PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DE SANTA CATARINA

RECURSO ORDINÁRIO VOLUNTÁRIO : 02755-2005-029-12-00-8 RO-V
RECORRENTE
: Confederação NACIONAL da Agricultura - CNA
RECORRIDO
: A. S. P.
RELATORA :
JuÍza DENISE ZANIN

ACONTRIBUIÇÃO SINDICAL. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO.

Embora a contribuição sindical tenha natureza tributária, as guias de recolhimento emitidas pelo credor da dívida mostram-se suficientes à constituição do crédito, prescindindo de prévio lançamento na esfera administrativa. Entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça em reiteradas decisões.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO VOLUNTÁRIO, provenientes da 2ª Vara do Trabalho de Lages, SC, sendo recorrentes CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA E OUTRO (02) e recorrido A. S. P.

A Confederação Nacional da Agricultura e a Federação da Agricultura do Estado de Santa Catarina ajuizaram, na esfera da Justiça Comum, "ação de cobrança" contra A. S. P., reclamando o pagamento da contribuição sindical prevista nos arts. 578 e 579 da CLT, relativa aos anos de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002.

Na contestação, fls. 34-42, preliminarmente suscita o requerido a extinção do feito, sem julgamento do mérito, devido à ausência das condições de ação, em especial a legitimidade passiva ad causam. Sustenta a ilegalidade do lançamento da contribuição confederativa pelas requerentes, pois, como agricultor familiar, não se considera empregador, filiando-se à Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Santa Catarina, em favor de quem recolhe a contribuição confederativa. Aduz que o lançamento, de ofício, realizado pelas autoras se reveste de ilegalidade e inconstitucionalidade.

Realizada audiência, o Juiz Sílvio Dagoberto Orsatto julgou extinto o processo, registrando no decisum:

[...] Desta feita, ante a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, qual seja, o efetivo lançamento, mister se faz a extinção do processo, sem julgamento do mérito. Isto posto, (...), JULGO EXTINTO o processo, sem julgamento do mérito, nos moldes do art. 267, IV do Código de Processo Civil. Condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da causa atualizada, nos moldes do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, em favor do procurador do réu. [...] (fl. 78)

Inconformadas, as requerentes interpuseram apelação, renovando as razões já lançadas na inicial, pugnando pela reforma da sentença e procedência da ação (fls. 104-117).

Recebida a apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em acórdão da lavra do Des. Luiz Cézar Medeiros, da Segunda Câmara de Direito Público, decidiu pelo reconhecimento da incompetência daquela Corte para conhecer a matéria, frente à Emenda Constitucional n. 45/05, determinando a remessa dos autos a este Tribunal para julgamento em grau de recurso (fls. 140-145).

O feito foi encaminhado ao primeiro grau para registro, sendo distribuído à 2ª Vara do Trabalho de Lages (fls. 147-148).

É o relatório.

VOTO

INCOMPETÊNCIA HIERÁRQUICA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA NEGATIVO

Ressalvando entendimento pessoal diverso, ainda que a matéria sob análise se insira na competência material desta Justiça, por força de decisões do Eg. STJ ao interpretar o disposto no inciso III do art. 114 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004, motivo de ordem funcional leva-me a suscitar o conflito de competência.

É que a Justiça Comum Estadual já proferiu sentença nos presentes autos, na data de 18-11-2004 (fls. 72-78). É inquestionável a validade da sentença, pois prolatada antes da Emenda Constitucional n. 45/2004. Isso impede juridicamente sejam os recursos contra ela interpostos examinados por outro juízo que não o hierarquicamente superior ao juízo originário.

No mesmo sentido são os precedentes a seguir transcritos:

"RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS ESTÉTICOS E MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE LABORAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - EMENDA 45/2004 – APLICAÇÃO IMEDIATA AOS PROCESSOS EM QUE AINDA NÃO PROFERIDA SENTENÇA. RECURSO PROVIDO.

