Recado do campo *Xico Graziano |
Termina o período eleitoral, festa máxima da democracia. Muita discussão, pouca proposta. O debate sobre ética, necessário, engolfou o programa de governo. No campo permeia enorme dúvida. "O que será de nós?", perguntam os agricultores. Quem vencer, Lula ou Alckmin (esta edição do Boletim foi fechada dia 26 de outubro, três dias antes dos resultados das eleições), definitivamente precisa tomar consciência de que a agricultura brasileira exige maior atenção. No marketing ou na política, vale pouco. Parcos votos, todavia, contrastam com sua importância na Nação. O próximo presidente da República, para obter sucesso no planejamento rural, deve respeitar certas premissas. Sem mistificação nem ideologia. Apenas considerar a simples realidade, uma radiografia da agropecuária. Aqui está seu esqueleto básico. O PIB rural, medido dentro da porteira das fazendas, mal atinge 9% do nacional. Parece pequeno. Tal riqueza primária, porém, contamina toda a economia, formando longas cadeias produtivas. Tanto é que, somando o valor das empresas que dependem, na compra ou na venda, da agropecuária, o PIB do complexo agroindustrial, chamado "agronegócio", sobe para 30%. Aqui se incluem, por exemplo, a indústria de máquinas e insumos, açougues e padarias, calças jeans e chocolate. Quase metade das exportações nacionais advém de produtos agrícolas, naturais ou processados. Mais importante, a balança do agronegócio é altamente superavitária: em 2005, exportou US$ 43 bilhões e importou US$ 5,2 bilhões. Resultado: do superávit comercial do País, a agricultura contribuiu com 84%. A roça paga a conta das importações industriais. Na composição do emprego, a produção rural absorve, no trabalho dentro das propriedades, cerca de 20% da população total ocupada. Adicionando o emprego nas cadeias produtivas, do boi à churrascaria, da horta à quitanda, estima-se o emprego do agronegócio em 37% do nacional. Há segurança alimentar no Brasil. Exceto no trigo, dependente acima de 50% de importações, a agricultura nacional, simultaneamente, abastece o mercado interno e exporta mercadorias. Os líderes da balança comercial, como soja, carnes, celulose, açúcar e café, geram dólares sem comprometer a comida popular. Óleo de soja é povão. O Brasil, desde as sesmarias, mostra elevada concentração de terras. Todavia, ao contrário dos EUA e da França, por aqui a pequena e média propriedade mantém sua importância na estrutura agrária. Em São Paulo, desde 1950 a área média está estabilizada ao redor de 70 hectares. Idem no Brasil. A tendência de concentração é amenizada via mecanismo de herança. O pequeno agricultor, apelidado de "familiar", participa decisivamente do "agronegócio". Em muitos setores, são as cooperativas que se encarregam de arregimentar sua produção, conectando-o ao mercado. E a chave para seu sucesso não está no tamanho, mas sim no conhecimento e na tecnologia. Só não praticam o "agronegócio" os produtores de subsistência. O Brasil é o único país do mundo que ostenta dois ministérios de agricultura, um dos "patronais" e outro dos "familiares". Tal disparate exige correção, pois se trata de um absurdo teórico, um monstro criado pela ideologia tupiniquim. Segregar os agricultores significa discriminá-los, perdendo energia gerencial e recursos públicos. No início do processo de modernização agropecuária, nos anos 70, o financiamento cumpriu papel fundamental. Hoje, mais importante que crédito, o produtor rural carece de garantia de renda. Sem seguro rural cresce o endividamento do setor, que já atinge perigosos 50% do PIB setorial. Eleva a dependência do campo. Difícil, hoje, não é produzir, mas sim enfrentar o mercado e vender bem, com preços remuneradores. Redes de supermercados substituem os nefastos intermediários de outrora, submetendo a agricultura a uma tirania. Acesso ao mercado é o grande desafio da agropecuária. O conceito de terra "improdutiva" restou passado. Há 45 anos, quando se propôs a reforma agrária, mata virgem era sinônimo de "ociosidade". Com a modernidade, derrubar florestas virou crime ambiental. Terrível tesoura ameaça a garganta do produtor: se desmatar, o Ibama pega; se deixar parado, o Incra toma. Assim não dá. Assentar excluídos, chamados sem-terra, aparenta generosidade, mas não funciona. É remédio ultrapassado contra a miséria. Basta ver os 7.640 assentamentos do Incra. Exceções à parte, configuram verdadeiras favelas rurais. Governos fazem de tudo, mas no mundo da tecnologia não se fabricam agricultores como antigamente, época da enxada. E custa caro assentar: cada família não sai por menos de R$ 50 mil. Dá um salário mínimo por mês durante 12 anos. Biotecnologia não é bicho do mal. China, Índia, Cuba, EUA, União Européia, Austrália, Canadá, todos os grandes países investem fortemente na engenharia genética. Cria-se assim um fosso de sapiência com o Brasil. Regulamentar transgênicos é necessário, tomar poeira na corrida tecnológica, não. Finalmente, o começo. Faltam dados confiáveis sobre o Brasil rural. As estatísticas agrárias estão defasadas dez anos, data do último Censo Agropecuário do IBGE. Tudo mudou após a estabilização da economia. A maior das prioridades é realizar, urgente, novo censo. Conhecer é poder. Fica o recado para os donos do poder. Os trabalhadores do campo carregam grossas mãos, mas têm sensibilidade para descobrir quando lhes roubam a esperança. Agricultor tem fama de caipira, mas não é bobo. *Xico
Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) |
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Boletim Informativo nº 934,
semana de 30 de outubro a 05 de novembro de 2006 |
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