O Brasil no drama Alberto Tamer |
Se o governo brasileiro está preocupado com um recuo chinês na importação de produtos agrícolas, pode relaxar. A agricultura da China vive um drama que a manterá em dependência eterna de maciças importações de produtos primários. Somente 20% no máximo (alguns estimam 13%) das terras chinesas são aptas para a agricultura e um possível aumento da produtividade agrícola liberaria, nos próximo anos, entre 70 milhões e 100 milhões de lavradores que vivem hoje em regime de miséria. Seria um novo exército de milhões de desempregados invadindo as cidades. Resumindo: os chineses produzem pouco e mal porque não podem produzir mais e melhor sem criar mais tensões sociais. Exagero? Não. Quem afirma isso é a respeitadíssima Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em estudo pioneiro sobre a estrutura e o futuro da economia chinesa. Futuro, nenhum, estrutura rudimentar e um campo povoado por mais de 800 milhões de habitantes. A agricultura é o elo fraco da economia chinesa. Por maior que seja a retaliação brasileira ao forte protecionismo comercial chinês e sua invasão no mercado interno, a China nada fará. Ela precisa do Brasil e de outros fornecedores de produtos agrícolas, principalmente soja e grãos de todos os tipos. A única meta urgente do governo é buscar auto-suficiência de arroz, elemento básico da população. Não há nada mais em vista a médio prazo. É verdade que há outros fornecedores, como EUA e Europa, mas a agricultura brasileira é eficiente, os preços são competitivos como revela o extraordinário aumento das exportações. Ocupamos hoje o 3.º lugar entre os maiores exportadores do agronegócio, abaixo exatamente de EUA e Europa. Cabe não se deixar impressionar com as ameaças de retaliação chinesa e aumentar a competitividade brasileira. A China continuará importadora permanente de produtos agrícolas; aí está o estudo da OCDE a confirmá-lo. Subsídios, miséria e atraso O estudo da OCDE revela dados até agora pouco conhecidos, que deveriam receber especial atenção dos negociadores brasileiros, lentos ainda em suas decisões. O estudo revela em toda extensão o caminho sem destino da agricultura chinesa. O governo chinês dá subsídios e incentivos da ordem de 58% sobre a produção dos agricultores, mas sem grandes resultados. Houve progresso em algumas áreas, insignificantes diante da crescente demanda interna - a população agora é de 1,3 bilhão de habitantes. Por que? "Apesar dos subsídios, a pobreza na área rural é ainda alta... e esses subsídios representam apenas 6% da renda dos agricultores", constata a OCDE. Outro fator fundamental é a primitiva estrutura agrária. Há no campo chinês 248 milhões de unidades agrícolas de plantadores - esta é a palavra exata. Considerando em média o número de pessoas por família, teremos uma população rural de 700 milhões a 800 milhões de pessoas que plantam de forma rudimentar. Informa a OCDE que, "mesmo empregando 40% dos trabalhadores chineses, sua produção representa 15% do PIB nacional". As terras são do Estado e cada agricultor recebe uma pequena área para cultivar. "A terra tem sido extremamente fragmentada", registra o responsável pelo estudo da OCDE, Andrzej Kwiecinski. E mais: a quase totalidade da produção só pode ser vendida para o governo. É a forma socializada ou melhor, comunizada de produção agrária, que redunda em baixíssima produtividade e nenhum estímulo à produção. Mas não podem melhorar? E esta é a questão essencial e o desafio insuperável. O governo poderia dar um choque de produtividade utilizando a imensa riqueza dos investimentos externos - mais US$ 700 bilhões desde o ano 2000! - e as crescentes receitas em dólares das exportações, de US$ 500 bilhões. Poderia, mas não fez nem pretende fazer, para evitar um grave problema social. Assim, o governo chinês pretende continuar mantendo a atual política férrea de impedi-los e proibi-los de migrar. O preço da menor tensão social que isso provocaria é um freio na produção e a dependência de importações de agroprodutos, uma dependência que continuará aumentando com o crescimento da população e maior consumo nas cidades decorrente da elevação do padrão de vida advindo da maior renda dos trabalhadores nas indústrias que não param de florescer. É um caminho sem retorno, um caminho sem fim. É um drama que está apenas no primeiro ato e no qual o Brasil pode ter um grande e oportuno papel a desempenhar. É só querer e não perder mais terreno para os que saíram na frente. (Extraído do jornal O Estado de S. Paulo, de 17 de novembro de 2005) |
Boletim Informativo nº
890, semana de 21 a 27 de novembro de 2005 | VOLTAR |