depois, a morrer no mato. As fotos são impressionantes.

Contudo, lá continuam eles acampados ao lado da propriedade e a invadindo constantemente, criando um clima de tensão que só não se conclui por uma tragédia graças à serenidade da família Guerra. E a serenidade solicitada pelo ministro ao MST? Esta não parece valer, pois o instrumento reiteradamente utilizado é a provocação, como se essa organização política estivesse em busca de mártires, que viriam banhar com o seu sangue o impulso revolucionário. Livros de Cantos da Comissão Pastoral da Terra, utilizados nos acampamentos e assentamentos, com fotos de Che Guevara, o santo desta Nova Igreja, justificam esse tipo de ação em nome de uma salvação terrena, a revolucionária.

E o que faz o Incra diante dessa situação. Passo a palavra ao próprio Superintendente do Rio Grande do Sul, que, num documento assinado por ele mesmo, escreveu: "Com relação à distribuição de cestas básicas e lonas plásticas, o Incra é um mero executor do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que garante cestas básicas e lonas, por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O Incra faz a entrega das cestas e das lonas, ação que faz parte de programas do MDS, de atendimento a famílias acampadas em todo o País." Logo, as lonas pretas, as cestas básicas e o Bolsa-Família (constante de um outro documento da Polícia Militar) são financiados por diferentes órgãos do Estado, segundo um plano previamente delimitado pelo governo. Falta acrescentar os litros de cachaça que enchem todo um galpão. Para os que defendem os produtos nacionais, há também curiosidades. O arroz distribuído é importado. Quem paga por tudo isso? Você, contribuinte! Você está sustentando as invasões!

*Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
e-mail: denisrosenfield@terra.com.br
(publicado no O Estado de S. Paulo de 30/04/2007)


Boletim Informativo nº 955, semana 7 a 13 de maio de 2007
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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