PODER JUDICIÁRIO Apelação Cível Com Revisão nº 308.415.5/8-00 – Pereira Barreto – Voto nº 311 |
Ação de Cobrança. Contribuição Sindical Rural Patronal. Sentença de procedência. Regularidade das guias de recolhimento. Inexigibilidade de prévia notificação para viabilizar a cobrança. Natureza tributária desvinculada de filiação sindical. Recepção constitucional. Desnecessidade de lei complementar. Cobrança feita com base no cadastro do imóvel, mantido pela Receita Federal, elaborado segundo dados fornecidos pelo contribuinte, mediante declaração anual. Negado provimento ao recurso do réu. 1. Trata-se de ação de cobrança, proposta pela Confederação Nacional da Agricultura – CNA, objetivando o recebimento da Contribuição Sindical Rural Patronal, relativa aos anos de 1998 e 1999, conforme guias de recolhimento acostadas às fls. 8/10. A r. sentença de fls. 61/63, cujo relatório é adotado, julgou a ação procedente e condenou o réu “ao pagamento de R$ 573,90 à requerente, valor este que deverá ser corrigido monetariamente desde o inadimplemento, computando-se juros de mor de 0,5% desde a citação válida. Diante da sucumbência, condeno o requerido ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação”. Irresignado, apela o réu. Nega validade às guias de recolhimento que instruem a inicial, preenchidas com dados manuscritos ao lado de outros impressos. Nega também tenha sido previamente notificado para o pagamento, sendo, de resto, indevida a contribuição por não ser filiado a sindicato. Sustenta ser inconstitucional a contribuição, ensejadora de bi-tributação. Pede a integral reforma da sentença (fls. 65/72). Processado o recurso, com regular preparo, deixou a apelada de oferecer contra-razões. É o relatório. 2. Não vislumbro mácula nas guias de recolhimento acostadas à inicial. Indicam elas o imóvel rural a que se refere, respectiva localização e área. A base de cálculo é o valor venal para lançamento do ITR, declarado pela contribuinte, e o valor da contribuição pode ser facilmente confrontado com as classes de contribuição previstas no artigo 580 da CLT. Não impõe diversa conclusão o fato de estarem ali inseridos os valores dos acréscimos legais exigidos, notadamente porque quanto a estes nenhuma foi a impugnação específica por parte do apelante. Não se vê inviabilizada a cobrança pela ausência de prévia notificação. A CNA é pessoa de direito privado à qual, excepcionalmente, se atribuiu crédito de natureza tributária, a contribuição sindical rural. Tal circunstância não faz dela pessoa de direito público e não a autoriza a realizar atos administrativos como o lançamento. Trata-se de hipótese diversa daquela prevista quer no Código Tributário Nacional, quer na Lei de Execuções Fiscais. Daí porque não há necessidade de lançamento, nem, em conseqüência, de prévia notificação para possibilitar a cobrança. Também no mérito, não prospera a irresignação do requerido, uma vez que em nada se relaciona à filiação sindical a contribuição em questão. A Constituição Federal, ao tratar da organização sindical, prevê, no inciso IV, artigo 8º, a incidência da contribuição sindical, prevista em lei e obrigatória para todos os integrantes da categoria econômica ou profissional, contribuição essa de natureza tributária (art. 149 da CF). E, como se extrai do texto constitucional, tal contribuição não se confunde com a contribuição confederativa, esta, sim, fixada pela assembléia geral da entidade sindical e exigível apenas daqueles a ela filiados. Encontra-se a contribuição sindical regrada na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452/43), ali denominada imposto sindical, devida aos sindicatos por empregados e empregadores, independentemente de filiação (art. 578). Define-se como prestação pecuniária anual, devida por todos aqueles que participam de determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, ao sindicato dela representativo ou, na sua falta, à federação; na falta desta, é devida à confederação (arts. 579, 580, 590 e 591). Referidos dispositivos foram recepcionados pela Constituição Federal que, ao tratar da organização sindical, prevê, no inciso IV, artigo 8º, a incidência da contribuição sindical, de natureza tributária, regrada em lei e obrigatória para todos os integrantes da categoria econômica ou profissional. Como se extrai do texto constitucional, tal contribuição não se confunde com a confederativa, esta sim, fixada pela assembléia geral da entidade sindical e exigível apenas daqueles a ela filiados, preservada a primeira com sua natureza tributária (art. 149 da CF). Neste sentido, manifestou-se o Supremo Tribunal Federal, com a seguinte ementa: “ Sindicato – Contribuição Confederativa e Contribuição Sindical. Distinção. Inteligência dos artigos 8º, IV, e 149 da CF. A contribuição sindical é instituída por lei, de interesse das categorias profissionais (artigo 149), com caráter tributário, e assim compulsória; já a denominada contribuição confederativa, instituída pela assembléia-geral da entidade sindical (artigo 8º, IV, da CF), é compulsória apenas para os filiados do sindicato, mesmo aos que resultaram vencidos em deliberação da