Parecer
afirma que triticultores têm |
Produtores de trigo que tiveram que vender seu produto abaixo do preço mínimo de R$ 24,00 a saca podem mover ação contra o Governo Federal para serem indenizados. Esta é a conclusão de parecer do ex-ministro do STF, Ilmar Galvão, em resposta a consulta da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) feita a pedido da Comissão de Grãos da FAEP. Galvão argumenta que o Governo Federal é responsável pela Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e, por isso, pode ser acionado pelos produtores rurais com objetivo de se ressarcirem. Leia a íntegra do parecer do ex-ministro, Ilmar Galvão: Consulta A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, por seu Departamento Jurídico, tendo em vista a omissão que se vem registrando, de parte do Governo Federal, na execução da Política de Preços Mínimos do Trigo, no que concerne às safras de 2004 e 2005, formula os quesitos que serão ao final transcritos, com as respectivas respostas. Opinião A Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra), no art. 1.º, § 2.º, definiu a Política Agrícola como "o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhe o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do País". E, no art. 2.º, § 2º, b, dispôs, "ser dever do Poder Público", "zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para sua racional utilização, promovendo a remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem- social" (sem os grifos). Dentre as providências estabelecidas pelo referido estatuto, com vista a estimular a produção agropecuária, destaca-se a estabelecida no art. 73, inciso XII, consistente na "garantia de preços mínimos à produção agrícola", providência assim disciplinada pelo art. 85 e § 1.º do mesmo diploma legislativo: "Art. 85. A fixação dos preços mínimos de acordo com a essencialidade dos produtos agropecuários, visando aos mercados interno e externo, deverá ser feita, no mínimo, sessenta dias antes da época do plantio em cada região e reajustado na época da venda, de acordo com os índices da correção fixados pelo Conselho Nacional de Economia. § 1.º Para fixação do preço mínimo se tomará por base o custo efetivo da produção, acrescido das despesas de transporte para o mercado mais próximo e da margem de lucro do produto, que não poderão ser inferior a trinta por cento." A fixação do preço mínimo foi disciplinada pelo Decreto-lei n. 79, de 19/12/1966, mais precisamente nos seguintes principais dispositivos: "Art. 1.º A União garantirá os preços dos produtos das atividades agrícola, pecuária ou extrativa, que forem fixados de acordo com este Decreto-Lei". "Art. 4.º A União efetivará a garantia de preços através das seguintes medidas: a) comprando os produtos, pelo preço mínimo fixado;" "Art. 5.º Os preços básicos serão fixados por Decreto do Poder Executivo... § 1.º A publicação dos decretos antecederá, no mínimo de 60 dias o início das épocas de plantio e, de 30 dias, o início da produção pecuária ou extrativa mais abundante nas diversas regiões, consoante as indicações dos órgãos competentes." "Art. 7.º Os órgãos que, na forma do art. 13, forem incumbidos de efetuar as compras e os financiamentos, são obrigados a fazer, nas zonas produtoras em que operarem, ampla divulgação dos preços mínimos locais." "Art. 8.º O financiamento desses produtos será no máximo em importância igual a de quantia que seria paga pela compra e pelo prazo que for necessário para o reequilíbrio do mercado, ouvida a Comissão de Coordenação Executiva do Abastecimento". Essa orientação normativa foi acolhida pela CF/88 que, no art. 187, estatuiu que a Política Agrícola será planejada e executada na forma da lei, levando em conta, especialmente: "II - os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização", que outra coisa não quis significar senão a segurança de um preço mínimo. Prova do afirmado é que a Lei n.º 8.171/91, depois de assentar:
estabelece que "a garantia de preços mínimos far-se-á através de financiamento da comercialização e da aquisição dos produtos agrícolas amparados"; e que "os alimentos considerados básicos terão tratamento privilegiado para efeito de preço mínimo" (§§ 2.º e 3.º do art. 33). Em obediência à diretriz traçada, o Chefe do Poder Executivo, pelos Decretos n.ºs 5.150, de 22 de julho de 2004 e 5.528, de 1.º setembro de 2005, estabeleceu os preços mínimos de vários produtos agrícolas alusivos às safras de inverno de 2004 e 2005, fixando, na região Sul, os valores de R$ 296,27 / R$ 348,17 por tonelada, para o tipo "brando" e R$ 348,17 / R$ 400,00 para o "durum"; e, na região Centro- Oeste e Bahia, R$ 333,14 / R$ 391,50 para a primeira espécie, e R$ 391,50 / R$ 450,00 para a segunda. Desenganadamente, constitui obrigação legal do Governo Federal a aquisição do trigo colhido nos dois períodos assinalados, mediante o pagamento do preço mínimo por ele próprio estipulado, na conformidade do disposto no diploma legal regulamentado pelos decretos acima mencionados (Decreto- Lei n.º 79/66), não podendo ser considerado como excludente dessa obrigação o fato de a despesa com a execução do programa sob enfoque não haver sido prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias nem no Orçamento; omissão que não pode ser atribuída senão aos órgãos e agentes responsáveis pela elaboração das duas referidas leis, não cabendo aos triticultores qualquer parcela de responsabilidade pela inexecução do programa. Ora, de acordo com a norma do § 6.º do art. 37 da Constituição Federal, "as pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, n essa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Parece fora de dúvida, por outro lado, que os triticultores, nas duas últimas safras, à falta de atuação do Poder Público na execução da Política de Preços Mínimos que lhe foi imposta por lei, sofreram considerável prejuízo, compelidos que foram a comercializar a saca de 60 quilos de trigo por R$ 19,00, quando seu preço mínimo havia sido fixado pelo Governo em cerca de R$24,00. Trata-se de prejuízo facilmente estimável, bastando, para tanto, apurar o produto da diferença de preço de cada saco de trigo pelo número de sacos comercializado em ambos os períodos. INDAGAÇÕES E RESPOSTAS 1.º Quesito: Qual a extensão da responsabilidade do Governo na execução da referida política de preços mínimos? Resposta: Conforme se viu a Política de Preços Mínimos é um programa cuja execução foi confiada pela lei ao Governo Federal, cumprindo-lhe, com exclusividade, responder pelas conseqüências de seu inadimplemento. 2.º Quesito: Seria viável uma ação judicial no sentido de exigir do Governo indenização pelas perdas e danos sofridas pelos triticultores em razão da inexecução da Política de Preços Mínimos no período sob enfoque? Resposta: Sim. A responsabilidade civil da União, no caso, é objetiva, independendo da prova de culpa de órgão ou agente causador do dano. 3.º quesito: É possível vincular o trigo que se acha depositado em armazéns credenciados pelo Governo ao débito dos triticultores junto aos bancos que financiaram o custeio das duas safras em questão? Resposta: A vinculação do trigo armazenado ao saldo devedor do respectivo financiamento só poderá ocorrer por efeito de contrato celebrado entre os produtores e os bancos credores. Brasília, 14/10/2005 ILMAR GALVÃO |
Boletim Informativo nº
886, semana de 14 a 30 de outubro de 2005 | VOLTAR |