O Brasil detém as melhores condições para ser o grande abastecedor de produtos do agronegócio: terras, condições climáticas, alto padrão tecnológico, capacidade produtiva e possibilidade de conquista de mercados internacionais. Entretanto, as ineficiências da infra-estrutura logística, localizadas fora da porteira da fazenda, anulam a aptidão e a competência do agronegócio brasileiro. Seus efeitos prejudicam o setor numa escala superior às chamadas barreiras externas, como subsídios, quotas e sobretaxas, entre outros.
Nos últimos anos, o Governo Federal abandonou o planejamento estratégico e deixou de investir em obras para a infra-estrutura de transportes. O investimento em infra-estrutura logística tem sido praticamente realizado pelo setor privado, suprindo a ausência do Estado. Os investimentos governamentais no setor somam apenas 0,15% do PIB, enquanto países como a China e a Índia investem 3% a 4% no setor.
Apesar dos baixos investimentos, a tributação cresceu significativamente no setor. Foi criada a Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (CIDE), cobrada sobre a comercialização dos combustíveis, cujos recursos deveriam ser investidos em infra-estrutura logística. Mas, suas aplicações acabaram contigenciadas, distanciando-se da sua finalidade legal. Cabe lembrar, ainda, o festejado projeto das PPP – Parcerias Público Privadas, que não saiu do papel pela falta de um marco legal nitidamente estabelecido. Tal instabilidade jurídica e institucional veda a participação da iniciativa privada nas soluções dos problemas logísticos.
A falta dos investimentos típicos de governo em infra-estrutura e a péssima qualidade de gestão no sistema portuário convertem-se num obstáculo de tal magnitude, que pode paralisar o processo de ampliação da produção e das exportações, constituindo-se no que os especialistas estão chamando de apagão logístico. Tais fatores impedirão a retirada da produção do campo e sua colocação no mercado internacional, prejudicando o crescimento das exportações brasileiras e de riquezas no interior do País.
O transporte da soja até o porto de Roterdã, na Holanda, é um exemplo das perdas causadas por problemas de logística. O produto chega na Europa cotado a US$ 220/t FOB. Descontados os custos da operação, o preço final cai para US$ 95/t FOB. Somam nestes custos itens como burocracia, tributação, gestão, normas legais, sistemas de controle, seguros, multas de espera, qualidade, sanidade, segurança, portos, sistemas de navegação, relações de trabalho portuário, riscos, transporte rodoviário e ferroviário, pedágios, segurança jurídico-institucional e sistemas de informação. No final, resta um preço insuficiente para quitar os custos de produção da lavoura.
O custo desse conjunto de movimentações, procedimentos e operações, chamados de logística, é decisivo para a viabilidade ou não das atividades da produção agropecuária, principalmente após a transferência da base da produção, nas últimas décadas, do Sul e Sudeste rumo ao Norte e ao Centro-Oeste. As novas fronteiras agrícolas passaram a exigir rodovias, ferrovias, armazenagens, portos, serviços, em pontos diferentes das rotas tradicionais. As regiões produtoras ficaram cada vez mais dependentes de uma infra-estrutura logística eficiente, para serem competitivas no mercado externo.
O fato é que o Brasil optou por um sistema de transporte para escoamento da produção agrícola baseado na utilização de rodovias. Geralmente, são os países de pequena extensão territorial que vocacionam seu transporte no modal rodoviário, enquanto países com extensões maiores priorizam modais ferroviários e hidroviários. A exceção do Brasil. A matriz de transporte nacional favorece em 61,2% o transporte por rodovias, 20,7% por ferrovias e 13,6% hidrovias. Outros países de grandes dimensões, como Estados Unidos, escolheram transportar suas mercadorias, em 43,9%, por ferrovias e a China, em 49,9%, por hidrovias.
Os custos do transporte rodoviário são mais altos quando comparados a outras modalidades. Além do mais, o Brasil possui uma das mais baixas densidades de malha rodoviária pavimentada do mundo. Dados do Ministério dos Transportes (2003) mostram que o País conta com 1,71 milhão de quilômetros de rodovias federais, estaduais e municipais, das quais apenas 10% são pavimentadas. O estado de conservação das estradas brasileiras agrava a situação, dificultando ainda mais o escoamento da produção agrícola. Em 2002, 59% das estradas pavimentadas administradas pelo Governo foram consideradas deficientes; em 2003, esse índice subiu para 83%, por ação das chuvas e por falta de manutenção; patamar que se mantinha até 2005.
A solução dos altos custos do transporte agrícola passa pelo incentivo a outros modais e pela interação entre eles, a multimodalidade. Será preciso vencer desafios para que outras modalidades de transporte possam ser efetivamente utilizadas, melhorando a eficiência da operação e diminuindo seus custos.
Ferroviário: No caso do sistema de transporte ferroviário, que está completando 10 anos de privatização, ainda permanecem os problemas estruturais herdados da época do controle estatal. Embora as concessionárias tenham assumido aproximadamente 28 mil quilômetros da malha férrea existente no Brasil, continuam os gargalos físicos e operacionais do sistema. Também permanecem a obsolescência e precariedade das vias permanentes; elevado número de pontos críticos das linhas na transposição de centros urbanos; invasão de faixa de domínio; e interligação deficiente com zonas portuárias.
