Justiça reconhece
atividade avulsa rural

 

Ao tratar das categorias de segurados obrigatórios da Previdência Social, o artigo 9º do Decreto nº 3.048 (6/05/1999), que trata do Regulamento da Previdência Social, determina :

"V- Como contribuinte individual:

j- quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego. Alínea incluída pelo Decreto nº 3.265 (29/11/99)

"VI- como trabalhador avulso – aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados:

a) o trabalhador que exerce atividade portuária de capatazia, estiva, conferência e conserto de carga, vigilância de embarcação e bloco;

b) o trabalhador de estiva de mercadorias de qualquer natureza, inclusive carvão e minério;

c) o trabalhador em alvarenga (embarcação para carga e descarga de navios);

d) o amarrador de embarcação;

e) o ensacador de café, cacau, sal e similares;

f) o trabalhador na indústria de extração de sal;

g) o carregador de bagagem em porto;

h) o prático de barra em porto;

i) o guindasteiro; e

j) o classificador, o movimentador e o empacotador de mercadorias em portos."

Verifica-se, portanto, que o trabalhador avulso do meio rural não foi considerado. A desconsideração coaduna-se com legislação anterior, a do Decreto nº 365 (7/12/1991) o primeiro instrumento regulamentador da Lei 8.213/91 que, em seu artigo 10º, ao definir o trabalho avulso, também estabelecia que outras poderiam ser consideradas, desde que classificadas pelos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social.

Assim, amparada por este artigo, a FAEP encaminhou ao Governo Federal um pedido de classificação da atividade de trabalhador rural avulso. Fundamentou a necessidade urgente do reconhecimento desta categoria, tendo em vista que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cumprindo o que determinou a Constituição Federal quanto à unificação dos sistemas de previdência social (INPS e Funrural), estabelecia procedimentos quanto à prova de atividade do segurado empregado urbano e rural.

Passou, e continua a exigir, do trabalhador rural eventual conhecido como "bóia-fria" ou "volante", que comprove a atividade por meio de documentos ou declarações fornecidos pelos produtores rurais das propriedades para que trabalharam. Embora a atividade seja exercida de forma sazonal e temporária, sem vínculo empregatício, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o INSS entende que estes trabalhadores devam ser considerados empregados, embora os fatos, características e a realidade das atividades agropecuárias sejam diferenciadas daquelas exercidas no meio urbano.

Apesar de todos estes argumentos, o INSS continua a considerar estes produtores como empregadores rurais. Em conseqüência, ampliou-se a emissão de Notificações Fiscais (NFLD), em que registram-se os valores das contribuições incidentes sobre a folha de salário acrescidas de multas por falta da inscrição dos empregados. No caso de avulsos, pelo cadastramento e registro no sindicato do órgão gestor de mão-de-obra (art.18- Decreto 3.048/99).

Estas contribuições são identificadas pelas auditorias fiscais feitas nos processos de concessão de aposentadorias por idade, de trabalhadores rurais avulsos, que se habilitaram ao benefício através de declarações de produtores, cujos termos são interpretados pela fiscalização como de atividade permanente.

A FAEP tem orientado sobre a correta interpretação da legislação previdenciária, uma vez caracterizada a prestação de serviço em caráter eventual do bóia- fria ou volante.

Nestas ocasiões, o INSS propõe acordo com a redução dos valores, que são feitos antecedendo a notificação fiscal. De certa forma, tal procedimento indica que o próprio órgão previdenciário se rende à realidade das características do campo, reconhecendo o exercício do trabalho avulso rural, embora sem representação de Sindicato da categoria.

Há muitos produtores que aceitam os acordos e recolhem as contribuições lançadas pela auditoria. Nossa grande preocupação relaciona-se às obrigações quanto ao Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço (FGTS) desde que reconhecido o vínculo empregatício.

Mas existem outros produtores que não aceitam os acordos por não reconhecerem as razões da notificação fiscal. Um exemplo é a contestação que tramita na Vara Federal de Francisco Beltrão, onde foi ajuizada a Ação Declaratória de Inexistência de Débito acumulada com pedido de antecipação de tutela contra o INSS. O produtor alega que os serviços prestados por trabalhadores rurais eram feitos de forma eventual, sem continuidade, na qualidade de bóias- frias que, desta forma, não podem ser considerados empregados.

O INSS contestou, alegando que, ao declarar a prestação de serviços pelos trabalhadores rurais no período entre 1988 e 1997, o autor admitiu a sua condição de empregador e contribuinte, ficando caracterizados os elementos de subordinação, habitualidade e dependência econômica.

A antecipação de tutela foi deferida, posteriormente interposto agravo de instrumento contra a decisão antecipatória, sendo procedido juízo de parcial retratação, mantendo, entretanto, a exclusão do nome do CADIN.

Foram ainda, ouvidas testemunhas (trabalhadores) que descreveram suas funções na propriedade do autor na condição de avulso rural.

