PODER JUDICIÁRIO
|
APELAÇÃO CÍVEL
nº 326.526-5/6-00, da Comarca de BEBEDOURO ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 326.526-5/6-00, da Comarca de BEBEDOURO, que são apelantes e reciprocamente apelados CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA - CNA E B. A. G. L. : Acordam, em Quarta Câmara de Direito Público "A" do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão : "deram provimento parcial ao recurso da autora, negando ao outro; v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O jultamento teve a participação dos Desembargadores SOARES LIMA (Presidente, sem voto) EGBERTO DE ALMEIDA PENIDO e ANA AMAZONAS BARROSO CARRIERI. São Paulo, 4 de agosto de 2005. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL – Cobrança – Desnecessidade de edição de lei complementar – Recepção da regulamentação anterior pela Constituição Federal de 1988, em especial, dos artigos 578 a 610 da CLT – Inexistência de bitributação ou aumento do Imposto Territorial Rural – Incidência da multa, juros e correção monetária previstos no art. 600 da CLT, contados da citação – Legitimidade de parte da Confederação – Utilização do processo de conhecimento – Via processual adequada – Inexigibilidade, tanto da publicação dos editais previstos no artigo 605 da CLT, quanto da prévia notificação prevista nos artigos 142 e seguintes do CTN – Recurso da ré improvido – Acolhimento parcial do apelo da autora. Vistos. 1. Trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou procedente a ação de cobrança, movida pela Confederação Nacional da Agricultura contra B. A. G. L., condenando esta última ao pagamento da quantia de R$ 348,51, referente à contribuição sindical rural patronal relativa ao exercício de 1999. Pede a apelante, Confederação Nacional da Agricultura, a fixação dos encargos decorrentes do inadimplemento, nos exatos termos previstos no artigo 600 da CLT. De outra banda, insurge-se a apelante contribuinte contra a sentença, invocando os seguintes argumentos: inadequação da via processual eleita; falta de publicação dos editais previstos no artigo 605 da CLT; inviabilidade da cobrança por falta de filiação voluntária; necessidade de lei complementar para a regulamentação desta obrigação tributária; falta de previsão legal para incluir, como devedor, pessoa física e violação do princípio da legalidade estrita. 2. Recursos recebidos, preparados e respondidos. É o relatório. 3. Examina-se, de início, o recurso oferecido pela contribuinte B.. Não merece acolhimento o reclamo. Não se visualizam os vícios na constituição do crédito, cuja cobrança se pretende, e que serviram de lastro para o acolhimento da demanda. Importante destacar, inicialmente, que as questões preliminares foram devidamente enfrentadas e rejeitadas na sentença hostilizada, cujos fundamentos ora se aproveitam. Inexistindo embasamento para o processo de execução, por falta de título executivo extrajudicial, surge como via processual adequada o processo de conhecimento, em que se persegue, com cognição ampla, tutela condenatória. Não se desconhece que o art. 6º do Decreto nº 1.166/71, conferia às guias de lançamento da contribuição emitidas pelo INCRA a qualidade de documento hábil à cobrança, reportando-se aos termos do art. 606 da CLT, que, por sua vez, falava em ação executiva, considerando, como título da dívida, a certidão expedida pelas autoridades regionais do MTPS. No entanto, como ambos os dispositivos são anteriores à vigência do CPC/73, e os documentos referidos não foram relacionados como título executivo extrajudicial (art. 585, CPC), não se poderia reconhecê-los como tal pela simples extensão dos privilégios da Fazenda Pública, com legitimação do uso do processo de execução, justamente por falta de imprescindível certidão de dívida prevista na Lei nº 6.830/80 (art. 3º). Daí a razão pela qual o Colendo Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de admitir que a cobrança fosse feita pelo processo especial monitório (REsp 245.659/SP, REsp 244.317/SP, REsp 423.131/SP, REsp 285.371/SP, REsp 331.622/SP, REsp 244.491/SP, REsp 244.317/SP (RADCOAST 12/64), REsp 218.595-RJ, REsp 204.894/MG (JBCC 190/142), com afirmação de que " no procedimento da Monitória Documental a " prova escrita", sem eficácia de título executivo, é condição especial de admissibilidade da respectiva ação. Se o documento que aparelha a ação monitória, não emana do devedor, mas goza de valor probante, revelando o convencimento plausível da obrigação, é título hábil a viabilizar o processamento da ação monitória. A Guia de Recolhimento da Contribuição Sindical Rural, acompanhada do " Demonstrativo da Constituição do Crédito por Imóvel", porque atende a estas exigências e exterioriza obrigação contida em lei, é prova escrita apta a ensejar a cobrança do valor total nela consubstanciado, pela via especial, do procedimento monitório" (REsp 244.491/SP). Fácil concluir que, não reconhecida a formação de título executivo extrajudicial, abre-se ao jurisdicionado a opção pelo processo de conhecimento, de procedimento ordinário ou sumário, ou mesmo pela ação monitória. Analisado o tema, ainda no plano da exigibilidade desta obrigação de nítida natureza tributária, não se pode tomar a exigência contida no artigo 605 da CLT, destinado, genericamente, ao recolhimento de qualquer contribuição sindical, como pressuposto de desenvolvimento válido e regular de um processo de conhecimento, ou, então, como condição específica de ação. Com efeito, a necessidade de publicação dos editais, da forma como previsto no citado dispositivo legal, tem por escopo conferir maior publicidade à obrigação, cientificando os contribuintes devedores, indistintamente considerados, do recolhimento do tributo, cujos elementos essenciais já vem devidamente definidos por lei, conforme se demonstrará a seguir. Outrossim, não se pode considerá-lo como pressuposto necessário ao credor para exigir, em juízo, a pretensão de receber seu crédito, notadamente quando utilizada, como via processual, o processo de conhecimento, cuja tutela perseguida tem natureza condenatória. Assim, exigível o crédito em função da presença, em tese, dos elementos essenciais dessa obrigação tributária, o processo de conhecimento proporciona ampla discussão a respeito do tema, propiciando ao réu oportunidade de se defender e, eventualmente, fazer valer suas razões. Também não há que se falar em carência de ação por falta de notificação do lançamento do crédito tributário, tal qual previsto nos artigos 142 e seguintes do Código Tributário Nacional. No caso, não se está diante de condição específica de ação. Com efeito, conquanto não se negue natureza tributária a esta contribuição sindical patronal rural, não se toma a notificação a que aludem referidos dispositivos legais como essencial à constituição do crédito, notadamente quando se vale o credor do processo de conhecimento para, justamente, obter a formação de título executivo. Ademais, os elementos essenciais desta obrigação tributária vêm definidos, de maneira clara e precisa, em texto de lei, razão pela qual a constituição do crédito independe de um ato formal de lançamento, emanado do credor e agente arrecadador. Já na órbita do mérito, toma-se por desnecessária a edição de lei complementar para regulamentar esta espécie de contribuição sindical. Inaplicável, à hipótese, a exigência prevista no artigo art. 146, da Constituição Federal de 1988, que se limita aos impostos. Nesse sentido, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, consoante se destaca da seguinte ementa: " ... Consignou-se, por isso, com fundamento no art. 146, II, "a" da Constituição, que a exação tratada, por não se tratar de um imposto, pode ter sua base de cálculo e seus contribuintes definidos por lei ordinária, sujeitando-se, contudo, às regras das alíneas "b" e "c" do mesmo dispositivo e que não é exigível a vinculação direta do contribuinte ou a possibilidade de auferir benefícios com a aplicação dos recursos arrecadados" (RE 389020 AgR/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 23/11/2004). Diversamente, a regulamentação básica que regia esta situação fática foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, não se sustentando a tese de omissão legislativa. Com efeito, o Decreto-lei nº 5.452/43 (Consolidação das Leis Trabalhistas) disciplinou a contribuição sindical com natureza tributária, denominando-a "imposto sindical", afirmando-a devida aos sindicatos por