*Xico Graziano |
Reforma agrária, todos sabem, serve para transformar trabalhador em produtor rural. O beneficiário, antes um pobre sem-terra, vira um progressista com-terra. Ganha cidadania. Certo? Mais ou menos. No deformado processo da reforma agrária brasileira, mesmo depois de ocupar seu quinhão o caboclo continua tratado como sem-terra. Seu status não muda. Continua vivendo mal. Onde reside o problema? Na emancipação dos projetos de assentamento rural. Ou melhor, em sua inexistência. Existem hoje, no mínimo, 500 mil famílias assentadas produzindo com precário vínculo com a terra que receberam. No máximo, ostentam uma licença de ocupação, fornecida pelo Incra. A situação é gravíssima e vem de longe. Desde a redemocratização, em 1985, com o governo Sarney, assentamentos rurais são instalados sem planejamento. Antes disso, na época militar, projetos considerados de colonização se espalharam, distribuindo terra sem nunca titular ninguém. Fora as exceções, cerca de 5% dos casos. Resultado: forma-se no País uma espécie de quase-funcionários públicos, milhões de pessoas que, assentadas alhures, dependem da benesse pública para viver. Nos projetos de reforma agrária, tudo cabe ao Incra executar: a ponte que roda na chuvarada, a escola das crianças, a água encanada. Fora as questões, essenciais, da produção rural. Resultado: o cordão umbilical dos sem-terra com o governo se mantém indefinidamente. Projeto de lei apresentado recentemente na Câmara dos Deputados (PL 6.820/06) procura dar um freio de arrumação nesse arrastado processo da reforma agrária. Estabelece um prazo de cinco anos para que o governo, ao iniciar o assentamento rural, faça os investimentos necessários à sua consolidação. Na seqüência, obriga-se a emitir o título de posse dos novos agricultores. A proposta é simples. Segue a linha da responsabilidade fiscal e social da gestão pública. Obras inacabadas consomem o Tesouro e facilitam o desvio do dinheiro público. Exigindo prazo, fixa metas para o planejamento. Quer fazer reforma agrária, faça, mas termine o investimento. Senão vira uma rosca sem-fim. Dificilmente a idéia vai prosperar rapidamente no Congresso. O próprio governo se oporá à limitação estabelecida. Sabem por quê? Porque o MST é radicalmente contrário à medida, opondo-se à titulação dos beneficiários da reforma agrária. É incrível. Mas verdade. O MST prefere que o pobre coitado continue um sem-terra. Comendo na sua mão. Quer dividir a terra, mas manter seu mando autoritário sobre os novos produtores rurais. Uma razão meio messiânica, ou fascista. Malgrado as verbas que manipula em convênios com o Incra e, por tabela, o acesso privilegiado aos financiamentos via Banco do Brasil, que irrigam o MST, a boiada vai-se desgarrando. Os novos agricultores querem progredir, e exigem liberdade. O tema é recorrente. Velhos comunistas alertavam, lá atrás, que a reforma agrária, ao transformar o camponês em proprietário, incutia nele a mentalidade capitalista. Trata-se de uma verdade histórica. Atento, o MST vai, aos poucos, alterando sua estratégia de atuação. Recentemente, organizou o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que, segundo seu boletim divulgativo, luta em defesa de 8 (sic) milhões de famílias camponesas "massacradas pelas multinacionais e pelo agronegócio". Busca, assim, manter seu controle sobre os assentamentos rurais, mesmo trombando na política com a Contag, a poderosa central sindical no campo que sempre representou os camponeses. Já faz tempo que nas passeatas, marchas e demais manifestações do MST o grosso da fileira se compõe de produtores assentados. O Zé Rainha é o maior exemplo. Desde 1995 ele detém um lote no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Embora beneficiado pela reforma agrária, portanto, um com-terra, continua líder dos sem-terra. Só no Brasil mesmo! A nova face do MST, arvorando-se em representante dos pequenos agricultores, desgraçadamente carrega uma forte visão paternalista e perdulária. Basta acessar o site do MST e conhecer a pauta de reivindicações do MPA. É coisa simplesmente escandalosa. Propõe o enquadramento das famílias camponesas como "seguradas especiais" da Previdência; defende a aposentadoria das mulheres aos 55 anos, com um salário mínimo, e, aos 70 anos, com 2,5 salários. Exige que o governo controle os preços agrícolas, tabele os insumos, compre a produção e controle o comércio por intermédio de "uma grande empresa pública de exportações agrícolas", proibindo as multinacionais de atuarem no mercado. Dá para entender? É pouco. Querem também um crédito de R$ 100 mil por família, para "investimentos globais" na propriedade rural, com 4 anos de carência e 20 anos para pagar, juros fixos de 2% ao ano e, para quem fizer tudo direitinho, rebate de 50% nas parcelas a vencer. A previsão orçamentária, para 5 anos, somaria R$ 800 bilhões. Fácil. É desanimador: o MST, ao querer agora dominar os com-terra, apresenta uma agenda velha, semelhante à pior demanda dos aproveitadores de sempre que, no campo ou na cidade, só pensam em mamar nas tetas do Estado. Pela direita ou na esquerda, agride a modernidade. Pior, trata-se de uma agenda velhaca, construída para vender ilusões. Uma cantilena, rezada sobre a pobreza no campo, que promete o paraíso ainda na Terra. Esse populismo de esquerda, cultivado pelo MST, objetiva criar submissão, a mais desgraçada das misérias humanas. É lamentável. |
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Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) |
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Boletim Informativo nº 907,
semana de 17 a 23 de abril de 2006 |
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