Dívida rural
com fornecedor

A escassez de financiamento bancário ao produtor rural fez com que este migrasse para o crédito direto junto a fornecedores, os quais se tornaram verdadeiros sócios nos resultados da atividade. Trata-se de crédito comum (mercantil), porém não bancário, portanto divorciado da disciplina do Dec.lei 167/67, o qual dita o regramento básico e fundamental do crédito rural, vigorante como legislação de regência. Esse financiamento envolveu diretamente a aquisição de adubos e fertilizantes, além de sementes, máquinas e outros implementos, no viso de assegurar a exploração econômica da terra. Em termos de valores a dívida mercantil rural chega perto da dívida oficial sob renegociação, isto é, financiamentos bancários rurais, propriamente ditos. Anote-se que se trata de dívida perante os fornecedores de insumos e não instituições financeiras e consectários do crédito especial rural.

Aqui interessa o enquadramento jurídico dessa dívida, pois efetivamente não se confunde ela com a dívida perante instituições financeiras, cujos contratos se alicerçam na legislação específica de financiamento para o setor rural. Trata-se de dívidas comuns, obtidas mediante contratação direta de financiamento junto aos vendedores de insumos ou eventuais adquirentes da produção. Simplesmente, ao que se vê, fica arredada no que tange a esses contratos toda a legislação de crédito rural, porquanto com ela não se confunde.

Os regramentos de ordem legal a serem aplicados a essas relações jurídicas são aqueles nascidos do Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, diplomas que se entrelaçam e se completam em termos de presidirem as relações de dívidas dessa natureza. O que importa definir é que a equação jurídica que traduza dívida civil, comercial, mercantil ou de qualquer outra natureza, não guarda relação com as leis de crédito rural bancário. Com efeito, os juros passam a se limitar pela lei da usura, situação estranha ao crédito clássico rural. Os encargos financeiros ligados à mora não se identificam com aqueles pertinentes à legislação de crédito rural. Enfim, nenhum dispositivo específico da legislação rural, que tem inclusive índole constitucional, se aplica a esses créditos cogitados, de natureza puramente comum.

Tratando-se de relações contratuais regidas pelo Código Civil e CDC, aplicam-se a esses contratos institutos modernos, alguns apenas acenados pelo Código do Consumidor e outros expressados claramente na lei civil atual, vigente a partir de 2003. Tais contratos se submetem claramente à boa fé objetiva, novel instituto, de amplo alcance, principalmente quando se tratam de contratos especiais, os quais ocuparam o espaço do crédito rural dito oficial. Também, pelo mesmo motivo, instituto definitivamente aplicável mostra-se a função social desses contratos, sabendo-se que preencheram a ausência de oferta de crédito oficial em certas regiões do país ou excesso de exigências no que concerne a garantias.

Outro instituto de larga aplicação moderna, a onerosidade excessiva contratual, mostra-se importante no exame do novo passivo das dívidas da agricultura, até porque aspectos de aleatoriedade residem nessas relações contratuais. Na modernidade do direito importa mais o fato real do que a simples aparência do contrato, ou o que nele se acha escrito. Tais avenças não se submetem ou se regram pela legislação de crédito rural, mas sim pela legislação comum.

Djalma Sigwalt é advogado, professor e consultor da
Federação da Agricultura do Paraná - FAEP - djalma.sigwalt@uol.com.br


Boletim Informativo nº 938, semana 4 a 10 de dezembro de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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