A febre aftosa e os
pequenos ruminantes

* Elza Maria Galvão Ciffoni

Introdução - A importação de reprodutores com o objetivo de melhorar o plantel nacional sempre foi uma estratégia utilizada pelos produtores e técnicos. Coincidindo com importações de reprodutores bovinos de raças européias, a Febre Aftosa (FA) foi relatada nesta espécie, pela primeira vez no Brasil, em 1895, após a descrição da doença na Argentina e Uruguai.

A susceptibilidade de ovinos e caprinos à febre aftosa pode variar com a raça do animal e a cepa do vírus. Assim, existem relatos de cepas do sorotipo O que não infectam pequenos ruminantes naturalmente. Já outras, do mesmo sorotipo, são altamente infectantes nestes animais.

Como no caso dos outros ruminantes, as cabras e ovelhas são altamente susceptíveis à infecção com o vírus da FA, via aerossóis. No entanto, a produção de infectantes aerossóis pelas ovelhas é consideravelmente pequena quando comparada aos suínos, que produzem 30 a 100 vezes mais vírus do que o ovino e bovino. E, por outro lado, pequenos ruminantes são menos contaminados pela via respiratória em função do pequeno volume de ar respirado. Provavelmente, a via mais importante de contaminação seja o contato direto com animais infectados, via abrasões na pele ou membrana mucosa, e a ingestão de alimento contaminado.

Na Inglaterra, durante um surto de FA, uma fazenda onde havia ovelhas e bovinos, apenas 5% das ovelhas testadas apresentou soro positivo e 3% vírus- positivo, enquanto para os bovinos 91% eram clinicamente afetados. Em outros estudos, utilizando cepas oriundas de surtos, os autores puderam inferir que cepas de vírus FA podem morrer se ficarem restritas a ovinos. Por outro lado, infecções em bovinos e suínos podem ser suficientes para aumentar o nível de vírus circulante e, conseqüentemente, aumentar a probabilidade de transmissão da infecção para ovelhas que estejam em contato.

Em surtos, o papel de cada espécie pode ser assim definido: ovinos são hospedeiros de manutenção do vírus; suínos são amplificadores, e bovinos são indicadores, pois desenvolvem a doença rapidamente e de forma mais severa. Neste panorama, o suíno se infecta com doses reduzidas, multiplicando e eliminando maior quantidade de vírus do que o ruminante. Daí a importância da espécie, na epidemiologia da FA.

Sinais clínicos - Outro aspecto importante relacionado aos pequenos ruminantes, diz respeito aos sinais clínicos uma vez que, quando infectados, a doença pode não ser diagnosticada porque os sinais e lesões podem ser suaves ou não ocorrerem.

Normalmente, o período de incubação dura de três a oito dias, podendo ser de 24 horas (em inoculações experimentais) ou de até 20 dias, dependendo da susceptibilidade da ovelha, da dose de vírus e da via de infecção. A claudicação normalmente é o primeiro sinal de FA em cabras e ovelhas, sendo que os animais afetados apresentam febre, relutam em caminhar e separam-se do resto do rebanho. As vesículas podem aparecer em 25% dos casos. Surgem no espaço inter-digital e na coroa do casco, rompendo-se rapidamente. Estas lesões podem ser confundidas com as observadas em casos de Língua Azul (Bluetongue). As vesículas podem ainda, ser observadas na língua, palato duro, lábios e gengivas; e também nas tetas, particularmente em ovelhas e cabras em lactação, e raramente na região da vulva e prepúcio.

Nos casos em que não ocorrem complicações, a recuperação dos animais é rápida, mas o vírus persistirá no tecido das tonsilas (antes, denominadas amígdalas) por até nove semanas na ovelha e um período um pouco menor nas cabras. Em bovinos, pode permanecer nas tonsilas até por três anos.

Para os cordeiros e cabritos, a doença clínica caracteriza-se por morte por falência cardíaca, sem o aparecimento das vesículas. Em rebanhos afetados podem ocorrer 90% de perdas de filhotes.

Diagnóstico - O diagnóstico clínico de FA em cabras e ovelhas é difícil, em função do quadro passageiro das lesões e a similaridade com outras doenças de pequenos ruminantes. A doença pode estar presente no rebanho por um tempo considerável e as amostras serem colhidas de animais já recuperados, que não terão mais vírus vivos nos tecidos (exceto na faringe), mas os anticorpos poderão ser detectados. No entanto, se o rebanho tiver sido vacinado, os testes não farão a distinção entre anticorpos vacinais e de doença. Ainda não existem testes validados para uso em pequenos ruminantes.

Controle - O controle de FA em pequenos ruminantes segue os mesmos princípios para as outras espécies: restrição de transporte, desinfecção e abate de animais doentes e que mantiveram contato com doentes, ou vacinação. No Brasil, a Portaria n.º 121 de março de 1993 do Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (MAPA), apresenta as normas vigentes para o combate a FA, excluindo os ovinos e caprinos da vacinação obrigatória. A Portaria n.º 713 de novembro de 1995 também do MAPA, considera que a vacinação massiva e sistemática não é obrigatória para as espécies suína, ovina e caprina. No caso de vacinação emergencial ou estratégica, o esquema será determinado pelo MAPA e o volume por dose para as referidas espécies será de 3 ml.

A vacinação em ovinos reduz a replicação do vírus e o número de animais com infecção sub-clínica depois de 28 dias da vacinação.

As cabras vacinadas apresentam resposta mais tardia que bovinos.

Vacinar animais que não estão completamente protegidos também pode ser uma fonte de infecção. O vírus pode se replicar e se espalhar sem que os animais demonstrem sinais clínicos.

O comportamento silencioso da doença em cabras e ovelhas adultas pode trazer a impressão de que um programa de vacinação tenha sido bem sucedido, e na realidade, o vírus pode estar circulando livremente. Conforme foi observado na erradicação da FA no Uruguai, somente o gado bovino foi vacinado e 20 milhões de ovelhas ficaram fora do programa de erradicação, e nem por isto mantiveram o vírus na região.

* A autora é Médica Veterinária, MSc, professora de Caprinocultura e Ovinocultura da UNIPAR, presidente da ALEPRYCS- Associação Latinoamericana de Especialistas em Pequenos Ruminantes e Camelídeos Sulamericanos


Boletim Informativo nº 891, semana de 28 de novembro a 4 dezembro de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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