Reportagem de jornal mostra como
MST prega luta de classes no Brasil

Instalada há menos de um ano, e recém diplomando sua primeira turma, a Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento Sem-Terra (MST) deixou claro a que veio. Na semana passada, o jornal Estado de São Paulo publicou matéria sobre a Florestan, que oferece cursos de especialização e formação de professores do MST. A reportagem transcreve trechos dos discursos de convidados e "autoridades" do movimento.


   Como o do secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, que participou da entrega de diplomas a 60 educadores, especialistas em educação rural. "Além da busca de uma educação tecnicamente rigorosa, eles (o MST) têm visão política, ética, de democratização, socialização, transformação." Ou o de Adelar Piazeta, coordenador de cursos do MST, sobre a meta de incentivo à luta de classes. Ou de aluna – professora, representante da turma, que declarou textualmente: " Se o capitalismo nos desumaniza e transforma em vermes, devemos mudar isso".


O Estado de S.Paulo, de 20/11/2005

MST forma professores
e prega luta de classes

Foram entregues diplomas a 60 alunos,
que se especializaram em educação rural

Roldão Arruda

Inaugurada em janeiro deste ano, a Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Sem-Terra (MST), formou na semana passada a primeira turma de alunos de seus cursos de especialização. Com a presença do secretário-geral da Presidência, ministro Luiz Dulci, foram entregues os diplomas a 60 educadores, que se especializaram em educação rural. No centro de cada diploma, bem destacadas, figuravam as palavras de ordem: "Contra a intolerância dos ricos, a intransigência dos pobres. Não se deixar cooptar. Não se deixar esmagar. Lutar sempre."

Atribuídas ao sociólogo e político de esquerda Florestan Fernandes (1920-1995), um dos pensadores brasileiros mais admirados pelo MST, elas sintetizavam o espírito do curso e da própria cerimônia de formatura – realizada na manhã de quinta-feira, na chácara onde fica a escola, em Guararema, no interior de São Paulo. Logo no discurso de abertura da cerimônia, o coordenador dos cursos, Adelar Pizetta, definiu, incisivo: "Não estamos aqui para copiar estruturas educacionais já superadas pela história. Desejamos criar uma escola de formação de seres humanos conscientes e responsáveis, com firmeza e clareza ideológica e comprometidos com os interesses e a causa da classe trabalhadora." A meta, ainda segundo a definição do coordenador, é "ajudar a construir e fazer avançar a luta de classes no Brasil".

Outros discursos também destacaram a necessidade de espaços educacionais com visão de classe. Foram crescendo de tom até o hino da Internacional Socialista, entoado com vigor ao final, e o brado de guerra: "Globalizemos a luta, globalizemos a esperança."

A primeira turma de formandos chamou-se Milton Santos (1926-2001). A representante deles na cerimônia, Isabel Grein, militante gaúcha do movimento, frisou no discurso de saudação que sua tarefa será produzir o conhecimento que leve à libertação dos trabalhadores: "Se o capitalismo nos desumaniza e transforma em vermes, devemos mudar isso."

Também os visitantes chamaram a atenção para o caráter transformador que o MST pretende imprimir ao ensino. A professora Leila Chalub, da área de extensão da Universidade de Brasília (UnB), instituição que ajudou a ministrar o curso, em parceria com os sem-terra, animou a platéia com a citação de dois revolucionários sempre lembrados no MST: José Martí (1853-1895) e Ernesto Che Guevara (1928-1967).

Mônica Romero, representante do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e parceiro do MST na área educacional, disse: "Qual é o campo da educação no campo? Não é o campo do agronegócio, nem da ruralidade dos espaços vazios, do campo sem gente. O campo da educação no campo é principalmente o da construção de novas relações sociais, novas relações com a natureza... Precisamos pôr a ciência a serviço da vida e não de acumulação e lucro, a serviço do capital."

EXEMPLO - Dulci rebateu as críticas de que os cursos do MST, financiados com verba pública, não dão atenção à técnica e se detêm apenas na formação ideológica. Disse que o MST juntou as duas coisas: "Além da busca de uma educação tecnicamente rigorosa, eles têm visão política, ética, de democratização, socialização, transformação."

O sistema é tão bom, segundo Dulci, que poderia servir de exemplo: "A escola pública deveria oferecer ensino da melhor qualidade e elevar ao máximo a consciência civil e democrática, a consciência política."

Dulci ficou à vontade entre os sem-terra. Só pareceu desconfortável quando entoaram a Internacional. Ouviu como se tivesse sido acometido por uma súbita paralisia muscular. Pouco antes ele tinha conclamado os sem-terra a continuar promovendo manifestações, pois ajudam o governo a enfrentar os adversários da reforma agrária, adversários poderosos, segundo o ministro: "A reforma agrária depende dos governantes, da vontade política, mas, sobretudo, da força dos movimentos. Ela é necessária para que haja correlação de forças favorável e para impedir as tentativas dos adversários da reforma agrária e da justiça social de barrarem esse processo." Em outras palavras, "é preciso ter forças nas ruas".

SOLIDARIEDADE - O discurso final, antes do churrasco simples que marcou a formatura, coube ao líder do MST, João Pedro Stédile. Depois de saudar a mulher e uma das filhas de Florestan, que estavam presentes, falou da solidariedade entre as classes trabalhadoras e os movimentos sociais. Contou que nos próximos dias a escola abrirá suas portas para grupos de hip hop da periferia de São Paulo e, logo em seguida, para a Gaviões da Fiel – a torcida organizada do Corinthians, o time de Stédile e do presidente Lula.

Escola é um dos orgulhos do movimento

Estudantes são impedidos de passar muito tempo
afastados de suas comunidades

A Escola Nacional Florestan Fernandes começou a ministrar o curso de especialização em Educação no Campo e Desenvolvimento em 2004, quando seus prédios ainda estavam sendo construídos. Seus 60 alunos foram escolhidos pela Via Campesina, a irmã internacional do MST, em acampamentos, assentamentos e cidades com maior concentração de sem-terra.

Os alunos passaram dois anos intercalando a atividade escolar com trabalhos que já desempenhavam. Pelas normas da escola, nenhum estudante pode se afastar por longos períodos do trabalho prático nas áreas de origem.

A Escola Nacional é um dos orgulhos do MST, que investe em todos os níveis da educação. O terreno de 30 mil metros quadrados foi comprado com a venda de posters do fotógrafo Sebastião Salgado; e o dinheiro para a obra teria vindo de sindicatos europeus, num total aproximado de US$ 1,3 milhão.

As atividades educacionais do MST são controladas a partir do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra), no Rio Grande do Sul. Os diplomas entregues em Guararema, na quinta-feira, eram assinados por representantes do instituto.

Os cursos são ministrados por meio de convênios com instituições públicas. O volume destes convênios encolheu no governo FHC, que temia desvio do dinheiro para financiamento da militância política, mas voltou a crescer no governo atual. No total, 45 universidades públicas já mantêm parcerias com os sem-terra.

A preocupação do MST, que se inspira nos métodos de Paulo Freire (1921-1997), é formar educadores afinados com suas ações e sua ideologia.


Boletim Informativo nº 891, semana de 28 de novembro a 4 dezembro de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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