Entrevista Folha de Londrina

‘Agronegócio está numa
situação de estrangulamento’


Ágide: "O grande problema da agricultura brasileira está na renda e ela se faz na hora da comercialização, por isso o prejuízo causado pelo dólar"

O presidente da FAEP, Ágide Meneguette, disse em entrevista à Folha de Londrina (31/05) que as medidas anunciadas pelo Governo Federal representam pouco perto da dimensão do problema. "A política de juros altos e a desvalorização do dólar colocam o agronegócio em uma situação de estrangulamento porque deprimem a renda das exportações e aumentam o preço de insumos utilizados nas lavouras", diz Meneguette. Segundo ele, além dos empecilhos internos, a agricultura brasileira sofre com os subsídios e o protecionismo de países ricos.

Leia a seguir trechos da entrevista concedida ao repórter da Folha Fábio Cavazotti que reproduzimos aqui.

Pergunta - As manifestações das últimas semanas podem inaugurar um novo tempo na agricultura brasileira ou os problemas tendem a permanecer nos próximos anos?

Meneguette - O governo sabe muito bem quais são os grandes problemas que o setor primário está passando. A política macro-econômica de valorização do real perante o dólar é que complica a vida do produtor. As isenções tributárias concedidas a aplicações em títulos da dívida pública no mercado interno, a alta taxa de juros e o saldo positivo das exportações trazem uma avalanche de dólares para o país que derrubaram a moeda americana em 40% na comparação com o real. Isso tira a renda dos produtores de todos os segmentos da economia brasileira. Na reunião dos governadores com o ministro da economia e o presidente Lula, há cerca de 10 dias (dia 20), foi colocado claramente que o câmbio está prejudicando não apenas o setor primário, mas todos os exportadores. Quem consegue vender para fora hoje são grandes empresas mineradoras, e setores isolados, que suportam o custo da valorização do real por motivos próprios. No caso da agricultura, nós estamos dentro da média histórica de preços em dólar, só que o produtor comprou seus insumos com o dólar em R$ 2,40 e na hora da comercialização a cotação caiu para R$ 2,05.

 "O trigo, cujo plantio foi estimulado para os produtores após acordo assinado entre governo federal e a indústria, estava com preço mínimo de R$ 24 (por saca) mas o produtor recebeu apenas R$ 18"

Pergunta- O que se cobra é a estabilidade do dólar ou sua valorização? Com o dólar em alta, também não crescem os preços dos insumos?

Meneguette - Quando ocorreu a valorização do dólar lá atrás, as empresas de insumos colocaram o preço e esse preço é que vem se mantendo até hoje. Quando a moeda americana começou a desvalorizar, os preços destes produtos não caíram no mesmo patamar. Esse é um grande problema. Hoje, o produtor está colhendo e com o preço da comercialização não cobre suas contas. Os pleitos apresentados ao governo foram a prorrogação dos débitos dos produtores com os agentes financeiros para um prazo de 20 a 25 anos, a implantação de um programa de securitização e de outro lado liberação de recursos para que o produtor possa conseguir refinanciamento para tudo que comprou na cooperativa e na revenda de insumo. O grande problema da agricultura brasileira está na renda e ela se faz na hora da comercialização, por isso o prejuízo causado pelo dólar.

Pergunta - Além das mudanças na política econômica, os ruralistas cobram medidas específicas para o setor, especialmente o seguro agrícola e a garantia de preço mínimo. Como isso seria gerenciado, na prática?

Meneguette - Qualquer país do mundo tem seguro agrícola e de renda. Quando dá uma crise, por quebra de safra ou catástrofe, existe um fundo garantidor de recursos. Quem banca isso, ou a maior parte, são os governos e o tesouro dos países. No Brasil existe uma lei que criou o seguro mas a operacionalização dos recursos ainda não foi feita e praticamente nenhuma companhia de seguro está apresentando essas linhas.

"As isenções tributárias concedidas a aplicações em títulos da dívida pública no mercado interno, a alta taxa de juros e o saldo positivo das exportações trazem uma avalanche de dólares para o país que derrubaram a moeda americana em 40% na comparação com o real. Isso tira a renda dos produtores de todos os segmentos da economia brasileira"

Pergunta- E o preço mínimo, como seria implantado?

Meneguette - Também existe lei sobre o preço mínimo no Brasil, está até na Constituição, mas infelizmente o País não cumpre a lei. Precisava ter o que? Recursos também. Por exemplo, o trigo, cujo plantio foi estimulado para os produtores após acordo assinado entre governo federal e a indústria, estava com preço mínimo de R$ 24 (por saca) mas o produtor recebeu apenas R$ 18.

Pergunta- Haveria participação do setor produtivo nesse fundo?

Meneguette - O seguro agrícola, e o próprio ProAgro, que existe, tem participação do agricultor. O agricultor tem pago uma parte. Agora, infelizmente, não temos cobertura como nos países desenvolvidos.

Pergunta - No cenário internacional, qual a real influência do protecionismo sobre a formação de preços dos produtos agrícolas? E, por outro lado, a injeção de recursos públicos no agronegócio no Brasil não ajudaria a estimular o tal protecionismo que se combate lá fora?

