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Jornal O Estado de S. Paulo Disparidade de tratamento |
O governo respondeu pronta e solicitamente à pressão da Volkswagen, prometendo ajuda para evitar a demissão de quase 6 mil funcionários anunciada pela empresa. Haverá medidas de apoio a todo o setor automobilístico e não só à montadora alemã, afirmou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dois dias depois de conhecido o plano de reestruturação da empresa. Os ministros do Desenvolvimento, Luiz Furlan, e do Trabalho, Luiz Marinho, também se manifestaram rapidamente, afirmando haver um problema cambial e defendendo a ajuda aos fabricantes de automóveis. Essa movimentação é surpreendente, especialmente pelo contraste com o tratamento reservado a outros setores. Há dois anos a maior parte do governo trata com indiferença a crise, cada vez mais grave, de importantes segmentos da agricultura. Esse governo se mostra surdo, quando outras áreas da indústria reclamam do câmbio e da crescente dificuldade para enfrentar competidores amparados por melhores políticas públicas. "Nossa preocupação é impedir que a Volkswagen feche as portas e ou diminua sua produção no Brasil", disse o ministro da Fazenda em São Paulo, na sexta-feira, segundo reportagem do Estado. "O setor automobilístico", segundo Mantega, "é muito importante para o País" e o governo tem interesse em ajudá-lo a continuar exportando. No mesmo dia, o ministro Luiz Furlan ouviu do presidente da Volkswagen, Hans Christian Maergner, uma exposição sobre os problemas da empresa. Esses problemas, segundo analistas do setor automobilístico, não são apenas cambiais nem se confundem com outras dificuldades encontradas pelas demais empresas do setor. A fábrica Anchieta, a mais antiga do Grupo Volks no Brasil, "é a mais ineficiente do mundo", segundo o conhecido especialista em indústria automobilística José Roberto Ferro. Outras empresas, mesmo com dificuldades causadas pelo câmbio, deverão cumprir as previsões de exportação feitas no fim do ano e não deverão entrar numa onda de demissões, disse o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogélio Goldfarb. Enquanto os ministros da Fazenda, do Desenvolvimento e do Trabalho defendem ações urgentes em defesa do setor automobilístico, seu colega da Agricultura, Roberto Rodrigues, continua a batalhar, sem sucesso, pela adoção de uma nova política para o campo. Não se trata de reativar o velho sistema de subsídios, nem o custoso sistema de intervenção em vigor até os anos 80. A agropecuária brasileira modernizou-se e tornou-se uma das mais competitivas do mundo. Mas ainda cabe ao governo um papel importante de apoio aos produtores - e esse papel não vem sendo cumprido. Faltaram recursos para a defesa sanitária, nos últimos três anos, enquanto o governo dava prioridade às políticas fracassadas do Ministério do Desenvolvimento Agrário. O governo foi lento e ineficiente, quando devia intervir para sustentar preços. Demorou a reconhecer os efeitos da seca. Menosprezou o impacto da valorização cambial, agravada pela variação de custos e de preços no longo intervalo entre o plantio e a comercialização. A desolação dos produtores e dos comerciantes de Primavera do Leste (MT), mostrada em reportagem do Estado neste domingo, sintetiza de forma expressiva os estragos sofridos, nos últimos dois anos, por segmentos importantes da agricultura. Produtores podem ter cometido erros na administração de seus negócios, nesse período. Poderiam ter diminuído suas perdas, se operassem com maior desenvoltura nas bolsas de mercadorias. Mas nenhum argumento desse tipo elimina a responsabilidade do governo, nem torna menos condenável sua omissão. A
indústria automobilística é importante, mas a agropecuária também
é - ou melhor, é muito mais. É a fonte da maior parte do superávit
comercial que deu segurança ao governo Lula. É a fornecedora segura de
alimentos que contribui para manter contida a inflação. Mas essa
agropecuária - moderna, capitalista e produtiva - não tem o poder de
pressão da grande indústria associada ao grande sindicalismo. Não é
visível para as centrais sindicais, nem para o PT, nem para Lula, a
não ser sob o prisma deformador do Ministério do Desenvolvimento
Agrário. (Editorial do jornal O Estado de S. Paulo, publicado em 9 de maio de 2006) |
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Boletim Informativo nº 911,
semana de 15 a 21 de maio de 2006 |
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