Tais situações resultam em baixa velocidade e interrupção do fluxo do modal, com tempo de trânsito elevado e baixa capacidade por eixo. Conseqüentemente, elevam-se os custos de transporte. A velocidade média dos trens brasileiros é de 23 Km/h, enquanto nos Estados Unidos o mesmo conjunto desenvolve uma velocidade de 80 Km/h em média, que resulta apenas em 30% da produtividade americana.
Para fazer frente a este quadro de dificuldades, é preciso fortalecer a agência reguladora do setor terrestre, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com a instalação de um foro legal para discussão das necessidades dos usuários. A regulação do transporte ferroviário ainda é deficiente frente aos compromissos assumidos pelos concessionários e aos direitos dos usuários. Devido às características intrínsecas ao negócio ferroviário, na falta de uma regulação eficaz, corre-se o risco de favorecer o monopólio privado, com resultados igualmente maléficos aos interesses da sociedade.
Marítimo: O transporte marítimo é considerado uma vocação natural brasileira. O País possui oito mil quilômetros de costa (10 mil quilômetros se considerada a extensão do rio Amazonas até Manaus) e uma economia fortemente concentrada numa faixa de cerca de 500 quilômetros ao longo do litoral. No entanto, percebe-se total inapetência nesta modalidade de transporte para a concorrência com o transporte de outros países.
As leis brasileiras praticamente inviabilizam investimentos do setor privado no transporte marítimo. Como conseqüência, reduziu-se a frota de bandeira nacional, com a diminuição de sua escala operacional, que aumenta custos e reduz a disponibilidade de freqüências de transporte. A carga tributária sobre as atividades do setor impõe uma concorrência desleal com os navios de bandeira internacional. A frota brasileira compete com navios estrangeiros que não pagam encargos sociais relativos a seus tripulantes, operados por empresas praticamente isentas de tributação, oneradas somente por insignificantes taxas de registro, de menos de US$ 1.000 por navio por ano. No Brasil, somente os encargos sociais chegam a 140% acima do valor dos salários pagos à tripulação.
Um navio de bandeira estrangeira apresenta custo operacional significativamente menor que um navio operando sob a bandeira brasileira. Por este motivo, os novos investimentos no setor são muito poucos, sem praticamente nenhuma renovação da frota atual, o que também se aplica à navegação de cabotagem. Embora preferenciais no transporte interno no País, os navios de registro brasileiro estão sujeitos, da mesma forma que aqueles envolvidos no transporte internacional, ao mercado mundial de fretes. Isto ocorre porque fazem parte de um trajeto internacional (caso dos serviços de carga geral feeder) ou por terem o mercado regulado por padrões internacionais (caso típico dos mercados de granéis – líquidos ou sólidos).
Para o transporte marítimo, é imprescindível a isonomia tributária com os concorrentes externos, pois a cabotagem constitui elo importante na direção da desconcentração do transporte rodoviário a longas distâncias. Produz, também, expressivo impacto na redução de custos da matriz de transportes e no descongestionamento de algumas rotas, proporcionando sobrevida aos interesses rodo-ferroviários existentes.
Portos: O alto custo dos portos nacionais é um dos principais gargalos da infra-estrutura logística brasileira. É preciso investir na capacidade dos portos tradicionais, como o de Santos-SP e o de Paranaguá – PR, além de otimizar os investimentos nas operações em outros portos, como o de Itaqui – MA e Santarém – RO. Viabilizar a chegada de produtos a estes portos significa esvaziar o excesso de embarques de produtos agrícolas para exportação pelos portos tradicionais, com os habituais e extensos engarrafamentos. No porto de Paranaguá – PR, por exemplo, 60% da soja embarcada para o exterior vem de outros Estados. )
A exportação agrícola pelos portos de Itaqui - MA e Santarém – RO reforça o conceito de multimodalidade, resultando na diminuição dos custos de transporte dos produtos. Para tanto, é fundamental viabilizar outro conceito que envolve a multimodalidade - os corredores de exportação. Trata-se de uma visão funcional de corredores de exportação, com o objetivo de aperfeiçoar o escoamento da produção das novas fronteiras agrícolas por opções mais baratas e viáveis, como o corredor dos portos de São Luís/Belém; corredor de Porto Velho e o corredor do porto de Santarém. São soluções integradas, com a utilização de vários modais, prevendo a melhora e conclusão de estradas de rodagem; a conclusão e interligação de vias ferroviárias; a viabilização das hidrovias e a melhora da infra-estrutura tecnológica dos portos.
A solução para o País é tratar com racionalidade o transporte de cargas, transformando as distâncias físicas em econômicas, cujos gastos improdutivos possam se converter em poupança para investimentos. O setor calcula que exista a necessidade iminente de investimentos em transporte da ordem de US$ 16 bilhões, nos próximos 10 anos.
Deste montante, US$ 3,3 bilhões se referem aos investimentos públicos, US$ 2,7 bilhões aos investimentos do setor privado e US$ 7,5 bilhões de iniciativa público/privado - as PPPs - e o restante de iniciativa pública e privada. Em 10 anos, os investimentos seriam na ordem de 3% do PIB, ou seja, 0,3% do PIB ao ano. Tais investimentos poderiam proporcionar economia de US$ 14,23 bilhões no transporte, o que representa redução de gastos em torno de 20% ao ano.