Os crimes e a impunidade
dos “sem terra”

Flagrante violação ao Estado Democrático de Direito:
insegurança pública e jurídica, omissão e prevaricação

Cândido Furtado Maia Neto (*)
 

A impunidade dos “sem-terra” é um verdadeiro abuso contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito instituído pela República Federativa do Brasil (art. 1º “caput” CF).

Os chamados “sem-terra” estão praticando diária e impunemente, aos olhos das autoridades, o delito de invasão de propriedade privada, juntamente com outros crimes, a exemplo dos ilícitos penais de dano à coisa particular, destruindo, inutilizando e deteriorando coisa alheia (art. 163 CP); contra a sauna e a flora, ao meio ambiente em geral (lei nº. 9.605/98), ademais de confiscarem ilegitimamente tratores, caminhões, veículos e implementos agrícolas, ofendem ainda a integridade corporal e a saúde das pessoas (art. 129 CP), ameaçam com gestos e palavras causando mal injusto e grave (art. 147 CP), cerceiam a liberdade restringindo o direito de ir e vir – o ius libertatis da cidadania -, como se autorizados estivessem para o encarceramento privado (art. 148 CP), se associam em bandos e quadrilhas para os fins de cometer crimes (art. 288CP), num movimento que se constitui em verdadeira organização criminosa (lei n.º 9.034/95) de alta preocupação e de alta periculosidade.

A ação deste grupo armado ofende a nossa Carta Magna, especialmente a lei nº 7.170/83 de segurança nacional, a lei nº 10.826/03 que regula a posse e o porte de arma de fogo, todas estas espécies delitivas conexas caracterizam infrações penais graves de repercussão interestadual (lei nº 10.446/02); posto que as ações do MST se realizam em várias unidades da federação comitantemente.

Todos estes graves e violentos crimes encontram-se em estado de flagrante permanente, competindo às autoridades, “ex officio”, executar a prisão daqueles que estiverem cometendo tais infrações penais; acabado de cometê-las; ou quando forem encontrados no local do crime com instrumentos do mesmo (por exemplo armas de fogo sem registro ou porte ilegal), conforme prevê o artigo 302 do código de processo penal pátrio vigente.

É preciso salientar que a reintegração de posse é uma medida secundária que deve ser tratada no juízo cível. A questão principal que devemos prestar atenção é de ordem criminal, caso de polícia, de segurança pública e assunto restrito as forças armadas.

Para o direito civil brasileiro (novo código civil – lei nº 10.406/2002) somente pode ser considerado legítimo dono aquele possuidor com pleno poder inerente à propriedade. A posse somente pode ser justa quando não for violenta, clandestina ou precária; portanto a posse de má-fé torna-se injusta. Não é autorizada a posse por meios de atos violentos. O possuidor tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação e esbulho, de exercitar seu direito de defesa indispensável à manutenção ou restituição da posse (arts. 1196 e sgts CC).

A não autuação ou a não lavratura da prisão em flagrante delito, sujeita todas às autoridades as sanções do crime de prevaricação (art. 319 do código penal); seja quando para satisfazer interesse pessoal ou político, deixarem de praticar ato de ofício, pela inércia no indiciamento e abertura de inquérito policial.

Ao Promotor de Justiça incumbe a titularidade da promoção da ação penal pública – persecutio criminis -, portanto, está obrigado a denunciar e processar todos os crimes desta natureza por serem a maioria dos delitos de ação penal pública incondicionada, imperando desta forma os princípios da obrigatoriedade e da legalidade; bem como possui o dever de exercer o controle externo da polícia civil e militar (art. 129, inc. I, II e VII CF c.c. lei nº 8.625/93).

Devendo o Ministério Público zelar pelo respeito aos poderes públicos, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático. No Estado Democrático se visa a paz, a ordem e a observância das leis vigentes.

A nova lei de arma de fogo estabelece prisão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão, para o porte, a guarda e o transporte ilegal sem autorização.

