Leia aqui as decisões judiciais e do Conselho
de Recursos sobre trabalho rural temporário

Produtores recorrem, contestam cobranças e conseguem anular 
notificações emitidas após declarações erroneamente preenchidas

Tema frequente desta coluna por ser ser fonte de dúvidas há bastante tempo, o trabalho rural eventual (bóia –fria/ diarista & outros) alimenta a controvérsia quando se trata de provar a atividade. A Receita Previdenciária andou revisando processos de benefícios de aposentadoria por idade de rurais bóias-frias, em que a comprovação foi feita com declarações de produtores rurais preenchidas nos sindicatos de trabalhadores rurais.

Ora, o assunto está disciplinado na Instrução Normativa nº 118 (de 14/04/2005), da Diretoria Colegiada do INSS, artigos 142 e 143, que determinam:

" Art. 142. Os trabalhadores rurais denominados safrista, volante, eventual ou temporário, caracterizado como contribuinte individual, deverão apresentar os comprovantes de inscrição nessa condição e os de recolhimento de contribuição a partir de novembro de 1991, exceto quando for requerido benefício previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991.

Art. 143. Na ausência dos documentos citados nos arts. 140 e 142 desta IN, a comprovação do exercício da atividade rural dos segurados nos artigos mencionados, para fins de concessão de aposentadoria por idade, em conformidade com o art. 143 da Lei nº 8.213, de 1991, alterada pela Lei nº 9.063, de 1995, poderá ser feita por declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Sindicato de Pescadores, ou Colônias de Pescadores ou por duas declarações de autoridades, na forma do art. 139 desta IN, desde que homologadas pelo INSS, observando-se para sua emissão."

  • * As remissões ao art. 143 da Lei nº 8.213/91 se referem ao benefício da aposentadoria por idade. O art. 140 trata dos documentos evidenciando o vínculo empregatício.

  • * O art. 139 se refere à inexistência de Sindicato de Trabalhadores Rurais, quando a declaração poderá ser suprida por duas declarações firmadas por autoridades administrativas ou judiciárias que conheçam o trabalhador há mais de cinco anos.

Disso se conclui que o acesso à aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais safristas, volantes, eventuais ou temporários é dado sem a exigência da contribuição social calculada sobre o valor do salário recebido, pelos serviços prestados sem vínculo empregatício.

Mas a falta de documento formal de um contrato de trabalho pode ser resolvida com a apresentação de uma declaração do produtor, que utilizou os serviços do trabalhador. Ou então, por uma declaração do sindicato dos trabalhadores rurais e/ou das autoridades judiciárias ou administrativas locais.

Assim, quando a comprovação se dá por declaração o documento acaba redigido de forma a caracterizar o trabalhador eventual como empregado permanente.

Desavisado, e a pedido do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o produtor rural acaba por assinar a comprovação data -a -data.

Depois disto, é o bicho !

A Receita Previdenciária cai em cima do suposto empregador, enviando-lhe uma Notificação Fiscal para que recolha as supostas contribuições atrasadas calculadas sobre o salário, acrescida das contas dos supostos atrasados do Salário-Educação e INCRA, além da multa pela falta de um contrato formal na CTPS.

Esclareça-se que o agricultor recolhe a contribuição patronal em substituição à folha de salários, calculada sobre o valor bruto da produção agropecuária comercializada.

Nos últimos anos, produtores que recorreram contra a Receita Previdenciária tiveram êxito, conseguindo anular as injustas Notificações Fiscais.

Destacamos duas decisões:
* Uma foi obtida na Justiça.
* Outra foi dada pelo Conselho de Recursos da Previdência Social.

No 1º caso, a sentença é do Juizado Especial Federal de Francisco Beltrão (PR). O trecho relevante é:

* " Não obstante as razões acima, que levam à conclusão de que são devidas as contribuições previdenciárias pelo empregador contratante de trabalhadores avulsos, tenho que o débito impugnado correspondente ao período de incidência dos lançamentos fiscais deva ser desconstituído.

Isso porque, dos documentos que aportam aos autos, mais precisamente o relatório fiscal de fls 201/203, infere-se que a autoridade administrativa efetuou o enquadramento aos segurados obrigatórios como "empregados", com base nos pressupostos da não-eventualidade, subordinação, remuneração, habitualidade e continuidade, apesar de todas as declararções firmadas pelo autor, reconhecendo que os trabalhadores que contratava prestavam serviços em sua propriedade rural sob a condição de "avulsos".

Ademais, a prova testemunhal colhida na via judicial, sob o crivo do contraditório, ratificou que o labor era exercido sem vínculo empregatício, pois as testemunhas ouvidas afirmaram, de forma unânime e coerente, que o trabalho na propriedade do autor se dava eventualmente, normalmente em época de colheita.

Dessa forma, considerando que as contribuições foram continuamente e integralmente lançadas na qualidade de "empregado", não se restringindo aos dias de serviço realmente trabalhados e de forma proporcional, a desconstituição da NFLD e do Auto de Infração é medida que se impõem, sem prejuízo de, respeitado o prazo prescricional, lançar o INSS o débito gerado pelo não recolhimento das contribuições dos trabalhadores que prestaram serviços ao autor sob a correta classificação desses."

