Jóia da primavera

*Xico Graziano

Cresce na economia rural uma percepção angustiante: não adianta produzir, é preciso vender. Essa equação, relativa aos agronegócios, ultrapassa o viés tecnológico. Configura um dilema do mercado.

Antes, a questão fundamental residia na produção. Sabendo plantar, bastava colher e levar para o consumo. Nem se colocava a exigência da qualidade. Bons agricultores progrediam com certa facilidade. Assim ocorreu a modernização do campo, impulsionada pela industrialização e pelo êxodo rural. Com crescente demanda nas cidades, produzir era solução.

Tornando-se grande exportador de produtos agrícolas, o Brasil agora depende também do crescimento mundial. Os preços e, conseqüentemente, a renda rural ganham novos contornos. Nessas condições, aumentar a produção rural pode se transformar em problema. Vai vender para quem? Com que preços?

A profissionalização do campo exige raciocínio inverso do tradicional: primeiro, pesquisar o mercado; depois, plantar. Em outras palavras, produzir aquilo que vai vender. Fácil de falar, difícil de fazer. Onde se encontra o maior obstáculo?

Paradoxalmente, no extraordinário potencial da agricultura brasileira. Cultivam-se no País 62 milhões de hectares. Estima-se, ainda, que outros 90 milhões possam, com a tecnologia existente, ser aproveitados. Com tanta fronteira a expandir, a maior vantagem pode ser estorvo.

O País desperdiçará sua fabulosa fronteira agrícola se provocar expansão desenfreada sobre as áreas virgens. Pode atrapalhar seu próprio negócio. Mais acertado será realizar planejamento da produção, selecionando o que produzir e, em algumas commodities, dosar o plantio e controlar a oferta.

Existem três grandes oportunidades. Primeiro, na produção de proteína animal, incluindo matéria-prima para rações. As nações emergentes do Oriente Médio e da Ásia, China incluída, vão demandar muita carne (bovina, suína, frangos), além de farelo de soja, necessário para arraçoar seus rebanhos. A condição tropical facilita a criação a pasto e, investindo em sanidade, o Brasil será imbatível no mercado de proteína animal.

Segundo, vem aí a era dos biocombustíveis. A agricultura passará a ocupar nova função, a de geradora de energia, por meio do álcool anidro e do biodiesel. Na cana-de-açúcar, na mamona, no dendê, na palma e na soja recaem as melhores perspectivas para atender ao crescente e inexorável consumo de combustível renovável. Manda a ecologia.

Somando-se as várias alternativas, até 2020 o País poderá ampliar em 50% sua área plantada, ou seja, incorporar mais 30 milhões de hectares à produção. Esse crescimento está longe, como se percebe na futurologia rural, de esgotar o potencial produtivo da agricultura.

Há uma terceira grande oportunidade, freqüentemente esquecida na economia rural. Trata-se da silvicultura. As florestas plantadas geram celulose e papel, fornecem madeira para a movelaria e a construção civil, além do carvão vegetal para uso energético. O déficit de madeira no País é tão preocupante que se aventa a possibilidade de ocorrer um "apagão florestal". Plantar árvores é o melhor negócio do momento.

O Brasil destina, atualmente, 5,2 milhões de hectares para as florestas plantadas, principalmente eucaliptos e pinus. Tal área poderá expandir-se fortemente. A China, campeã mundial, apresenta 45 milhões de hectares com florestas plantadas. No Japão são 10 milhões.

Contando com calor, água e tecnologia, as árvores plantadas aqui crescem três vezes mais que nas florestas frias dos concorrentes. O resultado se manifesta na agressividade das exportações de celulose e papel, que devem atingir US$ 3,5 bilhões em 2005. Um show.

Internamente, quanto mais madeira produzir, mais aliviará a pressão sobre a Amazônia. O carvão vegetal, originado de eucaliptos, bota para escanteio o óleo combustível das caldeiras. Móveis com aglomerados de pinus substituem vantajosamente as madeiras de lei. Chega de ripa de peroba nos telhados.

A exuberância das matas nativas permitiu erguer certo preconceito contra as plantações florestais. Alguns as consideram florestas "artificiais", outros tacham-nas, pejorativamente, de plantas "exóticas". Pura bobagem. Artificiais são árvores de plástico; exóticas são todas as espécies cultivadas, como o café, a laranja, o arroz, o feijão. Alguém as condena?

Vale a pena, ao iniciar a primavera, descobrir essa jóia escondida dos agronegócios. Ao contrário de desmatar, plantar árvores nos solos degradados, recuperando-os, amenizando o clima, reduzindo o efeito estufa.

Amanhã (dia 28 de setembro, N. E.), o presidente Lula inaugura a Veracel, fábrica de celulose e papel que consumiu investimentos de US$ 1,2 bilhão. Trata-se de um reconhecimento político e, sem dúvida, uma aposta no futuro. Instalada no sul da Bahia, uma região pobre, mais que árvores, planta-se ali o desenvolvimento. Da terra fraca extrai madeira, incorpora valor, agrega renda.

Como sempre, o MST deve criar uma pequena confusão. Tudo normal. O messianismo agrário cultua a distribuição da miséria. Mas a exclusão se combate, mesmo, gerando empregos. Afora o trabalho direto na indústria, as parcerias florestais garantem renda constante e longa aos agricultores familiares. Plantar árvores forma uma espécie de previdência.

Bom momento para fomentar a silvicultura, livrando-a da tutela do Ibama, dando-lhe a maioridade. Preservar e produzir, simultaneamente, essa é a equação do desenvolvimento sustentável. Com inclusão social.

 

*Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995)
e secretário da Agricultura do Estado de São Paulo (1996-98)
(Transcrito do jornal O Estado de S. Paulo, de 27 de setembro de 2005)


Boletim Informativo nº 883, semana de 3 a 9 de outubro de 2005
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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