1. Com o advento da EC nº 45/2004 (DJU 31.12.2004), a qual inseriu no art. 114 da CF/88, dentre outros, o inciso VI ("Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho"), a competência para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho é da Justiça Laboral (STF, CC nº 7.204-1/MG, Rel. Ministro CARLOS AYRES BRITO).

2. Recurso conhecido e provido para declarar a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento da ação. (Resp 779738/MG; RECURSO ESPECIAL 2005/0148486-0, Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, Quarta Turma, julgamento em 25/10/2005, DJ 21/11/2005 p.260)."

"Agravo em conflito de competência. Justiça comum e laboral. Ação de indenização. Danos morais e materiais. Acidente do trabalho. - Segundo entendimento da Segunda Seção deste Tribunal, consolidado no julgamento do CC 51.712/SP, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar ações de indenização por dano moral decorrentes de acidente de trabalho, desde que não prolatada sentença na Justiça Comum.

Agravo no conflito de competência não provido.

(AgRg no CC 50987/SP; AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA 2005/0096157-7, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Segunda Seção, julgamento em 28/09/2005, DJ 13/10/2005 p.140)."

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ACIDENTE DO TRABALHO. SENTENÇA NÃO PROLATADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

1. Diante da nova orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal, a competência para processar e julgar as ações de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça Especializada.

2. O marco de incidência da nova orientação é a prolatação da sentença. Se já proferida na Justiça Estadual, a ação deve ali ser processada. Caso contrário, os autos devem ser remetidos à Justiça do Trabalho.(CC 51615/RO; CONFLITO DE COMPETENCIA 2005/0101644-3, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Segunda Seção, julgamento em 28/09/2005, DJ 13/10/2005 p.140)."

"AGRAVO REGIMENTAL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇAS LABORAL E COMUM ESTADUAL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - ACIDENTE DO TRABALHO - SENTENÇA NÃO PROLATADA - EC Nº 45/2004 - COMPETÊNCIA DO JUÍZO LABORAL - RECURSO DESPROVIDO.

1. A e. Segunda Seção desta Corte, quando do julgamento do CC nº 51.712/SP, posicionou-se no sentido de que a competência para apreciar e julgar ação indenizatória de danos materiais e morais originários de acidente do trabalho ou doença profissional, movida por trabalhador contra ex-empregador, após a edição da EC nº 45/2004, é da Justiça Laboral, caso não tenha havido a prolatação de sentença meritória por qualquer dos d. Juízos conflitantes.

2. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no CC 49693/SP; AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA 2005/0070271-0, Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, Segunda Seção, julgamento em 26/10/2005, DJ 14/11/2005 p.181)."

Valho-me, ainda, de julgado recente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a matéria (Processo n. 70011330479/2005), para sustentar meu entendimento, já que nele são citados os precedentes das Cortes Superiores. São estes os fundamentos do Ex.mo Juiz Relator, Des. Luiz Ary Vessini de Lima:

"Eminentes Colegas! Sobre a questão da alteração da competência para as causas envolvendo indenizatórias fundamentadas em acidente de trabalho estou reformulando em parte meu posicionamento."

"Vale dizer: continuo entendendo que a nova interpretação jurisprudencial do STF a respeito desse tema, ao menos incentivado pela EC 45, deve incidir desde logo sobre os processos em andamento, com base nos arts. 87 e 113 do CPC, constituindo-se, é verdade, como têm entendido a maioria, em uma das exceções ao princípio da "perpetuatio jurisdictionis."

"No entanto, e daí a divergência, tal se opera tão-somente até a consumação da prestação jurisdicional de primeira instância, com o que se firma definitivamente a competência da Justiça Estadual, tanto para os recursos ainda manejáveis, como para as execuções respectivas, sendo anômala, data vênia, em termos constitucionais, ressalvadas as hipóteses de delegação de competência, o exame de recursos por Tribunais diversos do Juízo monocrático sentenciante, como aconteceria, por exemplo, se fosse permitido aos TRTs examinarem apelações de sentenças válidas proferidas por juízes de direito. Da mesma forma, seria descabido que a execução desses julgados por Justiça heterogênea."

