Um governo contra a
agricultura
Rolf Kuntz* |
Ou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acorda a tempo ou está condenado a disputar a reeleição tendo como fundo sonoro o berreiro de multidões de agricultores em dificuldades. Se tiver juízo, levará a sério o desabafo do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, na entrevista coletiva concedida em Zurique, na terça-feira (04). (Leia matéria na página 11). A advertência do ministro foi clara: o Brasil está ameaçado de ver sua agricultura regredir, depois de muitos anos de avanço em tecnologia, produtividade e competitividade. O desabafo de Rodrigues foi surpreendente mesmo para quem tem acompanhado suas queixas. A explosão ocorreu logo depois de uma palestra em que ele tentou convencer estrangeiros a investir no Brasil. Cumpriu esse papel, mas em seguida exibiu à imprensa uma enorme frustração diante do que descreveu como o desamparo da agricultura. Rodrigues certamente não contou tudo. Expôs com ênfase os problemas conhecidos, como o câmbio valorizado, a situação dos endividados, a escassez de financiamento e as deficiências da infra-estrutura. Lembrou a perda de renda dos produtores e mostrou a redução das compras de insumos neste ano – queda de 40% no uso do calcário, de 16% na aplicação de fertilizantes, de 25% na procura de sementes e assim por diante. Mas não mencionou as dificuldades políticas de seu ministério. Queixou-se da falta de dinheiro e chegou a atribuí-la tanto às limitações do Tesouro, obrigado a racionar as verbas, quanto aos gastos sociais, que consomem muito e deixam pouco, segundo ele, para o resto. São explicações bem-educadas, de um ministro pouco disposto a discutir publicamente, com toda franqueza, os desacertos internos do governo. Mas os problemas da Agricultura estão nesses desacertos, não na penúria do Tesouro e menos ainda nos gastos sociais. O primeiro problema é de prioridade. O governo petista nunca chegou a formular uma política para a agricultura. Política, nesse caso, não é diretriz formulada apenas pelo ministro da área. É compromisso do chefe de governo. O presidente Lula assumiu um compromisso desse tipo em relação à indústria, embora tenha administrado muito mal, durante muito tempo, o conflito entre o ministro do Desenvolvimento e o presidente do BNDES. De alguma forma, o presidente da República percebeu a importância de levar adiante a modernização industrial iniciada há uns 15 anos. Na prática, a política avançou menos do que se prometeu, mas a diretriz foi fixada e pelo menos o BNDES teve seu orçamento alimentado. Mas Lula, para começar, parece nunca haver entendido a situação da agricultura brasileira. Percebeu, depois de algum tempo, que era um setor competitivo e capaz de gerar muitos dólares com exportações. Não foi muito além disso. Demorou a entender, se é que entendeu, que o problema da fome, no Brasil, não tem relação com a produção e a oferta de alimentos. No entanto, parece não haver aprendido, até agora, que essa oferta se tornou mais que suficiente porque alguns produtores se modernizaram e ganharam eficiência. Participaram da modernização tanto pequenos quanto grandes produtores, mas não em todas as regiões. A divisão relevante, no Brasil, não é entre unidades familiares e unidades patronais. Isso é uma bobagem. Mas é essa divisão que orienta os "estudos" e as decisões da política agrária, que recebe do presidente, apesar de inepta e inútil, muito mais atenção que a política agrícola. Desse quadro decorrem duas conseqüências. De um lado, falta dinheiro para a agricultura produtiva, porque o presidente não percebe sua importância. Se fosse considerada prioritária, o Ministério da Fazenda cortaria mais outros gastos e seria mais generoso com as funções do Ministério da Agricultura. Como a prioridade não é definida, falta dinheiro até para os programas de controle sanitário, essenciais para a exportação. O surgimento de um foco de aftosa pode comprometer um longo trabalho de abertura de mercados e custar centenas de milhões de dólares de negócios perdidos. Mas falta a percepção desse fato básico. De outro lado, prevalecem preconceitos absolutamente estúpidos. Soja é produto de fazendeiro rico. Mamona e dendê são produtos de agricultores pobres. Distinções desse tipo aparecem, por exemplo, em discussões sobre vantagens fiscais para a produção de biodiesel. E o presidente, pelo que se sabe, tolera besteiróis desse calibre. Diante desses problemas, câmbio é fichinha. * Rolf
Kuntz é jornalista |
Boletim Informativo nº
884, semana de 10 de 16 de outubro de 2005 | VOLTAR |