empregados e empregadores (art. 578). Definiu-a, ainda, como uma prestação pecuniária anual, devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, ao sindicato representativo da mesma ou, na sua falta, à federação; e na falta desta a confederação (arts. 579, 580, 590, 591). Tal compatibilização se infere do artigo 8º, inciso IV, da citada Carta Magna que diferenciou, claramente, a contribuição sindical (decorrente de lei e obrigatória para todos os participantes da categoria econômica ou profissional) da contribuição confederativa (fixada por assembléia geral da entidade sindical e exigível dos filiados), mantendo aquela com sua natureza tributária (art. 149, da CF/88). Seguindo esta orientação, afirmou o Supremo Tribunal Federal que " a recepção pela ordem constitucional vigente da contribuição sindical compulsória, prevista no art. 578 da CLT e exigível de todos os integrantes da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato resulta do art. 8º, IV, in fine, da Constituição; não obsta à recepção a proclamação, no caput do art. 8º, do princípio da liberdade sindical, que há de ser compreendido a partir dos termos em que a Lei Fundamental a positivou, nos quais a unicidade (art. 8º, II) e a própria contribuição sindical de natureza tributária (art. 8º, IV) – marcas características do modelo corporativista resistente -, dão a medida de sua relatividade (cf. MI 144, Pertence, RTJ 147//868, 874); nem impede a recepção questionada a falta da lei complementar prevista no art. 146, III, CF, à qual alude o art. 149, à vista do disposto no art. 34, §§ 3º e 4º, das Disposições Transitórias (cf. RE 146733, Moreira Alves, RTJ 146/684, 694)" (Agravo de Instrumento 516.705-9, Rel. Min. Gilmar Mendes). Idêntico caminho foi trilhado pelo Superior Tribunal de Justiça que, em precedente de sua Primeira Turma, afirmou o seguinte: " ... por possuir natureza tributária, a contribuição sindical rural passou a ser cobrada de todos os contribuintes definidos na lei que a instituiu, sem observância da obrigação de filiação ao sindicato, haja vista ela não se confundir com a contribuição sindical aprovada em assembléia geral, de natureza não tributária e de responsabilidade, apenas, dos que estão filiados ao sindicato" (REsp 636334/PR, Rel. Min. José Delgado, j. 26/10/04). Quanto à definição dos elementos essenciais desta obrigação tributária, o Decreto-lei nº 1.166, de 15.04.71, em seu artigo 1º, inciso II, alíneas "a", "b" e "c", identificou, especialmente, como sujeito passivo da contribuição sindical rural o empregador rural, o proprietário de imóvel rural com área igual ou superior à dimensão do módulo rural ou proprietário de mais de um imóvel rural cuja soma de áreas fosse igual ou superior ao referido módulo. A Lei nº 9.701, de 17.11.98, decorrente da conversão da MP nº 1617-51, de 12.05.98, exigiu fosse a área superior a dois módulos rurais da respectiva região. Por sua vez, a base de cálculo seria o capital social ou o valor adotado para o lançamento do imposto territorial (art. 4º) sobre o qual incidiria a alíquota progressiva prevista no art. 580, "c", da CLT. Tira-se, desse quadro, que inexiste contrariedade ao art. 145, § 2º da CF, que se restringe à base de cálculo das taxas. Por outro lado, o valor da terra nua é definido por ato voluntário do proprietário do imóvel rural em declaração à Receita Federal, vindo a se constituir em uma auto-avaliação (art. 8º, Lei nº 9.393/96). Não há que se falar, portanto, quer em bitributação, quer em extensão do imposto territorial rural, ressaltando nesta última hipótese, a diversidade de fatos geradores. Reforçando este entendimento, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, afirmou que " ... a Contribuição Sindical Rural possui natureza tributária. Bitributação inexistente por distintos os fatos geradores da Contribuição Sindical e do ITR" (Agravo de Instrumento 516.705-9, Rio Grande do Sul, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01/02/2005). Quanto à base de cálculo utilizada para aferição do pretenso crédito, vale-se a Confederação de informação obtida junto à Receita Federal. Vale a pena destacar que, uma vez desvinculado o lançamento do tributo das atribuições do INCRA e da Secretaria