Tempo bom *Xico Graziano |
Janeiro, época de férias, descanso. As famílias saem a passear, distrair-se, repor suas energias. No governo e na política, então, o marasmo domina. Antes de o carnaval passar, assim se diz, nada acontece! No campo, ao contrário, é hora de decisão. O trabalho na agricultura se acelera exatamente nesta época. Na safra de grãos do Sul-Sudeste, o plantio se inicia em meados de outubro. Já no cerrado do Centro-Oeste, a semente vai para o solo mais tarde, após 15 de novembro. Enquanto a sociedade se prepara para o Natal, os agricultores ajeitam seus tratores para plantar. Aqui a moleza não prospera. O movimento depende da chuva. Os mais antigos testemunham que, há 50 anos, o regime pluviométrico estava mais regular. Já em setembro, com as flores da primavera chegavam as primeiras águas. Bastava mudar a lua para caírem os esperados pingos. Hoje em dia, apareceu o El Niño complicando as previsões do tempo. Paciência. Plantadas mais cedo ou mais tarde, as sementes germinam em poucos dias. Daí para a frente começa a dor de cabeça do produtor rural. As novas plantinhas exigem atenção total, num corre-corre incessante. Enquanto os da cidade viajam, os da roça firmam na labuta da terra. A mesma sociedade, dois ritmos distintos. Molhado o solo, vingam a soja, o algodão, o milho, as chamadas culturas temporárias, que anualmente se renovam. Mas junto nascem também o mato, a tigüera. Controlar as ervas invasoras sempre foi a maior preocupação do agricultor, pois elas competem pela água, pela luz e pelos nutrientes. Sem dar tempo para descanso, chega a hora da enxada. Sol a pino, o suor molha a testa do trabalhador rural sem bronzeador nenhum. Muita coisa mudou com a carpideira mecânica, puxada pelo trator. Há pelo menos 30 anos, a enxada foi cedendo lugar à tecnologia. Começava a modernização agrícola. Depois surgiram os herbicidas e o sistema do plantio direto. Em cada passo tecnológico, avança a produtividade e amaina o esforço do produtor rural. Nada mal. A última novidade apareceu com os cultivos transgênicos, a partir de variedades resistentes ao glifosato, um herbicida famoso pela eficiência no controle da vegetação. Foi o pulo-do-gato. Na soja, por exemplo, uma única aplicação de herbicida sobre a lavoura recém-nascida elimina as ervas daninhas. Sem macular a cultura principal. A redução no uso de venenos é significativa, pois no sistema convencional os herbicidas se utilizam a rodo. Mas a grande vantagem dessas variedades geneticamente modificadas, apelidadas RR, diz respeito à facilidade no trato cultural, reduzindo a carga de serviço na lavoura. Pesquisas realizadas nos EUA, depois repetidas aqui, mostraram que o efeito produtividade e a queda do custo são o que menos importa. O maior ganho, dizem os produtores rurais, se obtém na redução de serviço. No Rio Grande do Sul, depoimentos obtidos no segundo ano do plantio da soja RR, em 2003, mostravam os gaúchos felizes. Qual a razão? Em pleno janeiro, tinham até passado uns dias na praia! Na agricultura tropical, característica do Brasil, época quente e molhada significa também ataque de pragas e, principalmente, doenças. Mal acaba de limpar o terreno, o agricultor sai apressado no combate a insetos, fungos, bactérias, que, filhos de Deus, também querem comer da semente germinada. Lá na praia, um sossego só. Na fazenda, uma correria danada. Essa discrepância entre o mundo agrário e o urbano, notável nesse período, nem sempre é bem percebida. A rápida urbanização do País criou um fosso cultural que resulta em certo preconceito, um menosprezo sobre o modo de vida no campo. Por desconhecimento, acaba que as pessoas se esquecem de fatos elementares envolvendo a agropecuária. Os jovens que, na praia, tomam água-de-coco para combater a ressaca nem imaginam como aquela delícia refrescante chegou até suas mãos. Nada, porém, exprime melhor essa distância cultural que os jornalistas quando, na TV, anunciam: "Tempo ruim, vai chover." Ora, ruim para quem? Ou melhor, ruim para fazer o quê? Certamente para os milhões que, nas praias do litoral, curtem o sol. Para o lazer, as nuvens estragam prazeres. Mas lá, no interior da agricultura, a chuva é abençoada. Sem ela nada funciona. Não quer dizer que, às vezes, não atrapalhe. Tudo em excesso faz mal. É fácil mostrar, todavia, que normalmente é a ação do homem, e não da natureza, que provoca estragos. Veja-se a erosão dos solos, que arrebenta terrenos compactados, malcuidados. Áreas com cobertura vegetal, como se faz no plantio direto, seguram as enxurradas. Missão impossível será convencer favelado a gostar da chuva após uma tempestade lhe levar o barraco. Haja argumento. A verdade, porém, precisa ser dita. Ocorre que as cidades cresceram em demasia, o asfalto impermeabilizou as ruas, as casas se aproximaram dos córregos, a canalização tarda. Mais trágico que a enchente é o conluio histórico entre o poder público, ineficiente, e a imprevidência dos assentamentos humanos em áreas ribeirinhas. Culpa de quem? Noves fora as tragédias, São Pedro continua muito querido no interior do País. Se, na metrópole, a nuvem negra é temida, nas comunidades agrícolas o medo vem da seca. Fazem-se procissão e reza do terço, buscando auxílio divino para chover. Mesmo correndo o risco de exagerar na dose, sabe-se que depois da tempestade vem a bonança. O homem da meteorologia precisa corrigir seu verbo. Anunciar o clima sem dar valor. Simplesmente dizer: tempo chuvoso. Ruim, não! *Xico
Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) |
Boletim Informativo nº
896, semana de 23 a 29 de janeiro de 2006 | VOLTAR |