Futuro do MST
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A derrocada do PT e o fracasso do governo Lula provocam uma dúvida angustiante na cabeça dos agricultores brasileiros: o que acontecerá com o MST? Ninguém arrisca uma resposta. Surgido no final dos 70, a partir de conflitos fundiários ocorridos no Rio Grande do Sul, o movimento dos sem-terra se firmou, nacionalmente, durante o processo constituinte de 88. Fez o contraponto ideológico com a recém-criada UDR (União Democrática Ruralista). A "Nova República" chegou carregada de esperança. Parecia que, com a redemocratização do país, as mazelas históricas, todas, seriam corrigidas. Derrubada a ditadura militar viria, finalmente, a justiça social e a distribuição de renda. A terra, concentrada desde o tempo das sesmarias, pertenceria a quem nela quisesse trabalhar. O respiro da liberdade, entretanto, não ofereceu caminho fácil para o Céu. Na reforma agrária, um grande equívoco se cometeu. Os formuladores do plano agrário do governo Sarney trabalhavam com estatísticas suspeitas, que indicavam um fabuloso estoque de terras ociosas no país. Segundo o cadastro do Incra, os latifúndios ocupavam 70% da área agrícola, cerca de 410 milhões de hectares. Era falso. Criou-se uma ilusão, a de que seria fácil assentar os trabalhadores. Os cálculos supunham distribuir terras para 6 a 7 milhões de famílias. No plano do governo Sarney, todavia, considerando 4 anos de gestão, contentou-se com apenas (sic) 1,4 milhão de famílias. A esquerda comemorava o início da redenção dos miseráveis do campo. Na prática, a teoria não se confirmava. As vistorias do Incra demoravam a localizar os imensos latifúndios. A maioria deles era selva bruta. Outros, imóveis grilados. Muitos estavam produtivos. Findo o governo Sarney, apenas 82 mil famílias acabaram assentadas, menos de 6% da meta estabelecida. A frustração deu gás ao radicalismo político do MST. O fracasso da reforma agrária da Nova República acabou atribuído à reação política dos grandes fazendeiros. Mas, na verdade, a modernização da agricultura, operando desde os anos 70, modificava profundamente o modo de produção no campo, capitalizando-o. Chegara ao fim a velha oligarquia, substituída progressivamente pelo empresariado rural. Sem perceber a mudança na produção, a esquerda manteve o velho discurso e partiu para o confronto. Perdeu feio. Em 1989, Collor vence as eleições. A regulamentação dos novos dispositivos constitucionais - as leis agrícola e agrária - demora 3 anos. Assume Itamar Franco. Durante esse interregno, o MST permaneceu quieto, como víbora se preparando para o bote. Na verdade, preparavam-se para eleger Lula presidente em 1994. A vitória coube, porém, a Fernando Henrique. Derrotado, o MST parte para a ofensiva. Inicia assim, em 1995, sua fase mais aguerrida, das invasões de terra. Lhes dão respaldo o PT e a Comissão Pastoral da Terra, da igreja católica. Aumentam os conflitos fundiários, estouram as atrocidades da PM em Corumbiara, na Rondônia, e Parauapebas, no Pará. A mídia destaca o tema. Durante 8 anos do governo FHC, 500 mil famílias são, no mínimo, assentadas em projetos de reforma agrária. Quanto mais se assentava, todavia, mais o MST, agora secundado pela Contag, a confederação oficial dos trabalhadores rurais, ficava nervoso. Paradoxalmente, a tensão no campo, ao invés de se amainar, cresceu. Fica claro que o MST, que nascera, por assim dizer, puro, se transformara numa organização essencialmente política. Seu projeto de poder, de matiz revolucionária, busca instalar no país uma economia camponesa autônoma, de caráter socialista. Sua estratégia exigia desgastar o governo tucano. E conseguiu. Finalmente, o PT galgou o poder. À semelhança da Nova República, as expectativas se avolumaram. Novamente, ao contrário do que se aguardava, a reforma agrária empacou. Excluindo os assentados em vagas abertas nos projetos antigos, estima-se que menos de 50 mil famílias receberam terras em recentes desapropriações. Um vexame petista. Por fim, descobriu-se a podridão. Esfumaçou-se o valor ético que lustrava carapaça do PT. Derrotado pela sua própria gente, machucado no âmago de sua política, o MST perdeu o discurso e o rumo. Seus ideólogos estão zonzos. Chegou a hora de acertar contas com a realidade. Intelectual que se preza faz autocrítica e supera o trauma. Cresce no processo. Já a camarilha, ou os boçais, diferentemente, por serem dogmáticos, tendem a seguir repetindo seus mantras até trombar na História. É o que acontecerá com o comando dos sem-terra. O MST está seguindo um ritual de passagem. Fez ato contra a corrupção, mas defendeu o presidente Lula. A razão é simples: centenas de convênios oficiais lhe colocam energia pura, quer dizer, recursos públicos, na veia. Fundos do exterior não mais regam as contas do MST. Se acabar a mamata por aqui, adeus revolução. Não está na finança o desafio maior. Este reside na própria capacidade de submeter sua ação às normas do regime democrático. As invasões de fazendas apontam para o passado. O futuro do MST pertence à multidão de excluídos que cedeu ao encanto da terra prometida, e agora, assentados, querem progredir na vida. O árbitro da peleja entre o passado e o futuro do MST será a mídia. Se ela continuar tratando-o como "movimento social", ajudará a manter a máscara da organização. Se denunciar seu sectarismo, auxiliará sua evolução. Xico Graziano,
deputado federal, foi presidente do Incra, |
Boletim Informativo nº
881, semana de 19 a 25 de setembro de 2005 | VOLTAR |