Ministro critica lentidão em
pesquisas com transgênicos

Guedes Pinto diz que morosidade das análises da CTNBio
em transgênicos favorece multinacionais

Em entrevista ao repórter Mauro Zafalon, no jornal Folha de São Paulo, o novo ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, discorre sobre vários temas, entre os quais a pesquisa com transgênicos no Brasil. Existem 536 projetos aguardando análise da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, e o ministro acredita que a demora na avaliação da Comissão favorece as multinacionais, em detrimento das pesquisas nacionais. Acompanhe alguns trechos da entrevista publicada na edição de 2 de agosto no jornal:

FOLHA - O senhor chegou visto como um defensor do MST e da agricultura familiar e vem surpreendendo na defesa dos transgênicos, que, por ora, ainda é uma tecnologia voltada mais para o grande produtor. Como o senhor vê essa nova tecnologia dos transgênicos no país?

GUEDES PINTO - O que eu tenho procurado é fazer com que a discussão dos transgênicos seja feita com mais objetividade e base científica. Porque o que nós verificamos é que há muitas manifestações sobre esse tema sem o embasamento adequado. Muitas pessoas não têm informações sobre o assunto. Eu vou dar um exemplo: a quase totalidade da insulina consumida no mundo pelos diabéticos é transgênica. Os transgênicos já são usados há mais de dez anos no mundo e até hoje não foi identificado um mal-estar decorrente deles. Nós precisamos colocar esse debate num plano muito mais racional.

FOLHA - O senhor acha que deveria ser liberado o plantio para outros produtos?

GUEDES PINTO - A nossa posição é que a CTNBio, que é o órgão criado pelo governo com esse propósito, manifeste-se sobre isso. A CTNBio é composta por estudiosos, e cabe a eles essas decisões. Acredito que, em autorizando o plantio de algodão ou outras espécies com transgênicos, isso deve ser feito.

FOLHA - Para todos os produtos que que já tenham essa tecnologia?

GUEDES PINTO - Não, veja bem, eu sou favorável a que esse plantio seja feito com prévia autorização da CTNBio, que é composta por 27 membros, representantes dos mais variados segmentos da sociedade. Cabe a ela tomar essa decisão e levar em conta todos os aspectos relativos ao impacto do uso de transgênicos.

FOLHA - A CTNBio não está um pouco morosa nas apreciações?

GUEDES PINTO - É verdade, é verdade, e nós estamos preocupados com essa questão da lentidão da CTNBio, e essa é a razão pela qual amanhã [hoje] haverá uma reunião de nove ministros, coordenados pela ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil], para tratar exatamente desse tema. Há necessidade de que a CTNBio dê vazão a essas 536 demandas. Nós estamos preocupados porque muitos trabalhos de pesquisa da Embrapa estão paralisados.

FOLHA - E com isso se perdem as pesquisas já realizadas?

GUEDES PINTO - Ao contrário do que pensam alguns, que, paralisando as pesquisas, resguardam-se os interesses nacionais em prejuízo das multinacionais, eu diria que é o inverso. Algumas multinacionais é que detêm o conhecimento, a informação e as variedades transgênicas. E a Embrapa, uma empresa pública, pode pôr à disposição da sociedade toda, sem ônus, variedades mais produtivas e, eventualmente, transgênicas, desde que aprovadas pela CTNBio. A Embrapa não está podendo desenvolver suas pesquisas pois não está autorizada. Então, na prática, essa posição de paralisia da CTNBio prejudica a maioria dos produtores nacionais e favorece o interesse daqueles que já detêm variedades transgênicas já autorizadas para plantio no Brasil.

FOLHA - Então, nesse vácuo dessa legislação, a pesquisa brasileira não avança, o que não ocorre com as multinacionais que têm projetos em outras áreas e chegam com os produtos quase prontos.

GUEDES PINTO - Exatamente, e muitas vezes entram no mercado como entrou a soja, via outros países, irregularmente, e depois...

FOLHA - Toda vez em que se fala em índice de produtividade, o agricultor empresarial fica apreensivo. Eles já estão definidos?

GUEDES PINTO - Esse tema foi estudado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e pelo Ministério da Agricultura no final do ano passado, início deste ano. Houve várias reuniões técnicas sobre isso de grupos técnicos dos dois ministérios e esses estudos foram posteriormente analisados em conjunto pela Casa Civil.

CTNBio desgastada

No mesmo dia em que o ministro da agricultura deu entrevista à Folha de São Paulo fazendo críticas à CTNBio, o jornal Valor Econômico publicou matéria sobre nova intervenção do governo na Comissão. De acordo com a matéria, o governo avalia a troca de representantes dos ministérios mais "aguerridos" nos debates internos e negocia com parlamentares e indústrias do setor o fim do quórum qualificado de dois terços dos membros. O intuito seria acelerar a análise dos processos de liberação comercial de transgênicos no país. As mudanças podem ocorrer ainda neste ano em resposta aos claros sinais de desânimo que estariam sendo emitidos por cientistas que integram o colegiado. Cinco membros já se desligaram da comissão desde o início do ano. A nova Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, ajudou a emperrar a tramitação dos projetos para aprovação de pesquisas com transgênicos, além de criar recursos administrativos que protelam as decisões finais. O processo estabelecido pela Lei nº 11.105 pode resultar numa demora entre 290 dias (quase dez meses) e 590 dias (quase vinte meses). O resultado é que o quórum da CTNBio vem caindo mês a mês. Em fevereiro, 35 dos 54 membros estiveram presentes. Em maio, foram 30. Em junho, apenas 23 participaram das discussões. Além disso, o Itamaraty até hoje não indicou seus representantes e muitos membros não participam dos debates rotineiros.


Boletim Informativo nº 923, semana de 7 a 13 de agosto de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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