Meneguette - Em todos os países do mundo o governo garante (o preço). A comunidade européia, até pouco tempo, pagava o açúcar para seus produtores a mais de US$ 500 (ton) e vendia no mercado interno a U$S 200, então garantia o produtor. No mercado americano, a soja, o milho e algodão, têm um preço (mínimo) que é o grande subsídio que o governo está fazendo. Nós aqui, o que estamos ganhando? Os países desenvolvidos subsidiam praticamente U$ 1 bilhão por dia, ou U$ 360 bi por ano. No Brasil, ao contrário, temos uma das maiores cargas de tributação e uma das maiores taxas de juros do mundo. Então, a concorrência é desigual com os países desenvolvidos e grandes competidores internacionais.

 

"Os países desenvolvidos subsidiam praticamente U$ 1 bilhão por dia, ou U$ 360 bi por ano. No Brasil, ao contrário, temos uma das maiores cargas de tributação e uma das maiores taxas de juros do mundo. Então, a concorrência é desigual com os países desenvolvidos e grandes competidores internacionais"

Pergunta - A agricultura, no mundo moderno, sempre vai depender de ajuda governamental? Ou, se os subsídios forem eliminados em outros países, o Brasil passaria a prescindir deles?

Meneguette - Em quase todos os países, a agricultura é olhada como questão estratégica de segurança alimentar de cada país. Nós no Brasil não temos garantia de nada até agora.

Pergunta - Indicadores da OMC mostram que os maiores exportadores de produtos agrícolas do mundo - Estados Unidos, União Européia e Canadá - enfrentam tarifa média de 15% a 20% para entrar em outros países, enquanto o Brasil e Tailândia são taxados em 45% pelos países ricos. Há espaço para o setor produtivo atuar contra esse elemento que ajuda a ruir os preços?

Meneguette - Isso aí é um dado que retrata a real situação no mundo. Os países, além de subsidiar, colocam barreiras tarifárias contra países que poderiam ter preços competitivos. O que temos feito, no setor de açúcar, por exemplo, foi procurar a mediação da OMC. O setor de algodão também entrou na OMC para derrubar esse tipo de barreira alfandegária. Infelizmente isso é um retrato claro de que o mundo inteiro protege suas agriculturas e nós, no Brasil, competimos no mercado internacional sem proteção nenhuma do governo e com altas taxas de juros. O único caminho é recorrer aos tribunais da OMC, mas essa é uma luta em que os resultados não são rápidos. Geralmente a gente ganha, mas não leva. Além de todos esses problemas, é importante mostrar que o Brasil também enfrenta barreiras sanitárias, como no caso da febre aftosa, que prejudicou produtores no Paraná. Isso tudo torna mais longo o caminho entre a agropecuária nacional e o mercado dos países com maior poder de renda.

Pergunta - A correção das distorções geradas pelos subsídios e barreiras alfandegárias bastaria para alimentar a reação dos preços das commodities agrícolas?

Meneguette - Veja bem, em parte. Se os preços do mercado internacional estivessem acima do que estamos recebendo hoje, tudo bem. Agora, infelizmente as atividades, quer da agricultura, ou do setor industrial e exportador, não estão conseguindo sobreviver com o dólar tão baixo. Nós estamos vendo o governo liberar dinheiro para o setor calçadista, para as montadoras de veículos, tratores, todos pedindo isenções tributárias. Por que isso? Por causa da política macroeconômica que privilegia os especuladores e não o setor produtivo brasileiro.

Nós estamos vendo o governo liberar dinheiro para o setor calçadista, para as montadoras de veículos, tratores, todos pedindo isenções tributárias. Por que isso? Por causa da política macroeconômica que privilegia os especuladores e não o setor produtivo brasileiro

Pergunta - A aposta na diversificação das atividades é mais segura a longo prazo que o plantio apenas de soja e no milho?

Meneguette - Nós, especificamente, no Paraná, onde predominam as micro, pequenas e médias propriedades, só temos realmente uma sobrevivência, a diversificação. Agora, temos que pensar porque o pessoal está plantando soja e milho. Porque o preço, por exemplo, do feijão, no mercado, não estava dando vantagem para o produtor. Vai plantar como? Nós, da Faep fizemos um programa de diversificação de treinamento de mão de obra em agroindustrialização de pequeno porte, como os embutidos. Pequena propriedade, em qualquer lugar do mundo, tem que ter produção de alto valor agregado, ou então, praticamente vai ficar inviabilizada. Se nós olharmos nos últimos 10 ou 20 anos, veremos que o número de propriedades que desapareceram no meio rural é espantoso. Estamos concluindo um estudo técnico na federação para apresentar aos candidatos a governador do Paraná, sugerindo incentivar uma cafeicultura diferenciada no Paraná, uma fruticultura para integrar as pequenas propriedades, combinando o clima frio e o clima quente. Temos que tentar, porque não dá mais para a pequena propriedade pensar em tonelada, temos que pensar em vender em quilo, com alto valor agregado. Agora, é importante verificar aonde se deve diversificar porque não se investe num setor que não dá retorno e não consegue pagar as próprias contas. 


Boletim Informativo nº 914, semana de 5 a 11 de junho de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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