A 2ª decisão é do Conselho de Recursos da Previdência Social, colegiado do Ministério da Previdência Social e órgão de controle jurisdicional das decisões do INSS (Processo NFLD 35.707.734.2 (Foz do Iguaçu - Receita Previdenciária), da qual transcrevemos trechos:

*" DA ADMISSIBILIDADE

Considerando a tempestividade do recurso e estando dispensado o recorrente de implementar o depósito recursal, por se tratar de pessoa física, consoante o art. 24 da Portaria MPS nº 520/2004, passo, então ao seu exame.

O nó górdio que envolve a matéria é saber se na relação de Irabalho que envolveu a recorrente e as bóias-frias que lhe prestaram serviços, conforme declaração de fls houve ou não relação de emprego.

O vínculo empregatício, regra geral, está previsto no art. 3º da CLT, in verbis:

"Art. 3º . Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador sob a dependência deste e mediante salário". Todavia, a regra para caracterização do empregado no meio rural, é o art. 2º da Lei 5889, de 8/06/1973, in verbis:

"Art. 2º. Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presa serviços de natureza não eventual a empregador rural sob a dependência deste e mediante salário".

Numa, ou noutra situação, é exigida a prestação de serviços de natureza não eventual, ou seja, de forma continuada, além da execução nas dependências do empregador e mediante salário. Estando ausente da relação um desses três elementos, descaracterizada está a relação de emprego."

"Da análise da documentação carreada aos autos, bem como da legislação trabalhista e previdenciária que rege a matéria, discordo da tese defendida pela Autarquia previdenciária no que diz respeito à caracterização do vínculo empregatício entre o recorrente e as trabalhadoras (bóias-frias) que lhe prestaram serviços.
De acordo com a alínea "a" do inciso I do art. 11 da Lei nº 8.213/91 é empregado aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive diretor empregado.
Ora, a alínea mencionada, como se percebe, está em perfeita harmonia com o art. 2º da Lei nº 5.889/73, bem como com o art. 3º da CLT, restando evidenciado que na relação de trabalho posta em discussão, faltou um dos elementos fundamentais para caracterização efetiva do vínculo, ou seja, a não eventualidade.
É sabido, ainda, que equipara-se à empresa para efeitos previdenciários o empregador rural pessoa física, que mantém sob seu poder diretivo trabalhadores pessoa Física.
No entanto, deve-se ter em mente que, no direito do trabalho, predomina a teoria da primazia da realidade. Em outras palavras, prevalece o contrato realidade, ou seja, as questões fáticas, independentemente daquilo que estiver escrito.
Outrossim, é importante destacar o posicionamento do TST, em face da necessidade de ficar comprovada a continuidade do trabalho, para assim, caracterizar definitivamente o
vínculo de emprego.

A propósito, veja como TST vem decidindo em relação a diaristas:
"EMENTA - RECURSO DE REVISTA. NÃO RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DA
FAXINEIRA QUE PRESTA SERVIÇOS EM CASA DE FAMÍLIA EM DOIS DIAS DA SEMANA. AUSÊNCIA DO REQUISITO DA CONTINUIDADE.

A chamada diarista que trabalha em casa de família em dois dias da semana, como faxineira, não é empregada doméstica, em face da falta de continuidade, requisito para reconhecimento de vínculo empregatício.

Revista conhecida e provida. 
(TST Decisão: 01.10.2003- Proc: RR -1152.1999-011.15. 00. T3 .DJ 24.10.2003)

Com efeito, é sabido que a decisão do TST diz respeito a atividade urbana, ao contrário da matéria que esta sendo abordada neste julgamento. No entanto, não se pode perder de vista que a interpretação deve ater-se ao sistema jurídico como um todo e não de forma literal como muitos querem.
Assim, é fácil vislumbrar que se a diarista no decorrer de um ano, esteve por exatos 102 (cento e dois) dias prestando seus serviços no ambiente da tomadora, e mesmo assim não logrou provar a existência do vínculo empregatício, o que dizer das trabalhadoras que, em princípio, trabalharam apenas 50 (cinqüenta) dias por ano, de forma eventual?
Destarte, estou convencido de que não restou evidenciado de forma suficiente, a caracterização de vínculo empregatício tendende a gerar o lançamento em desfavor da recorrente".
"Além do que uma simples declaração não faz prova de vínculo empregatício perante a Previdência Social, pois o segurado pode se beneficiar da declaração sem o respectivo recolhimento das contribuições previdenciárias, onerando os cofres públicos. A presente NFLD caso não demonstre de forma efetiva a relação do segurado com o recorrente, pode chancelar uma situação inexistente, gerando um benefício previdenciário indevido".
Esta última decisão, em âmbito administrativo, consolida a sentença judicial do Juizado Especial Federal (de Francisco Beltrão). Reflete também a necessidade do reconhecimento do exercício da atividade avulsa rural, conforme dispõe o art. 9º, Inciso VI, do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999:-
" VI – como trabalhador avulso – aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados,
.................................

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....................................."

Fica demonstrada aqui a necessidade de reabrir o debate quanto a uma legislação trabalhista específica para o meio rural.

O alerta é dirigido também ao Ministério da Previdência Social, no sentido de rever as normas de comprovação da atividade do avulso/ eventual/ temporário rural, aplicadas de forma aleatória e subjetiva, uma brecha que gera benefícios indevidos.

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João Cândido de Oliveira Neto
Consultor de Previdência Social


Boletim Informativo nº 932, semana de 16 a 22 de outubro de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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