"É que o princípio acima nominado, e que tem amparado a linha dominante, também, como qualquer outro, não é absoluto e carece de ser examinado dentro de um contexto constitucional e legal."

"Há que se considerar, assim, que, na espécie, a jurisdição que não se perpetua é a originária, prestada em primeiro grau, e que se consuma com o ato maior, que é a sentença. Já as demais instâncias são revisoras e apenas existem no sistema para torná-lo mais infenso a erros, como uma proteção na dicção final dos direitos dos indivíduos."

"Mas não tem o dom de quebrar a competência já definida, sob pena de, conforme a vontade de ocasião do legislador, ou de seu intérprete, alterar-se o juiz natural da causa, quando esta já estivesse decidida em sua fase originária, prejudicando sobremaneira os jurisdicionados."

"Some-se a isso, apesar de tratar-se de norma não dirigida à questão da competência, a circunstância de que, uma vez proferida a sentença, com sua publicação, surge o direito de interpor determinado recurso ao órgão revisor do juízo sentenciante, segundo a legislação então vigente, o que só vem a reforçar o quadro acima exposto."

"Em resumo: A nova interpretação constitucional, na ausência de deliberação a respeito, deve ser aplicada a partir da vigência da EC 45, excepcionando o princípio da "perpetuatio jurisdictionis", mas somente em relação aos feitos ainda não sentenciados até esse momento, pois os decididos anteriormente estarão acobertados pelo princípio do juiz natural, já que este engloba não somente a prestação jurisdicional originária, mas também todos os seus desdobramentos recursais."

"Tanto é assim que o STJ, por maioria, assim decidiu:

COMPETÊNCIA. AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45/2004. APLICAÇÃO IMEDIATA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA, NA LINHA DO ASSENTADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. APLICAÇÃO IMEDIATA DO TEXTO CONSTITUCIONAL AOS PROCESSOS EM QUE AINDA NÃO PROFERIDA A SENTENÇA.- A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, a competência para processar e julgar as ações reparatórias de danos patrimoniais e morais decorrentes de acidente do trabalho é da Justiça do Trabalho (Conflito de Competência n. 7.204-1/MG-STF, relator Ministro Carlos Britto).1

- A norma constitucional tem aplicação imediata. Porém, "a alteração superveniente da competência, ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida. Válida a sentença anterior à eliminação da competência do juiz que a prolatou, subsiste a competência recursal do tribunal respectivo" (Conflito de Competência n. 6.967-7/RJ-STF, relator Ministro Sepúlveda Pertence).

Conflito conhecido, declarado competente o suscitante. (CC 51.712-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, julgado em 10/08/2005)."

"Veja-se que tal decisão, por sua vez, foi tomada com base em precedente do STF, a quem cabe dirimir conflitos que envolvam Tribunal Superior:

NORMA CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIA: EFICÁCIA IMEDIATA MAS, SALVO DISPOSIÇÃO EXPRESSA NÃO RETROATIVA.

1. A norma constitucional tem eficácia imediata e pode ter eficácia retroativa: esta última, porém, não se presume e reclama regra expressa.

2. A alteração superveniente da competência, ainda que ditada por norma constitucional, não afeta a validade da sentença anteriormente proferida.

3. Válida a sentença anterior à eliminação da competência do juiz que a prolatou, subsiste a competência recursal do tribunal respectivo.

CONFLITO JULGADO PROCEDENTE, EM PARTE."

"Também na doutrina já aparecem lições sobre a tese, como se pode observar do artigo recentemente publicado (Competências Trabalhista na EC 45 e Direito Intertemporal), de autoria do advogado Guilherme Rizzo Amaral, mestre em Direito, que assim se pronunciou:

Com efeito, a regra da competência absoluta tem aplicação imediata e, respeitando-se os atos já praticados, o processo deve ser remetido ao novo Juízo agora competente para o seu julgamento, não se aplicando o princípio da "perpetuatio jurisdictionis"...

