Estudo sugere fusão dos
ministérios da área agrícola

É falso o debate ideológico entre “agricultura patronal” versus “agricultura familiar, ou “agronegócio” versus “pequena agricultura” que está na base da justificativa para que exista hoje, no Brasil, dois ministérios do Governo Federal separados, para tratar de um mesmo assunto – a agricultura. Os dois ministérios deveriam ser unificados e o Governo Federal começar a adotar políticas públicas voltadas para a inserção competitiva e sustentável de todos os produtores no sistema agroindustrial, no país e no exterior.

A análise está em um estudo de fôlego sobre as mudanças econômicas e estruturais por que vêm passando a agricultura no país e no mundo, e a evolução das políticas agrícolas e agrárias no Brasil, feito por pesquisadores do IBMEC e do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).

O Boletim Informativo publica a seguir o Sumário Executivo do documento “Repensando as Políticas Agrícola e Agrária do Brasil”, que, além de sugerir a fusão dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, lista uma série de ações para fortalecer a vocação agrícola brasileira, sem desperdício de recursos num setor que recebeu 5,6% dos gastos totais da União, no Governo Sarney, e viu este percentual cair para 1,8%, no primeiro governo Lula.

Assinam o estudo Fabio R. Chaddad, professor do IBMEC São Paulo; Marcos S. Jank, professor associado da FEA-USP e presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE) e Sidney N. Nakahodo, pesquisador colaborador do ICONE, atualmente no Programa de Estudos Avançados em Política Econômica Internacional do Kiel Institute for the World Economy, na Alemanha.

Sumário Executivo

As políticas agrícola e agrária brasileiras sofreram profundas alterações nas últimas duas décadas. Até o final da década de 1980, o governo federal praticava uma política agrícola altamente intervencionista com o objetivo básico de garantir a segurança alimentar do país. Adicionalmente, o governo investiu recursos na pesquisa, desenvolvimento e disseminação de tecnologias agrícolas tropicais, o que permitiu a expansão da fronteira agrícola e significativos ganhos de produtividade na agricultura. Entretanto, a partir da crise da dívida pública no final daquele período, o governo federal reduziu fortemente os gastos em políticas agrícola e agrária. Além da redução de gastos e desmantelamento de instrumentos tradicionais de política agrícola, houve uma mudança de prioridade das políticas agrícola e agrária, com a ampliação dos gastos em programas de reforma agrária e agricultura familiar.

Analisando os gastos com políticas públicas voltadas à agricultura no período 1985-2005, o presente estudo mostra que:

  • Houve uma redução nos gastos médios anuais com políticas agrícola e agrária de R$ 20,9 bilhões, em 1985-1989, para R$ 10,7 bilhões, em 2003-2005 (em moeda corrente de 2005).
  • Enquanto no Governo Sarney os gastos em políticas agrícola e agrária representavam 5,6% dos gastos totais da União, nos três primeiros anos do governo Lula essa participação caiu para 1,8%.
  • Houve uma mudança no direcionamento das políticas públicas, priorizando-se a reforma agrária e o apoio à agricultura familiar. Entre 1985 e 2005, os gastos médios anuais com políticas agrícolas tradicionais foram reduzidos de R$ 19,5 bilhões para R$ 5,8 bilhões ao ano, enquanto os gastos com organização agrária e agricultura familiar cresceram de R$ 1,3 bilhão para R$ 4,9 bilhões ao ano. O resultado é uma participação crescente nos programas de organização agrária e agricultura familiar nos gastos totais do setor: de 6%, no governo Sarney, para 45%, no governo Lula.
  • O Brasil é o único país do mundo com dois ministérios da agricultura: o ministério dos “produtores patronais e agronegócio” (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA) e o ministério dos “agricultores familiares e da reforma agrária” (Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA). Tais ministérios competem por recursos cada vez mais escassos e, freqüentemente, expressam posições antagônicas sobre temas relevantes para o setor. Nos últimos três anos (2003-2005), a administração consumiu 20% dos recursos dos dois ministérios (R$ 6 bilhões).
  • O governo gasta cada vez mais com políticas dirigidas a grupos específicos (administração, produtores endividados, assentamentos, etc.) e corta recursos dos bens públicos fundamentais para a competitividade do conjunto dos agricultores (pesquisa, defesa sanitária, etc.). Em 2005 os gastos dirigidos foram aproximadamente duas vezes superiores aos gastos com bens públicos e alcançaram R$ 6,5 bilhões. Essa pulverização de gastos e dicotomia entre o ministério do “agronegócio e dos produtores patronais” e o ministério dos “produtores familiares e dos assentamentos” se origina da falsa premissa que “agricultura familiar” é fundamentalmente diferente (e mais desejável) que a “agricultura patronal” e que o “agronegócio” é inimigo do pequeno produtor agropecuário e do desenvolvimento do país. Enquanto as políticas agrícolas e agrárias no Brasil evoluíram de forma a deixar produtores sem acesso a mercados e a serviços fundamentais para a sua competitividade, o sistema agroalimentar se transformou radicalmente nos últimos anos. Impulsionada pelo crescimento da renda e pelos processos de urbanização, mudança tecnológica e globalização, a agricultura está se tornando cada vez mais intensiva em capital e integrada com os estágios antes e depois da porteira. Como resultado desse processo de transformação, os mercados ficam cada vez mais demandantes em termos de segurança e qualidade dos alimentos, mais concentrados e integrados, e mais abertos à competição internacional. O processo de transformação da agricultura traz várias implicações para os produtores agrícolas, incluindo:
  • Redução ao longo dos anos do preço real das commodities agrícolas. Nos mercados internacionais, o preço real das commodities agrícolas no final da década de 1990 se reduziu a 2/5 do seu valor observado na década de 1960. No Brasil, estudo de Geraldo Barros et. al. (2006), do CEPEA-ESALQ, estima que os preços dos alimentos pagos pelos consumidores caíram 35%, em termos reais, entre o Plano Real e o ano passado. Dessa forma, o setor transferiu mais de um trilhão de reais para a sociedade brasileira, nos últimos dez anos, via ganhos de produtividades da terra, capital e mão-de-obra. A redução do preço real de produtos agrícolas leva ao achatamento das margens na agricultura.
  • Aumento do valor adicionado nos estágios pós-porteira do sistema agroindustrial. Uma vez que consumidores demandam cada vez mais alimentos processados e de preparo conveniente, além de aumentar os gastos com alimentos em restaurantes e serviços de alimentação, uma parcela crescente do valor adicionado ocorre após o produto agrícola deixar a porteira da fazenda.
  • Com a redução das margens e a incorporação de novas tecnologias na agricultura, o processo de transformação do sistema agroalimentar claramente apresenta um viés de consolidação da produção em fazendas mais eficientes e intensivas em capital.
  • O produtor enfrenta desafios crescentes de acesso a mercados devido a barreiras de entrada cada vez maiores. Essas barreiras à entrada estão relacionadas (a) à intensificação do uso de tecnologias demandando capital e capacidade gerencial; (b) à necessidade de investimentos específicos e relacionamentos com os demais participantes do sistema agroindustrial; (c) à adoção de padrões privados de qualidade; (d) à consolidação nas indústrias de processamento e no varejo; (e) à existência de economias de escala; e (f) aos maiores custos de transação.
  • Tomando como base a análise da transformação do sistema agroalimentar no Brasil (e no mundo) e as implicações dessa transformação para o produtor, a nossa proposta de um novo papel para as políticas agrícola e agrária enfatiza basicamente a inserção competitiva e sustentável do produtor nas cadeias produtivas que compõem o sistema agroindustrial, no país e no exterior. Além de ser um papel de política pública afinado com as realidades do mercado, essa sugestão também tem o intuito de promover a unificação das políticas agrícolas e agrárias em um único Ministério, reduzindo o impacto do falso debate ideológico entre “agricultura patronal” versus “agricultura familiar”, “agronegócio” versus “pequena agricultura”, etc.

    Na nossa visão, as políticas públicas voltadas para a inserção competitiva e sustentável dos produtores no sistema agroindustrial deveriam contemplar os seguintes pontos:

    1. Aumento da oferta de bens públicos, principalmente defesa sanitária e fitossanitária; infra-estrutura de transporte, armazenagem e comercialização; pesquisa, desenvolvimento e extensão agropecuária; e sistemas de informação de mercado.

    2. Mecanismos de gestão de risco, principalmente a introdução de mecanismos sustentáveis de seguro rural e o incentivo ao uso de contratos futuros e derivativos.

    3. Definição clara e proteção jurídica dos contratos e direitos de propriedade, incluindo a distribuição de títulos de posse da terra para os beneficiários da reforma agrária, a solução do problema de titulação de terras na Amazônia Legal e a garantia de cumprimento dos contratos entre os diferentes integrantes do sistema agroalimentar.

    4. Avaliação sistemática de todos os programas de subsídios diretos, principalmente aqueles que se destinam a grupos de interesse específicos, como os beneficiários das renegociações de dívidas e o monitoramento do uso e dos resultados concretos dos programas de reforma agrária e agricultura familiar (PRONAF).

    5. Posição mais agressiva em negociações comerciais, incluindo o desenvolvimento de novos contenciosos na OMC e a negociação efetiva de acordos regionais e bilaterais de comércio.

    6. Introdução de programas de capacitação técnica e gerencial para produtores e pequenas e médias empresas, com o intuito de formar empreendedores agrícolas com uma pragmática visão de mercado. Tal esforço inclui a promoção e modernização de cooperativas e associações de produtores, entendidos como instrumentos importantes de inserção no mercado e adição de valor desde que consigam solucionar os seus problemas de capitalização, governança e direitos de propriedade.

    7. Desenvolvimento de um sistema nacional de certificação de qualidade e rastreabilidade de alimentos, que auxilie os produtores a agregar valor a seus produtos e a se inserir em cadeias agroindustriais coordenadas e voltadas ao consumidor.

    Confira o estudo no site:

    http://www2.faep.com.br/noticias/exibe_noticia.php?id=963

    Boletim Informativo nº 941 , semana de 15 a 21 de janeiro de 2007
    FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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