A temperatura influencia, decisivamente, a vida vegetal. Em decorrência, as plantas cultivadas serão afetadas pelo aquecimento global. As previsões são trágicas.
Dois são os mecanismos principais, associados ao clima, que interferem no desenvolvimento das espécies. Primeiro, o calor provoca maior crescimento vegetativo. Percebe-se claramente esse fenômeno nas florestas plantadas, donde se extraem madeira e celulose, matéria-prima do papel.
O Brasil torna-se muito competitivo no mercado global da silvicultura devido ao rápido crescimento, aqui verificado, das espécies utilizadas nos plantios florestais. Enquanto nos países concorrentes do Hemisfério Norte o corte das árvores demora de 20 a 25 anos, aqui uma floresta de eucalipto está madura aos sete anos.
O calor constante dos trópicos, aliado à intensa luminosidade e à fartura de água, favorece o crescimento contínuo das árvores. Ao contrário, nas regiões temperadas, o inverno rigoroso faz a planta entrar em dormência, paralisando o seu desenvolvimento. A diferença no rendimento florestal é enorme.
A lei biológica, atuando na evolução, forçou uma diferença no reino vegetal. Existem plantas que, em algum momento do ano, perdem suas folhas, mostrando nus os seus galhos. Tais espécies são chamadas de decíduas ou caducifólias. Ao se desfazer de sua cobertura, antes a planta retira os nutrientes e os armazena no caule. Após a dormência, renova a sua verde roupa.8
Outras plantas, porém, mostram comportamento distinto, mantendo suas folhas sempre verdes. Essas são classificadas como perenifólias. O conceito vale também para florestas. A mata atlântica litorânea é a mais famosa floresta perenifólia do mundo. Daí vem sua rica biodiversidade.
Há um segundo mecanismo ecológico que relaciona a temperatura com a sobrevivência das plantas cultivadas. Trata-se da interferência na frutificação. Existem espécies vegetais que somente se reproduzem vivenciando longas horas de frio intenso. Adoram gelado.
O frio serve de estímulo para o florescimento e a posterior frutificação. Sem ele a planta cresce, mas nada, ou pouco, produz. Na fruticultura esse fenômeno é comum. Macieira precisa de frio. Já o cajueiro, tipicamente tropical, funciona ao contrário. Banana e manga também detestam baixa temperatura. Cada espécie constrói seu relógio biológico.
A natureza estabelece suas regras. Mas o homem as modifica. Por meio do melhoramento genético, as espécies cultivadas foram sendo selecionadas para melhor produzir. No processo tecnológico, o imperativo da temperatura se amenizou. Em certos casos, a modificação genética desligou o timing ancestral.
Percebe-se claramente essa mudança na viticultura, a produção de uvas. Antes, da distante Itália chegavam as desejadas uvas de mesa. Hoje, vêm do quente Oeste Paulista, ou do árido Vale do São Francisco, suculentos cachos da fruta, que nasceu no frio, mas conquistou o calor.
Na safra nacional, o feito mais extraordinário se atesta com a cultura da soja. Planta típica do rigoroso inverno asiático, passou a ser com sucesso cultivada no Meio-Oeste norte-americano. No Brasil, mal formava suas bagas oleaginosas. Até que a pesquisa, iniciada no Instituto Agronômico de Campinas e, depois, potencializada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “tropicalizou” a leguminosa. Fixadora natural de nitrogênio, variedades melhoradas, capazes de produzir na elevada temperatura, venceram os fracos solos do cerrado nacional.
Dizem que este ano será o mais quente da História. A Embrapa está fazendo projeções sobre a influência do aquecimento global na agricultura brasileira. Em estudo conjunto com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), válido para cinco grandes culturas - café, arroz, feijão, milho e soja -, concluem os cientistas que a perda de área nessas atividades poderá atingir 50% se a temperatura média subir 5,8 graus Celsius, o que é previsto para daqui a 50 ou 100 anos. Nesse cenário, a cultura do café praticamente desapareceria de São Paulo e de Minas Gerais, migrando para o Sul do País, à procura de clima mais ameno. Adeus, geada.
Das duas, uma: ou se enfrenta pra valer o aquecimento global, reduzindo fortemente as emissões de carbono, ou muita pesquisa terá de ser realizada para adaptar as plantas cultivadas à progressiva elevação da temperatura. Dá-lhe engenharia genética.
Na verdade, dada a inevitabilidade de certo aquecimento, as duas ações serão necessárias. Os próprios agricultores devem contribuir. Enquanto os pesquisadores trabalham firme, buscando a adaptação das espécies, poderiam aqueles riscar o desmatamento e o fogo de seu caderno. O planeta agradece.
Não bastasse a temperatura, o regime de chuvas parece também estar se modificando. O Sul tem enfrentado secas recorrentes, arrasando seus plantios. Vastas regiões do mundo enfrentam a desertificação. Se a Amazônia ruir, acaba a chuva em São Paulo. Seca, mais calor, inviabilizará a agricultura.
A situação do clima é dramática, mas o desafio é, ainda, enfrentável. Duas atitudes são condenadas: o catastrofismo, como se já estivesse tudo perdido, e o imobilismo, típico dos céticos e incautos. Não, há que reagir à ameaça contra a Terra. Curioso, nessa discussão, é perceber que regiões inóspitas podem ganhar com o aquecimento global. Na Groenlândia, o derretimento da calota polar está liberando terreno para cultivos antes congelados. Perde a foca, ganha o cereal. Será que os povos árticos serão os agricultores do futuro? É intrigante pensar nisso.
Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
O texto do autor está disponível no endereço www.xicograziano.com.br