É público e notório que nos acampamentos ou nas áreas ocupadas pelos “sem terra”, locais onde os órgãos de segurança pública não possuem acesso ou permissão para entrar, ocorre o porte ilegal de armas de fogo, e muitas pessoas infiltradas no movimento não possuem vínculo algum com o trabalho rural, e lá estão escondidas numa espécie de Estado subterrâneo ou paralelo, sob a tutela, soberania e proteção da bandeira do MST. Estamos diante da estado de anomia pela falta de cumprimento das leis, desordem no campo e desrespeito em geral às autoridades públicas constituídas; trata-se de uma verdadeira baderna e porque não dizer de uma convulsão social, que está tomando proporções alarmantes e incontroláveis. São inúmeras as pessoas procuradas pela justiça criminal brasileira, atualmente existem cerca de 200 mil mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias e não cumpridos pela polícia – dados estatísticos oficiais do Ministério da Justiça -. Há quem diga que muitos delinqüentes procurados se encontram escondidos nos acampamentos dos “sem-terra”.

A lei do desarmamento obriga a prisão em flagrante delito de quem possua em sua casa, residência ou local de trabalho arma de fogo, sem o devido registro ou autorização. Desta forma, se a lei é igual para todos (art. 5º “caput” e inc. I e II CF) compete às autoridades de segurança pública ingressar nos acampamentos dos “sem-terra” e efetuar a prisão de todos aqueles que estiverem portando qualquer espécie de arma de fogo, como também averiguar e checar as ordens judiciais de prisão.

Infelizmente a impunidade impera em nosso País, a cada lei que entra em vigor, percebemos que o princípio da isonomia ou do tratamento igualitário é puro eufemismo, ficção e mito do direito penal, aumentando as cifras negras da criminalidade.

De acordo com alguns criminólogos renomados, o Estado é estabelecido por aqueles que desejam proteger suas bases materiais e políticas; o Estado é dirigido pela classe social que pretende o poder e impor sua vontade (Richard Quinney: “Teoria Critica del Derecho Penal”, apêndice do trabalho “Uma Filosofia Critica del Ordem Legal”, apresentado na 16ª Reunião Anual da Associação Sociológica Americana, 1972; mimeo biblioteca do Instituto de Criminologia da Universidad del Zulia, Maracaibo/Venezuela); por sua vez, há que se indagar, “que tipo de conduta e de pessoas são consideradas delinqüentes ? e, “quais são os critérios que legitimam, criminalizam e descriminalizam estas condutas ? (Howard, Becker: “La Desviación y la Respuesta de Otros”. Mimeo Uni. Zulia).

O Estado está obrigado a garantir a todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à segurança pessoal e à propriedade particular. A propriedade é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela pode penetrar sem consentimento do morador ou do legítimo dono, estabelece o artigo 5º “caput” e incisos xi e xxii da Constituição federal. A segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos (art. 144 CF), exercida pelos órgãos competentes. A função social da propriedade e a desapropriação por necessidade e utilidade pública somente poderão ser definidas por lei mediante ordem judicial, nunca por vontade de grupos ou movimentos de pessoas armadas.

A propriedade é um direito real, do cidadão, da pessoa natural ou jurídica, são imóveis constituídos ou transmitidos. O proprietário possui a faculdade para usar, gozar e dispor da coisa. Só em caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social; porém, o proprietário poderá perder o direito de posse, após o trâmite do devido processo administrativo e judicial, com indenização em dinheiro em base à valores reais e justos de mercado (art. 1125 e sgts do código civil); em base ao contido no art. 5º inc. XXIII, XXIV e art. 170, inc. III da “lex fundamentalis”

O código penal considera delito de esbulho possessório (art. 161) a invasão de imóvel alheio, com violência ou grave ameaça, mediante concurso de várias pessoas. A expressão “ocupação de terras improdutivas” que vem sendo difundida pelo Movimento ”Sem-Terra” possui um único objetivo, o de descaracterizar o crime de esbulho possessório.