(...)

Todavia, a doutrina há muito reconhece exceção ao tratamento acima descrito, e a mesma se dá justamente quando já há sentença no processo em curso, quando da entrada em vigor da nova lei (considerando a hipótese de ausência de disposições transitórias, o que se dá no caso ora em análise)...

(...)

Acrescente-se, ainda, que, salvo hipóteses como a do art. 108, II (segunda parte) da CF, os Tribunais não podem rever atos de juízes que não lhes são vinculados (veja-se CC 1469-RS, julgado no STJ em 13.3.91), o que ocorreria caso os Tribunais Regionais do Trabalho passassem a julgar as apelações interpostas contra sentenças proferidas por magistrados da justiça comum federal ou estadual."

"Destarte, como aqui a sentença foi proferida antes da alteração constitucional em exame, estou em manifestar-me pela manutenção da competência desta Corte para o julgamento desta apelação."

Por tais razões, suscito, de ofício, o conflito ao Eg. STJ, a quem deverão ser remetidos os autos para o seu processamento. Em que pese o disposto no art. 118 referido, entendo recomendável o encaminhamento do incidente nos próprios autos, pois a medida não acarreta prejuízo aos litigantes e evita a oneração do processo com o traslado das peças. Ademais, na hipótese de aquela Corte decidir pela competência da Justiça Estadual, poderá desde logo remeter-lhe os autos.

Todavia, restei vencida pela maioria da Turma que rejeitou o conflito hierárquico, com base no art. 114 da Constituição Federal combinado com o art. 87, segunda parte, do Código de Processo Civil. Entendeu a Turma que, não existindo regra de transição, a nova norma sobre competência se aplica de imediato. Adotou a Turma a posição do STF, que decidiu ser a Justiça do Trabalho competente para apreciar a matéria a partir da publicação da Emenda Constitucional n. 45.

PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO

Trata-se de ação de cobrança intentada pela Confederação Nacional da Agricultura – CNA e pela Federação da Agricultura do Estado de Santa Catarina – FAESC, buscando receber de A. S. P. a contribuição sindical rural dos anos de 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002.

Na sentença, o julgador entendeu, em suma, que os boletos de pagamento emitidos pelas autoras não constituíam meio hábil e regular de lançamento do tributo, e que não existia prova da cientificação do réu. Por essas razões, extinguiu o processo, sem julgamento do mérito, por ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular daquele, nos termos do art. 267, inciso IV, do Código de Processo Civil (fls. 72-78).

Na espécie, não há falar em ausência dos pressupostos. Conforme entendimento predominante nos Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e Superior Tribunal de Justiça, ao qual me filio, embora a contribuição sindical tenha natureza tributária, as guias de recolhimento emitidas pelo credor da dívida mostram-se suficientes à constituição do crédito, prescindindo de prévio lançamento na esfera administrativa.

Nesse sentido, em caso semelhante ao presente, extrai-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA. PROVA ESCRITA. BOLETO BANCÁRIO. DOCUMENTO HÁBIL À PROPOSITURA DA AÇÃO. PRECEDENTES.

1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que, reconhecendo a desnecessidade de filiação a sindicato e fazendo distinção entre contribuição sindical e confederativa, acolheu a guia de recolhimento expedida como documento hábil à caracterização de prova escrita, com base no art. 1.102 "a", do CPC.

2. O art. 1.102 "a", do CPC, dispõe que "A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel".

3. A ação monitória tem base em prova escrita sem eficácia de título executivo. Tal prova consiste em documento que, mesmo não provando diretamente o fato constitutivo do direito, possibilite ao juiz presumir a existência do direito alegado. Em regra, a incidência da aludida norma legal há de se limitar aos casos em que a prova escrita da dívida comprove, de forma indiscutível, a existência da obrigação de entregar ou pagar, que é estabelecida pela vontade do devedor. A obrigação deve ser extraída de documento escrito, esteja expressamente nele a manifestação da vontade, ou deduzida dele por um juízo da experiência.