Assim, a Justiça Federal decide pelo reconhecimento do exercício da atividade sem vínculo empregatício, desconstituindo a Notificação Fiscal de Levantamento de Débito (NFLD) e do Auto de Infração, sem prejuízo de lançar o INSS o débito gerado pelo não reconhecimento das contribuições dos trabalhadores que prestaram serviços ao autor sob a correta classificação desses.

O recolhimento autorizado deve ser calculado nos termos do artigo 22 da Lei 8.212/1991, no que diz respeito às alíquotas de responsabilidade do empregado, acrescido da de terceiros (salário-educação e INCRA), observado o artigo 25- Incisos I e II, que substitui a contribuição incidente sobre o valor dos salários pela do valor bruto da produção agropecuária comercializada.

A Justiça Federal - ao decidir que o INSS deve lançar o débito originado da não retenção da alíquota da contribuição do segurado (a parte do tomador da mão-de-obra se presume recolhida e incidente sobre o valor bruto da comercialização – art. 25, da Lei 8212/91), e observada a correta classificação -, remete para o enquadramento destes trabalhadores na categoria de avulso rural, ainda não reconhecida pelos Ministérios do Trabalho e Previdência, embora todas as evidências seguidas de comprovação desta atividade, nos autos de ação ordinária nº 20027007002172-6 a que nos referimos no início.

O INSS, através da Procuradoria Federal Especializada, recorreu da decisão ao Tribunal Federal da 4ª Região, reiterando o entendimento de que ocorreu relação empregatícia, não se caracterizando o trabalho eventual, já que esta atividade deveria ser estranha aos fins almejados pelo produtor rural, que não foi evidenciado, sendo ele grande agricultor e pecuarista, assim necessitando de muitos empregados rurais.

Com a devida vênia, ao respeitável instrumento de apelação, permitimo-nos dizer, como estudioso do assunto, de que a única classificação que deve ser admitida a estes trabalhadores, é a de avulso, embora ainda a resistência de alguns setores. A de trabalhador eventual, em se tratando de atividade rural, deveriam ser admitidos como contribuintes individuais, conforme define o Art. 9º, Inciso V, letra I do Decreto nº 3.048/99, o que afastaria estes trabalhadores do direito a alguns benefícios não estendidos ao contribuinte individual definido como autônomo na anterior legislação previdenciária.

Quanto à necessidade da utilização de muitos empregados, em nada prejudica a utilização de mão-de-obra avulsa em épocas de necessidade, como exemplo citamos os produtores de algodão, café, etc... cuja cultura exige uso intensivo de mão-de-obra. Nestas ocasiões, e inexistindo entidade sindical que represente a mão-de-obra avulsa, socorrem-se de intermediários chamados de "gatos", que controlam este trabalho e encarregam-se de distribuir os trabalhadores pelas diversas propriedades. Portanto, desconhecer esta realidade é contribuir para que o bóia-fria continue prejudicado em seus direitos previdenciários e trabalhistas, obrigando-os à humilhação de, para ter a sua atividade de trabalhadores reconhecida pela Previdência Social, procurar produtores rurais que se disponham a assinar declarações de diversos períodos sazonais de trabalho, até que completem a carência estabelecida em lei. Muitos destes trabalhadores não conseguem estas declarações e ficam desprotegidos de uma aposentadoria ou pensão aos dependentes.

Portanto, reafirmamos a necessidade do reconhecimento da atividade avulsa rural, aliás já requerida formalmente ao Ministério do Trabalho e Emprego, conforme Processo 4.60100023/5 00004- Sindicato dos Trabalhadores Rurais Avulsos de Cascavel e Região. Este Sindicato, embora não reconhecido, foi formalmente criado por um grande número de trabalhadores rurais bóias- frias em data de 08/09/2002.

Concluindo, e com a decisão da Vara Federal de Francisco Beltrão reconhecendo que o segmento produtivo rural, por suas características próprias, deve ter a atividade de bóia-fria devidamente classificada, reiteramos as autoridades do Ministério do Trabalho e Previdência que, deixando de lado outros interesses corporativistas, permitam o reconhecimento do trabalho avulso rural, para que esta atividade possa ser desenvolvida de forma transparente, sem subterfúgios. Da forma como se desenvolve, está prejudicando não só o trabalhador como também o INSS e, principalmente, o produtor rural que, independentemente da utilização ou não de mão-de-obra sazonal e temporária, recolhe os encargos sociais incidentes sobre a folha de salários, considerando a contribuição substitutiva incidente sobre o valor bruto do produto agropecuário comercializado. Isto significa que o segmento produtivo rural , ao contrário do urbano, mesmo não utilizando mão-de-obra, é permanentemente tributado nas obrigações incidentes sobre a folha de salários.

Isto é importante e deve merecer agora, também, a atenção dos ministros do Tribunal Federal da 4ª Região.

João Cândido de Oliveira Neto

Consultor de Previdência Social


Boletim Informativo nº 900, semana de 20 a 26 de fevereiro de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

VOLTAR