da Receita Federal (art. 24, Lei nº 8.847/94), voltou a contribuição rural a ter seu recolhimento previsto para o mês de janeiro de cada ano (art. 587, CLT) e não na data do recolhimento do imposto territorial rural (art. 5º, Decreto-lei nº 1.166/71). O recolhimento fora do prazo sujeita o infrator à multa progressiva conforme o período de mora (10% nos primeiros 30 dias e acréscimos de mais 2% por mês subseqüente de atraso), além dos juros de 1% ao mês e correção monetária. Aplicável, quanto a este tópico, o disposto no artigo 600 da CLT. Ao contrário do que se poderia alegar, não existe abusividade nesta cobrança, lembrando apenas que a multa não pode ser confundida com os juros moratórios, pois se tratam de institutos jurídicos distintos. No entanto, tendo em vista a conduta mantida pela própria credora, veiculada por intermédio de editais publicados em periódicos, a constituição em mora dos devedores, termo inicial da incidência dos juros e da multa acima destacados, dá-se do vencimento do prazo previsto na própria ficha de compensação bancária por ela emitida, quando provado o recebimento pelo destinatário, ou, então, da data da citação. Na hipótese, diante da ausência de comprovação do efetivo recebimento da ficha de compensação bancária, torna-se como marco inicial a citação, tal qual estabelecido na sentença. E, sendo a administração dessa contribuição atribuída expressamente à Confederação Nacional da Agricultura (art. 24, I, Lei nº 8.847/94) ficou-lhe legitimado poder para proceder ao lançamento, cobrança e distribuição do produto. Daí porque se permitiu à Receita Federal fornecer, mediante convênio, à Confederação os dados cadastrais dos imóveis rurais (art. 17, I, Lei nº 9.393/96). Daí concluir-se, também, pela sua legitimidade para ajuizar a demanda objetivando a satisfação do valor da contribuição com todos os seus acréscimos (REsp 315.919/MS, Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma, j. 28/08/2001; REsp. 649997/MG, rel. Min. Francisco Falcão, j. 28/09/2004). Inconsistente a alegação de violação ao princípio da estrita legalidade, isto porque o art. 580 da CLT, com a nova redação dada pela Lei nº 7047/82, não mais faria referência à base de cálculo da pessoa física. A despeito da tese desenvolvida pela contribuinte, a Lei nº 7047/82 não revogou o art. 580 da CLT, alterando-o, apenas, em relação às pessoas jurídicas. Assim, no que toca à base de cálculo da pessoa física, continua ela sendo fixada pelo Decreto 1.166/71. Inexiste também violação ao princípio da isonomia, justamente porque o legislador acabou por tratar de forma desigual contribuintes que se encontram em situações diversas e que buscam objetivos diversos. 4. De outra banda, acolhe-se, apenas em parte, o recurso interposto pela Confederação Nacional da Agricultura. No tocante aos encargos moratórios, incidem as verbas previstas no artigo 600 da CLT. Ora, conforme já ressaltado acima, incidem, no caso, tanto os juros legais de 1% ao mês, quanto a multa proporcional e progressiva previstas no citado dispositivo legal. Mantém-se, todavia, como termo inicial a citação, da forma como estabelecido na sentença, posto que não comprovada a constituição em mora da devedora antes desta data. 5. Ante todo o exposto, nega-se provimento ao recurso interposto pela ré, acolhendo-se, em parte, o recurso da autora para determinar a incidência dos encargos decorrentes da mora, nos exatos termos previstos no artigo 600 da CLT, contados da data da citação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL nº 326.526-5/6-00, da Comarca de BEBEDOURO, em que são apelantes e reciprocamente apelados CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – CNA E B. A. G. L.: Acordam, em Quarta Câmara de Direito Público "A" do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: " deram provimento parcial ao recurso da autora, negando ao outro; v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores SOARES LIMA (Presidente, sem voto), EGBERTO DE ALMEIDA PENIDO e ANA AMAZONAS BARROSO CARRIERI. São Paulo, 4 de agosto de 2005. ROGERIO MARRONE DE CASTRO SAMPAIO Relator |
Curitiba, 12 de julho de 2005. Desembargador |
Boletim Informativo nº
883, semana de 3 a 9 de outubro de 2005 | VOLTAR |