Podridão agrária

*Xico Graziano

Abrem-se os trabalhos na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra. São ouvidos gestores das entidades que funcionam como linha auxiliar do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). É grande a expectativa. A quebra do sigilo bancário expôs um sumidouro de recursos públicos.

O deputado Abelardo Lupion interpela o sr. Emerson Rodrigues. "O senhor recebeu em seu nome vários cheques emitidos pela Concrab e pela Anca, somando R$ 318.428. Com qual finalidade eram sacados valores tão altos?"

O primeiro depoente: "Reservo-me o direito constitucional de permanecer em silêncio."

O deputado Abelardo Lupion pergunta ao sr. José Trevisol: "Eu tenho aqui um cheque no valor de R$ 501.953, assinado pelo senhor, endossado também pelo senhor e sacado em dinheiro, da conta 123.876. O senhor confirma?"

O segundo depoente: "Reservo-me o direito constitucional de permanecer em silêncio."

O deputado Abelardo Lupion questiona o sr. Francisco Dalchiavon. "Como o senhor explica o fato de a Concrab conseguir celebrar dois convênios com a União em dezembro de 2003, com valor acima de R$ 1 milhão, apesar de estar inadimplente com a Receita Federal?"

O terceiro depoente: "Invoco o direito constitucional de permanecer calado."

E assim, de forma surpreendente, permaneceram de boca fechada os responsáveis pela utilização de R$ 41,7 milhões repassados, por intermédio de convênios, pelo governo federal às entidades comandadas pelo MST. Nenhuma explicação, nenhuma palavra. Foram consecutivas 127 "não-respostas".

O miolo do escândalo: o saque na "boca do caixa", efetuado por laranjas vermelhas, soma R$ 3.514.349. Por que valores tão expressivos foram utilizados por meio de cheques ao portador? Ninguém respondeu. Conclusão: dinheiro vivo sai dos cofres públicos direto na veia do MST.

Aqui reside a desavença política ocorrida, nesses dias, ao se finalizarem os trabalhos da CPMI da Terra. As apurações da comissão mostraram uma podridão. Chamados a esclarecer os fatos, os dirigentes sem-terra preferiram a escuridão do silêncio à transparência do verbo. Lamentável.

Engana-se quem, ao analisar a votação daquele relatório final, rotular as divergências havidas entre, de um lado, ruralistas conservadores e, de outro, progressistas trabalhadores sem-terra. Erra mais ainda quem queira estampar na disputa resquícios do velho embate entre esquerda e direita. Nada disso.

É óbvio que, por detrás das eternas brigas envolvendo a reforma agrária brasileira, se escondem posições ideológicas variadas, algumas antagônicas. Mas o cerne da encrenca recente não residiu na ideologia, e sim na verdade.

O debate raivoso e as cenas explícitas da "doença do Aparecido" procuram esconder um submundo deplorável da atual questão agrária. O chamado movimento social vive à custa do cofre público. Convênios destinam-se, no papel, a apoiar ações altruístas, como, por exemplo, "curso técnico em saúde comunitária", que recebeu R$ 1,17 milhão; ou "fomento da agroecologia em empresas sociais", que levou R$ 5,3 milhões. Na prática, alimentam o processo das invasões de terras.

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), elaborado após análise de 103 desses convênios, indicou gritantes irregularidades na prestação de contas. Regras elementares da administração pública foram ignoradas. O TCU estima que R$ 18 milhões tenham sido desviados. Um verdadeiro relaxo.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. A traquinagem do MST funciona com a tradicional tecnologia dos ladrões do dinheiro público. O esquema é semelhante ao do mensalão. Não se pode afirmar que seus líderes tenham enriquecido. O delito objetiva o poder, ou a revolução. Configura crime da mesma forma.

Por conta disso, a maioria dos parlamentares rejeitou o insosso e tendencioso relatório João Alfredo, militante dos sem-terra. Ele fazia vista grossa à tramóia. Em seu lugar acabou aprovado o substitutivo Lupion, que indicia os responsáveis e, exageradamente, qualifica as invasões de terras como crime hediondo. Seguiu-se um pampeiro.

A Comissão Pastoral da Terra diz que o novo texto consagra a violência no campo. O MST afirma que a comissão se curvou aos objetivos criminosos e odiosos da União Democrática Ruralista (UDR). Fazem o conhecido jogo da dissimulação ideológica.

O raciocínio polarizado serve para justificar o esconde-esconde da malandragem agrária. Normal. Injustificável é ver jornalistas comprarem barato esse discurso falso. É incrível perceber como a mídia gosta da palavra fácil e do gesto brusco. Querendo ser, talvez, politicamente corretos, assumem a defesa dos "coitadinhos" sem-terra contra os "malfeitores" fazendeiros. Generalizam e informam mal a opinião pública.

Lenin atacou o esquerdismo taxando-o como doença infantil do comunismo. Articular alianças políticas para enfrentar a grilagem de terras e promover a regularização fundiária do País é fundamental. A qualidade da reforma agrária brasileira daria um bom debate.

Mas essa esquerda que fugiu na reta final da CPMI, acusando todos os parlamentares de assassinos, não quer discutir nada a sério. Sabe gritar, rasgar, não construir. É autoritária e covarde.

Não há acordo possível com relação à malversação de dinheiro público.

O silêncio dos depoentes do MST durante as sessões da CPMI selou sua culpa. Não mentiram, foi seu único mérito. Mas quem cala consente.

*Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995)
e secretário da Agricultura do Estado de São Paulo (1996-98).
(Publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 6 de dezembro de 2005)


Boletim Informativo nº 893, semana de 12 a 18 de dezembro de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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