Onda chique Xico
Graziano |
Virou moda. Todo mundo quer neutralizar as suas emissões de carbono. A fórmula é fácil. Basta plantar árvores. Empresas, eventos, entidades contribuem, assim, para amenizar o efeito estufa. Consciência tranqüila. E bom marketing. A base do raciocínio dessa neutralização ecológica se situa na fotossíntese. Por meio desse magnífico processo, a energia luminosa se transforma em energia química. Raios de sol, absorvidos na clorofila das plantas, originam açúcares. Uma mágica da natureza. Funciona assim: as plantas absorvem gás carbônico (CO2, também chamado de dióxido de carbono) da atmosfera. Pelas raízes, retiram água do solo. Na presença de luz, a reação catabólica resulta na síntese de moléculas de carboidrato, como a glicose. Estas, quando degradadas pelo metabolismo interno, liberam a energia do crescimento vegetal. Forma-se um ciclo vital. Mais surpreendente ainda é o subproduto da fotossíntese: oxigênio, o gás da vida superior, é liberado no processo. Então, recapitulando, durante o dia, na presença da luz, as plantas respiram gás carbônico e liberam oxigênio. A fotossíntese cessa durante a noite. O primeiro a descobrir esse mecanismo bioquímico foi o médico Van Helmut, no início do século 17. Ele acompanhou, em estufa, o crescimento de uma planta. Ao pesar o volume de terra do vaso, percebeu que se mantivera constante. Anos depois, em 1771, Joseph Priestley avançou nas pesquisas, estudando a formação e absorção de gases durante o crescimento vegetal. Eram oxigênio e gás carbônico. A hipótese da fotossíntese foi finalmente comprovada, com a ajuda de vários cientistas, no final do século. Estava provado, ainda sem que se entendesse ao certo, que água de chuva e luminosidade faziam a planta crescer. Até então se imaginava que as plantas "comiam" terra. Toda a lenha, os galhos, a massa vegetal representam acúmulo de carbono, transferido, via fotossíntese, da atmosfera para as células vegetais. Plantas mais jovens, em crescimento, necessitam de muita energia, consumindo bastante CO2. Por outro lado, liberam mais oxigênio. O raciocínio vale também para populações. Os cultivos, quaisquer deles, absorvem elevadas quantidades de gás carbônico. Os campeões são as florestas plantadas de eucaliptos. A cana-de-açúcar também se sobressai. Já nas florestas maduras, com ecossistemas estabilizados, o balanço energético tende a zero. Por essa razão, sabe-se que a floresta amazônica, ao contrário daquilo que se pensa popularmente, não funciona como "pulmão" do mundo. O oxigênio que libera é consumido em sua própria respiração. Ocorre equilíbrio entre metabolismo e catabolismo. As mudanças climáticas globais estão afetando a percepção das pessoas sobre as leis naturais. Isso é bom. Se o aquecimento do planeta se deve ao acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera, nada mais lógico do que imaginar o seqüestro desse gás por meio do plantio e crescimento das árvores. Após séculos derrubando-as, a humanidade descobriu que o melhor negócio é plantá-las. Mas funciona mesmo? Sim. Na média, cada cinco árvores grandes, em crescimento, consome uma tonelada de carbono por ano. Considerando uma população de mil plantas por hectare, cada área dessas retirará da atmosfera 200 toneladas de CO2. Este "seqüestro" de carbono, em um hectare, corresponde à emissão de 20 carros, dos pequenos, por ano. De olho no novo filão de mercado, empresas de consultoria se oferecem para calcular as emissões de carbono. Basicamente, a conta considera o consumo de combustível fóssil, derivado do petróleo. A razão é simples: as reservas de petróleo significam carbono imobilizado nas profundezas da terra. Queimado, o elemento químico retorna à atmosfera na forma de gás. O apelo é ecológico e o negócio, capitalista. Empresas agregam valor aos seus produtos e serviços, vendendo-se como amigas da natureza. Os consumidores, nervosos com o aquecimento global, gostam. E o meio ambiente agradece. Plantar árvores é sempre bom. Num mundo que ameaça aquecer, nada melhor que a sombra fresca do bosque. A tal neutralização, contudo, embute um problema. Ela não contesta o padrão de consumo de energia, apenas floreia a questão. Continua-se a gastar horrores de óleo diesel, gasolina, querosene. Ora, sem modificar o modelo da sociedade de consumo, essa onda chique se parecerá com penitência de confessionário. Mera desculpa para esconder o pecado. As mudanças climáticas causadas pelo acúmulo de gases do efeito estufa na atmosfera, a serem enfrentadas para valer, vão exigir profundas alterações no padrão de vida das pessoas. Inexiste saída na beirada. Nessa reviravolta da civilização, o espaço rural ganhará destaque. Haverá como que um retorno às origens, o asfalto cedendo lugar à grama, o verde substituindo o pálido concreto. Há dias choveu peixe na pacata Paracatu, em Minas Gerais. Um forte rodamoinho, verdadeiro tornado, inusitadamente levantou água da represa e descarregou estranha chuva sobre a cidade. Foi um assombro geral. O mundo, realmente, está ficando maluco, pensaram os moradores. No
interior, quando alguém teima em cumprir um trato, faz um repto: vou
conseguir, nem que chova canivete! Significa esforço total. Já que
começou a chover peixe, e os oceanos estão subindo, passou a hora de
contemporizar. O futuro da Terra exige mudanças radicais, nova atitude,
em relação à natureza. Ou se reduzem para valer as fumaças nocivas,
ou as árvores plantadas agora nem chegarão a crescer. |
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Xico
Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São
Paulo. |
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Boletim Informativo nº 949,
semana 19 a 25 de março de 2007 |
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