A América rural está eufórica. Regiões norte-americanas decadentes se animam com a chegada das destilarias de milho. Agricultores sonham com o novo filão do progresso. Até Bill Gates planeja investir no etanol. À toa não é.
Mistura de patriotismo com riqueza, os empresários já inventaram poderoso slogan: “Our crop, our fuel, our country.” A placa foi testemunhada por Timothy Egan, jornalista do New York Times. Após discurso do presidente Bush, em janeiro, conclamando os Estados Unidos a substituírem, em dez anos, 20% da gasolina por álcool, o assunto virou febre nacional.
Os Estados Unidos, surpreendentemente, já empatam com o Brasil na fabricação de álcool. A diferença fica por conta da matéria-prima: lá se utiliza o milho na fermentação, aqui cabe à cana-de-açúcar fornecer o caldo. Acontece que a cana exige condição tropical para vegetar o ano inteiro, impossível no Hemisfério Norte, onde o solo fica gelado no inverno. Azar dos gringos. O rendimento do cereal é 50% menor que o da gramínea.
Fortes subsídios governamentais pagam a conta do caro biocombustível norte-americano. Pouco importa. A perspectiva de atender ao fabuloso mercado da maior frota de veículos do planeta esquenta os agronegócios como nunca. Afinal, a proposta Bush exige reajustar a meta do programa de combustíveis renováveis, passando de 28,5 bilhões para 132,5 bilhões de litros, até 2017. Para comparação, o Brasil produz, hoje, cerca de 20 bilhões de litros.
A firme procura por milho elevou sobremaneira seu preço no mercado, onerando os produtores de aves e suínos, cuja ração se baseia no amarelo cereal. Ao Sul, o vizinho também paga seu preço. A popular tortilha, adorada pelos mexicanos, quase dobrou de preço em dois meses, causando revolta nas ruas. Briga da energia contra a comida.
Nada, todavia, segura a onda do etanol. O temor pelo aquecimento global e o preço do barril de petróleo condenam a queima de combustível fóssil e empurram a opinião pública norte-americana a favor da fonte renovável de energia. Demorou, mas eles acordaram. Sonham com a fortuna.
Além do rico Tesouro, outra vantagem, uma sorte natural, favorece os Estados Unidos nessa empreitada. Seu território, em geral, mostra fartura de água. Estudiosos começam a apontar a falta d’água como séria limitação à agricultura energética, como na China e na Índia.
Inventor do Proálcool, o Brasil assiste meio ressabiado a essa escalada norte-americana. Claramente o País tenta tirar vantagem de sua boa experiência. Primeiro, sonha em vender muito combustível para os tanques norte-americanos. Embora os gigantes do Norte taxem a entrada do álcool brasileiro à razão de US$ 0,14 por litro, foram exportados para aquele mercado, em 2006, 1,75 bilhão de litros, dez vezes mais que no ano anterior. Cresce o volume.
Favorece o interesse nacional o menor custo de produção do álcool de cana. Vale também para os europeus, bem como para o Japão, que igualmente demandam o biocombustível brasileiro. Mesmo com logística deficiente, navios zarpam repletos mundo afora. A construção do alcoolduto, prometida para logo, tornará as exportações ainda mais competitivas.
A Petrobrás pensa em criar uma subsidiária para cuidar desse rentável negócio. O governo topa criar legislação específica para melhor regular os estoques, com segurança de preço, no longo prazo, para os usineiros. Até capitalista bobo vai ganhar dinheiro.
Ao contrário dos Estados Unidos, que aproveitam cereal nobre para produzir álcool, no Brasil a garapa verde não atrapalha o preço dos alimentos. E o front de expansão dos canaviais se dá, principalmente, sobre pastagens degradadas. Vale a pena, entretanto, prestar atenção. Em certas regiões paulistas, a cana pressiona áreas de citricultura e de soja. Cuidado nisso.
Bush chegará em breve. Dizem que vem procurar parceria no etanol. No jogo internacional, assusta alinhar com os norte-americanos. Mas não resta saída. Grupos forasteiros procuram terras e sócios para investir aqui. Projeto bancado pela Sempra Energy, gigante do gás norte-americano, tenciona instalar 12 usinas de álcool no Tocantins. Significam cerca de 700 mil hectares cultivados. Outros 800 mil hectares se buscam arrendar no Maranhão e em Mato Grosso.
Dois perigos espreitam ao largo. Primeiro, começa a se aprofundar certa desnacionalização da atividade sucroalcooleira do País. Fundos de investimento, nacionais e estrangeiros, também entram no ramo dos combustíveis renováveis. É bom, pois capitaliza o setor. É ruim, porque bota aventureiro na jogada.
Segundo, e pior, corre-se o risco de, nessa escalada, haver desleixo com a natureza. Se vier, o combustível verde perderá seu capital ambiental. Pecado mortal será afrontar a Hiléia. Ninguém, em todo o mundo, aceitará que os canaviais sirvam ao desmatamento da Amazônia. Nem que facilitem o sumiço do cerrado.
Poucas plantas cultivadas protegem o solo como a cana-de-açúcar, evitando a erosão. Tampouco se conhece cultura limpa, em que inseticidas e fungicidas sejam dispensados. No balanço energético, vence qualquer concorrente. A vinhaça, resíduo da destilaria, antes destinada a matar rios, agora fertiliza o solo.
A sociedade, com razão, está preocupada. Se os usineiros, famosos pela ganância, tomassem juízo, topariam firmar um protocolo ambiental. Nele se comprometeriam com a prática da agricultura sustentável, cumprindo a agenda verde-azul. Sem aumentar as medievais queimadas. Este, sim, é o acordo que interessa ao futuro do álcool.
Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
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