assembléia-geral, mas nunca aos não filiados.” (Recurso Extraordinário nº 184.266-1, SP, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 27.08.96). Na realidade, desnecessária é a promulgação de lei complementar, uma vez que a aplicabilidade da legislação anterior ano novo sistema tributário foi expressamente ressalvada (art. 34, § 5º, do ADCT). De resto, para que se opere a recepção normativa, basta a compatibilidade entre a norma anterior e as disposições de fundo da nova ordem constitucional, como se deu no caso em comento, irrelevante a forma pela qual aquela tenha se expressado, desde que obediente ao sistema legislativo então em vigor. Por outro lado, define o Decreto-lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, no artigo 1º, inciso II, o sujeito passivo da contribuição sindical rural, qual seja, o empresário ou empregador rural que: a) sendo pessoa física ou jurídica, tendo empregado, empreenda a qualquer título, atividade econômica rural; b) sendo proprietário ou não e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico, em área igual ou superior à dimensão do módulo rural da respectiva região; e c) seja proprietário de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja igual ou superior a um módulo rural. A cobrança da contribuição é feita com base no cadastro do imóvel feito junto à Secretaria da Receita Federal, administradora do Cadastro de Imóveis Rurais – CAFIR, cujos dados são atualizados anualmente pelo contribuinte do Imposto Territorial Rural, que está obrigado a entregar o Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT. Contém ele o valor da terra nua (VTR), adotado como base de cálculo tanto do ITR quanto da contribuição sindical. Tais informações chegam à autora por força de convênio de cooperação mantido com a Secretaria da Receita Federal, destinado, justamente, ao fornecimento dos dados cadastrais dos imóveis rurais que possibilitem a cobrança da contribuição sindical, conforme autorizado pelo artigo 17, inciso II, da Lei nº 9.393/96. É certo que, à falta de efetivo enquadramento do réu em qualquer das hipóteses de incidência, não tem cabimento a cobrança da contribuição sindical rural. A questão, todavia, é de prova: a cobrança por parte da autora se ampara em informação constante do cadastro de imóveis rurais, fruto de declaração feita pelo próprio réu. Caberia a este demonstrar aqui o fato modificativo ou extintivo da pretensão inicial, fazendo-se, para tanto, pertinente prova literal e específica acerca do conteúdo da declaração apresentada à Receita Federal. Ausente referida comprovação, impõe-se o acolhimento da pretensão inicial. A base de cálculo da contribuição em questão está definida no Decreto-lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971 e corresponde, quando contribuinte o empregador rural não organizado em forma de empresa ou firma, ao valor adotado para o lançamento do imposto territorial rural. Tal previsão não se viu modificada pelas disposições da Lei 7.047/82, dedicadas a cuidar tão somente da base de cálculo para os empregadores rurais organizados em empresa, que, nesta hipótese, passou a ser o valor do capital social. Também não é de vislumbrar inconstitucionalidade da cobrança em razão da identidade de base de cálculo frente ao Imposto Territorial Rural. A despeito de sua natureza tributária, a contribuição sindical em comento é distinta dos impostos, taxas e contribuições de melhorias. Trata-se, na realidade, de contribuição para custeio das atividades sindicais rurais, cuja cobrança está prevista no artigo 10, parágrafo 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para ser feita conjuntamente com a do imposto territorial rural, pelo mesmo órgão arrecadador. Destaque-se que, como ressaltado pelo Desembargador Laerte Sampaio em reiterados julgamentos, “ a lei nº 9.701, de 17.11.98, decorrente da conversão da MP nº 1617-51, de 12.05.98, exigiu fosse a área superior a dois módulos rurais da respectiva região. A base de cálculo seria o capital social ou o valor adotado para o lançamento do imposto territorial (art. 4º) sobre o qual incidiria a alíquota progressiva prevista no artigo 580, ´c´, da CLT. Sob este aspecto inexiste contrariedade ao artigo 145, parágrafo 2º, da Constituição Federal, que se restringe à base de cálculo das taxas. Por outro lado, o valor da terra nua é definido por ato voluntário do proprietário do imóvel rural em declaração à Receita Federal, vindo a se constituir em uma auto-avaliação (art. 8º, Lei 9.393/96)”. Não há, portanto, que se falar em desconformidade ao artigo 145, parágrafo 2º, da Constituição Federal, de incidência restrita às taxas. 3. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 308.415-5/8-00, da Comarca de PEREIRA BARRETO, em que é apelante M. S. M. N., sendo apelada CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – CNA: ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Público “A” do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALVES BEVILACQUA (Presidente, sem voto), DÉCIO NOTARANGELI e PEDRO BACCARAT. São Paulo, 1 de setembro de 2005. |
Boletim Informativo nº 890, semana de 21 a 27 de novembro de 2005 | VOLTAR |