Não podemos olvidar e deixar impunes os já mencionados crimes de invasão de domicílio, de dano, de quadrilha ou bando, tipificados nos artigos 150, 163 e 288, do Código Penal. É importante ainda ressaltar os crimes definidos na lei de segurança nacional (nº 7.170 de 14.12.83), nas modalidades de tentar mudar, com emprego da violência ou grave ameaça a ordem ou o Estado de Direito, inclusive com o incitamento a violência entre classes sociais, estabelecendo pena de até 15 anos de reclusão.

A Constituição federal define como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos civis armados, quando estes atentam contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inc. xliv, art. 5). Todos os cidadãos brasileiros estão obrigados a respeitar as leis, qualquer violação cabe aos órgãos de segurança pública reprimir, com prisão em flagrante delito, responsabilizando criminalmente ante a Justiça militar e comum, seus autores, em especial os seus líderes – autores intelectuais - por serem mentores dos ilícitos de invasão, esbulho, quadrilha ou bando.

O art. 301 do Código de Processo Penal brasileiro é claro e taxativo: “qualquer do povo poderá – grifo nosso - e as autoridades policiais e seus agentes deverão - grifo nosso - prender quem quer que se encontre em flagrante delito”. Primeiro, o governo deve identificar e mapear de maneira transparente quais são as áreas e terras públicas disponíveis para os assentamentos agrários e legítimos, informando com seriedade toda a sociedade, e somente depois de devidamente distribuídas estas terras, se justifica o uso de propriedades particulares, para a implantação da reforma agrária via desapropriação.

De outro lado, o Código Penal em vigor expressa nos artigos 23, II e 25, que não é crime quando o agente atua em legítima defesa de direito seu ou de terceiro. A defesa legítima do direito de propriedade, rural ou urbana, isenta de pena quando são usados os meios necessários para repelir agressão atual ou iminente. Portanto, o legitimo proprietário de terra ou o terceiro por ele contratado para guardar o direito de propriedade encontra-se devidamente amparado por lei, restando excluída a ilicitude na ocorrência de homicídio, segundo os próprios mandamentos do Código Penal (Lei nº 7.209/84).

Não propomos justiça pelas próprias mãos, e não se deve permitir a instigação, a sublevação da ordem jurídica ou o incitamento ao cometimento de crimes. É preciso dar publicidade ao direito de legítima defesa a todos os cidadãos proprietários de terra, e alertar aqueles que se apoderam de terras alheias, que estão cometendo graves e hediondos atentados contra a segurança pública e contra a ordem constitucional do País. Quando o Estado é ineficiente ou quando suas autoridades são omissas, o cidadão encontra-se autorizado para usar do direito inerente à proteção do seu patrimônio, adquirido ou herdado.

Basta de impunidade, o direito de defesa da propriedade deve ser exercido imediatamente, ante a desordem e a desobediência civil, do contrário, em breve teremos instalado no território nacional uma verdadeira guerrilha urbana, com violações a domicílios e saques em supermercados, porque na área rural a luta armada já é fato consumado.

A Constituição federal assegura a justa participação de todos na vida social, tenta garantir trabalho e salário digno, bem como a redistribuição de terras improdutivas, devendo toda a propriedade rural privada possuir fim social. Por sua vez, também os instrumentos internacionais de aceitação universal e/ou aqueles aderidos pelo governo brasileiro, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos, Culturais, Sociais e Econômicos, entre outros tantos documentos de Direitos Humanos, mas não justifica que as autoridades públicas sejam omissas e fechem os olhos à barbárie, aos abusos e ao cometimento de ilícitos generalizados.

Reforma agrária sim. Crimes não.

(*) Cândido Furtado Maia Neto é promotor de Justiça de Foz do Iguaçu,
ex-secretário de Justiça e de Segurança Pública do Ministério da Justiça,
ex-consultor internacional Organização das Nações Unidas (ONU).


Boletim Informativo nº 902, semana de 13 a 19 de março de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

VOLTAR