4. A lei, ao não distinguir e exigir apenas a prova escrita, autoriza a utilização de qualquer documento, passível de impulsionar a ação monitória, cuja validade, no entanto, estaria presa à eficácia do mesmo. A documentação que deve acompanhar a petição inicial não precisa refletir apenas a posição do devedor, que emane verdadeira confissão da dívida ou da relação obrigacional. Tal documento, quando oriundo do credor, é também válido – ao ajuizamento da monitória – como qualquer outro, desde que sustentado por obrigação entre as partes e guarde os requisitos indispensáveis.

5. In casu, a cobrança de contribuição sindical rural encontra-se prevista em lei e a ela todos estão vinculados ao se encontrarem na hipótese descrita na norma, sendo devida em prol da entidade sindical correspondente à categoria. Para tanto, a entidade lança a cobrança da dívida a partir de dados que permitam o enquadramento do devedor na condição de integrante da categoria sobre a qual incide a contribuição obrigatória, emitindo documento de dívida, o qual é a guia de recolhimento acompanhada de demonstrativo da constituição de crédito. Tem-se, pois, a prova escrita da existência da dívida (contribuição sindical rural), perfazendo, assim, o documento hábil para a instrução da ação monitória.

6. A emissão do boleto bancário concernente à contribuição em apreço, emitido pela CNA, apesar de não possuir a anuência da parte devedora, constitui prova escrita suficiente para ensejar a propositura do procedimento monitório, tendo em vista que, gozando de valor probante, torna possível deduzir do título o conhecimento da dívida e a condição do devedor como contribuinte, por ostentar a qualificação cartular de proprietário rural.

7. Mesmo não havendo a assinatura do devedor, a contribuição sindical rural é título apto à propositura da ação monitória.

8. As guias de recolhimento da contribuição sindical e a notificação do devedor que instruem a petição inicial da ação monitória estão aptas à demonstração da presença da relação jurídica entre credor e devedor, denotando, portanto, a existência de débito, ajustando-se ao conceito de "prova escrita sem eficácia de título executivo".

9. Precedentes das egrégias 1ª, 3ª e 4ª Turmas desta Corte Superior.

10. Recurso não provido.(REsp n. 423.131 (2002/0034531-3), 1ª Turma, Relator Min. José Delgado, julgamento em 17-10-2002, DJ 02-12-2002 p.111)."

Além disso, citados documentos, trazidos nas fls. 18-22, sequer foram impugnados pelo requerido. Este, inclusive, reconheceu na defesa a existência do lançamento. Outrossim, o requerido também não negou a alegação da inicial de que as guias de recolhimento lhe foram enviadas na época oportuna para o pagamento. Na defesa, restringiu-se a negar o pagamento dos valores lançados, inquinando de ilegal e inconstitucional a sua cobrança pelas autoras.

Logo, entendendo presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo, a sentença deve ser reformada.

Determino, pois, o retorno dos autos à 2ª Vara do Trabalho de Lages, para que seja apreciado o mérito, evitando-se, assim, a supressão de instância.

Pelo que,

ACORDAM os Juízes da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por maioria, vencida a Ex.ma Juíza Denise Zanin (Relatora) rejeitar o conflito hierárquico, nos termos do art. 118, I, do CPC, suscitado, de ofício, por Sua Excelência; por unanimidade, CONHECER DO RECURSO. No mérito, por igual votação, DAR-LHE PROVIMENTO para, reformando a sentença que julgou extinto o processo, sem julgamento do mérito (art. 267, IV, do CPC), determinar a remessa dos autos à Vara de origem para que aprecie o mérito, evitando-se, assim, a supressão de instância.

Intimem-se.

Florianópolis, 17 de maio de 2006.

DENISE ZANIN
Relatora


Boletim Informativo nº 924, semana de 14 a 20 de agosto de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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